"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 18, 2011

QUANDO A COISA PÚBLICA É ADMINISTRADA POR CANALHAS, ATÉ OS MORTOS BATEM PONTO E RECEBEM R$10 milhões

Em Pernambuco, há 1.173 mortos que custaram R$10,8 milhões aos cofres públicos em apenas um ano.

Eles constam em folhas de pagamento de repartições estaduais nas prefeituras de 169 dos 184 municípios do estado, e ainda em 150 câmaras municipais.

É o que mostra uma pesquisa feita pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) que comprovou outras distorções, como a de um servidor que tem 14 vínculos com órgãos públicos nas duas esferas de poder.

Foi o recorde entre os abusos encontrados no levantamento feito entre 2010 e 2011.

Os nomes dos personagens e dos municípios onde há a maior quantidade de irregularidades não foram divulgados pelo TCE.

Segundo a chefe de Gerência de Auditorias de Tecnologia de Informação do TCE, Regina Ximenes, os responsáveis estão sendo notificados; alguns já apresentaram suas defesas.

Regina informou ter encontrado frequentemente servidores com cinco vínculos, quando a legislação limita essa participação a dois, nas áreas de Educação e Saúde, e no caso de não haver superposição de horários.

Há outras curiosidades, como servidores na ativa com idades entre 80 e 90 anos. Há ainda flagrantes desrespeitos à legislação, com servidores que ganham menos de um salário mínimo.

Em pelo menos 130 prefeituras, há 13.670 funcionários que não recebem o vencimento de R$545 a que têm direito.

Entre os professores, também há desrespeito à lei:
49.429 recebem remuneração abaixo do piso nas prefeituras.

As informações constam do trabalho "Uma nova metodologia de auditoria informatizada de pessoal", que acaba de ser premiado num concurso de inovação promovido pela Escola de Contas Públicas Professor Barreto Campelo, que qualifica servidores do TCE.

Nomes de envolvidos ainda mantidos em sigilo pelo TCE

Segundo o presidente do TCE, Marcos Loreto, foi o mais abrangente levantamento realizado pelo órgão. Dele participaram três analistas e um programador, no levantamento e cruzamento de dados.

Para se ter uma ideia da abrangência do levantamento, Regina lembrou que foram examinados 11,5 milhões de contracheques do estado, das prefeituras e das casas legislativas.

Loreto disse que os nomes dos envolvidos nas irregularidades só serão divulgados após apresentadas e analisadas suas defesas. E lembrou que há prefeituras que ainda usam meios não informatizados nas folhas de pagamento.

- Há algumas que fazem isso em cadernos, não têm como controlar as distorções que vêm se acumulando ao longo de várias gestões. Em 2010, resolvemos investir nesse tipo de pesquisa, e os resultados estão começando a aparecer.

É um trabalho que os bons gestores deveriam aplaudir e não reclamar - disse ele, respondendo à Associação Municipalista de Pernambuco (Amupe), cujo presidente, Antônio Dourado, criticou o TCE pelo excesso de recomendações emitidas.

- Todo dia surge uma, isso dificulta nosso trabalho - afirmou Dourado, prefeito de Lajedo, no Agreste de Pernambuco.

Para Loreto, Dourado e os outros prefeitos deveriam agradecer ao esforço do TCE:

- Gostaríamos que os prefeitos não vissem o TCE como inimigo. Estamos só ajudando ao bom gestor. Afinal, o que o TCE está fazendo corresponde ao serviço de uma auditoria de luxo, através da qual as prefeituras podem evitar escoamentos desnecessários e economizar.

Letícia Lins O Globo

O prejuízo dos outros : Congresso gasta você paga

Para não mexer nos lucros dos contratos que mantêm com a Câmara e o Senado, empresas que prestam serviços para as Casas transferem para o Congresso a conta dos reajustes salariais acima da inflação e de benefícios trabalhistas extraordinários conquistados pelos funcionários das firmas terceirizadas.

Só para 2012, o orçamento que será votado na próxima semana prevê aumento de despesas de R$ 23,5 milhões para reajustar o valor de contratos dos serviços extras.

Emenda orçamentária de autoria da comissão diretora da Câmara destina R$ 11,5 milhões para "equilíbrio financeiro da massa contratual" de locação de mão de obra. O montante representa reajuste de 10,7% em relação ao total gasto em 2011 com terceirização, que até dezembro somava despesa de R$ 102 milhões.

No Senado, emenda da comissão diretora reserva R$ 12 milhões para "reajustes salariais concedidos aos empregados de empresas de terceirização, em decorrência de acordos ou convenções coletivas".

Na justificativa da emenda, a diretoria do Senado reclama que está "de mãos amarradas", pois a Instrução Normativa nº 3 de 2008 do Ministério do Planejamento determina que os aumentos de salário oriundos de vitórias sindicais devem ser repassados aos valores dos contratos integralmente.

"As empresas de terceirização de serviços e seus sindicatos patronais têm concedido elevados reajustes, muito superiores à inflação. Tal comportamento aumenta não apenas a renda dos empregados, mas também a renda das empresas, que são remuneradas a um percentual fixo do custo total do trabalho", protesta a direção do Senado na emenda orçamentária.

Os R$ 12 milhões de acréscimo nos contratos de terceirização de mão de obra no Senado representam reajuste de 12,2% no montante de R$ 99,9 milhões que a Casa paga atualmente à firmas de prestação de serviços.

O primeiro-secretário do Senado, Cícero Lucena (PSDB-PB), informou ao Correio que a Casa iniciará, a partir do próximo ano, mudança nas redações dos novos contratos e dos que serão renovados, para impedir que as empresas acatem, de forma abusiva, todos os pleitos sindicais repassando ao legislativo a conta pelos benefícios trabalhistas dos terceirizados.

"Quando não há nenhum fato novo, o reajuste é feito pela inflação. Mas quando é assinado um dissídio coletivo, é contratual. O Senado está ao bel-prazer do dissídio coletivo. É muito cômodo apresentar a conta para o órgão público e isso está correndo solto."

Corpo mole
Lucena explica que os departamentos jurídicos das firmas terceirizadas não estão se esforçando para impedir na justiça os aumentos acima da inflação, pois o lucro das empresas não é comprometido com os reajustes salariais.

"A empresa ganha em cima do custo, por isso fazem jogo de cena, como se realmente estivessem questionando na Justiça os aumentos concedidos."

O primeiro-secretário da Câmara, Eduardo Gomes (PSDB-TO), explica que atualmente na Casa há contratos que preveem a absorção dos reajustes estipulados em pleito de categorias funcionais.

Ele pontua que os critérios de aumentos salariais nem sempre estão em sintonia com o atual quadro econômico, de controle inflacionário.


"Isso vem de uma cultura do período de inflação que servia como uma forma de sobrevivência do trabalhador", diz Gomes.

O "exército" de funcionários terceirizados no Congresso chega a 6 mil pessoas. O inchaço da mão de obra locada está na lista de prioridades do texto da reforma administrativa que tramita no Senado.
O projeto prevê corte de 30% nos contratos, o que significaria economia de R$ 48 milhões.

Para cortar o excesso nos contratos de terceirização, no entanto, após a aprovação da reforma administrativa, o Senado ainda teria que analisar um projeto de resolução disciplinando a contratação de mão de obra, com a indicação do remanejamento de funções necessário para suprir o trabalho que atualmente é fornecido pela iniciativa privada.


Erich Decat/Josie Jeronimo Correio Braziliense

A CASTA, O BNDES E OS "EMPRÉSTIMOS" OBSCUROS : Grandes empréstimos, pequenos avanços

BNDES destina R$40 bi para turbinar apenas seis empresas

Endividamento elevado, prejuízo, corte de custos, demissões e pouco avanço no mercado externo.
Esse é o retrato de um seleto grupo de empresas apoiadas financeiramente pelo BNDES, nos últimos cinco anos, por terem sido eleitas pelo governo para se transformarem em multinacionais verde-amarelas.

Para apenas seis companhias -
os frigoríficos JBS e Marfrig,
a Oi,
a BRF Brasil Foods,
a Fibria e a Ambev - o banco destinou R$40,8 bilhões nesse período, incluindo participação acionária e financiamentos diversos.

Esse valor é comparável, por exemplo, com o total estimado para o financiamento habitacional de 2011 em todo o país, que, de acordo com o último balanço do PAC, pode chegar a R$44 bilhões. Especialistas questionam os resultados dessas companhias e até a escolha dos setores que receberam apoio do governo.

O setor que mais recebeu recursos foi o de frigoríficos:
R$15,64 bilhões, tanto em financiamentos como em compra de participação acionária.
Com a ajuda do BNDES, Marfrig e JBS conseguiram adquirir ativos no exterior em ritmo acelerado.

Resultado:
estão superendividados, em R$21,5 bilhões, sendo obrigados a fechar fábricas e demitir funcionários para ajustar as operações.

A Oi, que comprou a Brasil Telecom (BrT) e soma R$10,8 bilhões em operações com o banco estatal de fomento, segue cortando custos enquanto tenta avançar em seu processo de simplificação acionária.

O Marfrig, por exemplo, registrou prejuízo de R$540 milhões no terceiro trimestre deste ano, valor 687,2% maior em relação ao mesmo período de 2010. Com pelo menos 11 aquisições entre 2008 e 2010, a empresa viu seu endividamento chegar a R$7,869 bilhões no fim de setembro, bem acima dos R$6,385 bilhões no fim de junho.

O JBS, que teve prejuízo de R$67,5 milhões no mesmo período - depois das perdas de R$180,8 milhões no terceiro trimestre de 2010 -, só vê o endividamento aumentar: subiu de R$12,164 bilhões em junho para R$13,654 bi em setembro.

- Para as empresas, é vantajoso pegar dinheiro do BNDES. O ponto central é a transparência. Apesar do projeto do governo de criar superpotências, parece que todo o dinheiro vem sendo liberado apenas para atender aos interesses dos grupos nacionais - diz Cândido Grzybowski, diretor-geral do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

Após apoio oficial, venda a estrangeiro

E o cenário de ajustes ainda é longo. Segundo Alcides Torres, analista de mercado da consultoria Scot Agroconsult, na melhor das hipóteses, os frigoríficos só irão conseguir arrumar suas operações em cinco anos, após o apoio do banco estatal.

Agora, correm nos ajustes.

O Marfrig teve de reduzir seus investimentos.

O JBS interrompeu a atividade em frigoríficos no país, para economizar.
Em seu próprio relatório, a companhia diz que 2011 foi um período de pôr a casa em ordem.

- Ou seja, estão demitindo. As empresas compradas no exterior, pelas companhias brasileiras, eram, em grande parte, mal administradas e pouco lucrativas. Por outro lado, esse é um setor de baixa margem de lucro, por isso essas empresas precisam ser grandes. Mas o retorno é só a longo prazo. Hoje, elas não estão distribuindo dividendos - analisa Alcides.

O cientista político João Roberto Lopes, coordenador do Instituto Mais Democracia, chama a atenção para o argumento usado pelo governo de proteger o capital nacional ao liberar financiamento barato para os grandes grupos nacionais.

Ele cita o caso da Ambev, criada com a união entre Brahma e Antarctica, e depois vendida para os belgas da InterBrew, que, posteriormente, comprou a americana Anheuser-Busch, dona da Budweiser.

Incentivos não ampliam inovação

A Oi é outro exemplo de empresa que aumentou de tamanho ao comprar a BrT com o empurrão do BNDES, em 2008. A empresa, que luta para cortar custos, não conseguiu avançar com força no mercado internacional - um dos principais objetivos anunciados na ocasião em que a supertele nacional foi criada.

Hoje, o grupo criou apenas subsidiária na Colômbia e no Paraguai. No terceiro trimestre do ano, viu seu lucro cair 20%, para R$426 milhões.

- Agora, vemos essa associação entre a Oi e a Portugal Telecom. Não há garantia de proteção ao capital nacional. Essa ideia é uma armadilha. O problema é que o banco não estabelece contrapartidas, permanecendo uma relação privilegiada para as empresas - afirma o coordenador Lopes.

Crescer no exterior não é tarefa simples. A BRF Brasil Foods (resultado da união de Sadia e Perdigão), por exemplo, viu suas exportações no ano de carne in natura caírem 5%, e as de carne processada, 11%.

Theotônio dos Santos, presidente da Cátedra da Unesco e da Universidade das Nações Unidas, em Tóquio, lembra que o apoio do Estado a empresas acontece em todo o mundo.

Mas ressalta que no Brasil o avanço das empresas nacionais é prejudicado pela falta de incentivos ao investimento em inovação tecnológica:

- Com Europa e EUA em ritmo lento, vemos China e Índia avançando.

Lopes, do Mais Democracia, também questiona os setores escolhidos:

- São setores com baixa geração de emprego e não afetam muitos segmentos da economia. Por que não atuar de forma desconcentrada, apoiando empresas de alimentos e energia elétrica?
Por que não apoiar setores como têxtil e moveleiro?
Subsidiar não é ruim.
O ruim é subsidiar companhias que podem captar recursos no mercado.

Resultado da compra da Aracruz Celulose pela Votorantim, a Fibria, por sua vez, amarga perda de 50% no seu valor de mercado na Bovespa este ano (a Bolsa caiu 19%). A queda, explicou o analista Carlos Eduardo Daltozo, do Banco do Brasil Investimentos, é maior que o recuo dos preços da celulose de fibra curta, de 21% em 2011.

- A empresa tem sido penalizada pela sua alavancagem excessiva, feita para investir em um megaprojeto de celulose - disse.

Procuradas, as seis empresas citadas não se pronunciaram.

Bruno Rosa e Henrique Gomes Batista
O Globo