"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

junho 02, 2014

A farsa de democracia direta

Com a nova Política Nacional de Participação Social, o PT busca implantar mecanismos de democracia direta no país, ao arrepio dos canais institucionais da nossa democracia representativa. 
A melhor maneira de pressionar os governantes continua sendo o voto na urna.

Sociedades maduras devem muito de sua prosperidade a suas instituições. 
O contrato social estabelece regras de convívio e funcionamento das diversas instâncias. A perenidade das normas orienta o comportamento dos cidadãos e a democracia oferece meios para participação e representação. 
Tudo dentro da ordem.
Há, porém, os que não comungam destes valores. 

Querem subverter a ordem, atropelar as instituições, instituir seus próprios princípios de convivência. Consideram regras consagradas como meros instrumentos de “dominação burguesa”. Opõem-se, com vigor, à democracia representativa e lutam por formas diretas de manifestação popular.


Esta é uma visão que predomina entre petistas. 

Trata-se de um vezo segundo o qual tudo o que se interponha no caminho de seu projeto de poder merece repúdio. Assim se dá com o tratamento dispensado a órgãos de fiscalização e controle, à imprensa e ao Judiciário, sempre que não comungam das teses do petismo.
Assim é também em relação ao Congresso. 
No passado, Lula disse que lá havia “300 picaretas”; hoje, ele e o PT aliam-se às piores picaretagens de que se tem notícia na história republicana.
 Mas o PT quer mais: 
quer subverter a representação e impor na marra a vontade das massas.
 Quer fazer valer suas vontades na pressão.

A nova Política Nacional de Participação Social (PNPS) insere-se neste contexto. Lançada há dez dias pela presidente Dilma Rousseff por meio de decreto, expressa como objetivo “fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade civil”.

No papel, tudo muito bonito. 
Na prática, nem tanto. 
O que o PT parece querer é implantar mecanismos de democracia direta no país, ao arrepio dos canais institucionais da nossa democracia representativa. 
De acordo com a pregação petista, a sociedade não interfere na administração pública e no processo legislativo. 
Será?

Nossos representantes são democraticamente eleitos para atuar no Parlamento e para governar. Há inúmeras formas de fiscalizá-los e de cobrá-los, sem que, no entanto, seja necessário criar novas estruturas burocráticas e instâncias passíveis de manipulação por parte de movimentos ditos sociais. 
O voto é a melhor arma para punir quem não cumpre os desígnios emanados da sociedade.

O governo petista brada o slogan “Todo brasileiro tem direito de participar” como se vivêssemos hoje numa ditadura. Como se não participássemos. 
Como se o voto fosse algo de somenos importância. Como se o que valesse mesmo fossem apenas as formas de pressão direta das massas sobre os governantes.
Há milênios, a humanidade testa formas de participação que vêm se aperfeiçoando, mas nenhuma delas mostrou-se mais saudável que a democracia e seu caráter representativo. O PT prefere outros caminhos, inspirado, talvez, nas malfadadas experiências que pipocam pelo nosso continente – usadas, claro, sempre em favor de governantes caudilhescos.

A PNPS é mais uma forma de subverter a ordem democrática, de usurpar o papel das nossas instituições e de fazer valer vontades na marra. 

A participação popular precisa, sim, ser fortalecida, com cobrança firme sobre governantes e decisores. 

Mas não inventaram nada melhor para isso do que o voto. A urna é a forma mais adequada e direta de melhorar o país.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela