"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 09, 2015

PANELA NELA

Uma primeira amostra da irritação dos brasileiros, a presidente ganhou ontem, em tempo real. As próximas virão nos próximos dias, bem mais visíveis, nas ruas do país
Foram 15 longos minutos. Seria tempo bastante para Dilma Rousseff apresentar à nação uma narrativa verdadeira e honesta sobre as dificuldades vivenciadas pelos brasileiros em seu dia a dia. Mas não foi nada disso o que se viu. Como a presidente enveredou pela ficção, a resposta veio rápida: panela nela!

Em seu pronunciamento neste domingo, novamente a presidente da República buscou bodes expiatórios para uma crise cuja única culpada é ela mesma. Novamente tentou socializar as responsabilidades. Novamente ludibriou a boa fé dos brasileiros que anseiam por um líder que indique um bom caminho para o país.

Numa crise tão grave quanto a atual - que de econômica passou a política e caminha agora para tornar-se institucional - Dilma não pode ficar desperdiçando oportunidades de aglutinar a nação em torno de uma solução razoável para o país. Não há mais tempo a perder, mas ela insiste em jogá-lo fora.

O povo não tem mais paciência para engolir as empulhações do PT. A culpa pela carestia não está no exterior. A responsabilidade pelo arrocho recessivo não é senão da presidente e de sua equipe econômica. Os retrocessos e fracassos dos últimos anos são resultado direto de escolhas mal feitas de Dilma.

O maior vilão da inflação atual não tem nada a ver com a seca. São as tarifas públicas, que o governo da presidente reajusta sem dó desde que a eleição acabou. Só a energia já subiu 32% neste ano e deve subir mais. Já a gasolina ficou 8,3% mais cara em fevereiro.

Dizer que é a "segunda etapa" da crise internacional que empurra o Brasil para a recessão é escarnecer da inteligência dos brasileiros. A maior parte do mundo - inclusive as economias mais afetadas pela crise - já voltou a crescer, em alguns casos com intensidade, como os EUA.

O apelo da presidente em favor de "união", com "sacrifícios temporários" para "dividir o esforço entre todos" equivale a um abraço de afogados. Como quer apoio se nunca, jamais, admite que é responsável por boa parte dos problemas atuais? Quem não reconhece onde estão os erros não é capaz de corrigi-los.

Novamente, o discurso oficial petista promete um futuro venturoso, que está logo ali, "no final do segundo semestre", mas nunca chega. Tem sido assim desde o início do governo da presidente. Ela sempre acenou com maior crescimento, mais desenvolvimento. Mas jamais entregou. Como ter mais "paciência e compreensão", como ele pede?

Dilma Rousseff sabe da irritação dos brasileiros com ela - tanto que registrou isso em seu discurso de ontem. Mas talvez esteja longe de perceber até onde esta indignação alcança. Uma primeira amostra a presidente ganhou ontem, em tempo real. As próximas virão nos próximos dias, bem mais visíveis, nas ruas do país.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

O Caçador de Mitos : Quatro afirmações do pronunciamento DA DESAVERGONHADA que o próprio governo desmente

Dilma disse em seu pronunciamento na TV que “as conversas em casa e no trabalho precisam ser completadas por dados que nem sempre estão ao alcance de todas e de todos”. É verdade – o problema é que dados e estatísticas do próprio governo derrubam boa parte das afirmações da presidente. Veja aqui quatro exemplos: 

1) “Realizamos elevadas reduções de impostos para estimular a economia e garantir empregos.”
Dilma anunciou desonerações e redução temporária de impostos em seu primeiro mandato. Mas a arrecadação total aumentou durante seu primeiro mandato. Segundo a própria Receita Federal, a carga tributária de 2014 o Brasil foi a maior da história – 35,95% do PIB. O recorde anterior era a de 2012 (35,86% do PIB).

2) “Ampliamos os investimentos públicos para dinamizar setores econômicos estratégicos.”
Segundo o próprio Ministério da Fazenda, a taxa de investimento público entre 2010 e 2013 ficou estável em 2,7% do PIB (somando investimentos do governo federal e das estatais).

3) “Queremos e sabemos como fazer isso, distribuindo os esforços de maneira justa e suportável para todos. Como sempre, protegendo de forma especial as classes trabalhadoras, as classes médias e os setores mais vulneráveis.”
Dilma vetou a correção de 6,5% da tabela do Imposto de Renda e propôs uma correção menor, de 4,5%, que não cobre a inflação de 2014. Desde 1996, a defasagem da correção da tabela do IR já é de 64,33%. Isso significa que, a cada ano, o Imposto de Renda avança sobre classes trabalhadoras mais pobres (e vulneráveis).

4) “Nosso povo está protegido naquilo que é mais importante: sua capacidade de produzir, ganhar sua renda e de proteger sua família.”
Segundo o IBGE, o crescimento das despesas de consumo das famílias é o menor desde 2003. E a produtividade do trabalhador brasileiro – sua capacidade de produzir num determinado período – está travada há décadas. Entre 2002 e 2012, a produtividade do trabalhador brasileiro cresceu em média 0,67% ao ano, enquanto a da Coreia do Sul subiu 6,7% ao ano e a dos Estados Unidos, 4,4%.

Leandro Narloch/VEJA
O Caçador de Mitos
Quatro afirmações do pronunciamento de Dilma que o próprio governo desmente