"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 08, 2011

O ARDIL DA "GOVERNABILIDADE, PAI DO FISOLOGISMO E BERÇO DOS PATIFES.


Após derrubar ministros como o do Turismo e o do Esporte, a corrupção envolvendo ONGs "de fantasia" aparece em estado exuberante nas dependências do Ministério do Trabalho, a ponto de o TCU pedir que "a Casa Civil e o Ministério do Planejamento sejam informados da situação crítica vivida pelo ministério (do Trabalho)".

É o mesmo método, tão pouco original que um delegado, à frente de 20 inquéritos instalados pela Polícia Federal em Aracaju, chega a dizer:
"Parece que eles (donos de ONGs fantasmas) sentaram num auditório e tiveram uma aula de como fraudar a União."

Em artigo para O GLOBO, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso também assinala o perturbador aspecto "sistemático" do que está acontecendo.

Diz o ex-presidente:
"O que era episódico tornou-se um sistema; o que era um desvio de conduta individual passou a ser prática aceita para garantir a governabilidade."

Uma novidade, em relação a tempos recentes, é que as denúncias não só aparecem, como estão tendo consequências.

Ministros do Esporte, do Turismo e da Agricultura foram afastados depois de denúncias referentes a práticas desonestas, síndrome que agora ameaça encurtar a carreira do ministro Lupi.

Seriam quatro casos semelhantes no que é ainda o primeiro ano do governo Dilma.

Uma árvore tão frondosa de escândalos não surge do nada. Corrupção existe em qualquer nação do mundo. Mas ela pode crescer exponencialmente se não se põem obstáculos à sua marcha.

Os ministros agora derrubados ou em processo de saída são todos frutos do período anterior de governo (aliás, período duplo).
Nesse longo período, ninguém achou que corrupção fosse um problema.

Perderam-se numerosas oportunidades de dar à sociedade, e ao mundo político, pelo menos um sinal de que nem tudo era permitido. Um certo Severino ficou famoso nessa maré de complacências.

Ainda agora, continua valendo uma teoria de que preocupações éticas são sintomas de "udenismo". No escândalo anterior ao de agora, envolvendo o Ministério do Esporte, o ex-presidente Lula chegou a pedir aos acusados que tivessem o "casco duro" para enfrentar a chuva de incriminações.

É a famosa teoria da "governabilidade". É a versão extrema da realpolitik que Bismarck pôs na moda ainda no século XIX: a política como território do pragmatismo, com exclusão de qualquer preocupação ética.

Não é preciso recorrer à história antiga para saber como terminam os que só pensam no poder. Está aí, pedindo estudo mais acurado, a espantosa história do que se chamou a União Soviética.
Era para ser um movimento de redenção das massas, de correção das injustiças. Mas, muito cedo, todo resquício de idealismo no que se apresentava como sendo a versão leninista do marxismo foi sufocado pelo puro jogo do poder.
Por causa disso, Stalin mandou matar Trotsky em seu exílio mexicano, e levou a julgamento e condenação qualquer liderança que pudesse fazer-lhe sombra.

Era a "governabilidade" na sua versão mais pura.

Mas um dia, do que fora um sistema poderoso só restava uma carcaça vazia.
E tudo veio abaixo.

O Globo
Os limites da 'governabilidade'

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