"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 23, 2011

ÚTIL/AGRADÁVEL E MERAMENTE ARRECADATÓRIA : TRIBUTO ANTI-INFLAÇÃO ARRECADA ATÉ R$ 10 bi .

Medidas alternativas à elevação dos juros, como o IOF sobre financiamentos, farão o recolhimento do imposto superar o da CPMF

Sob o pretexto de frear o consumo e a inflação, a utilização das chamadas medidas macroprudenciais (alternativas ao aumento de juros) pelo Banco Central vem produzindo efeito diverso do que propaga o governo.

No lugar de abrandar o comércio, a sobretaxação de compras no exterior com cartão de crédito e a duplicação do Imposto Sobre Operações Financeiras (IOF) sobre os empréstimos das famílias renderão um incremento extra de até R$ 10 bilhões aos cofres da Receita Federal este ano, calculam os analistas financeiros.

Com os acréscimos, a arrecadação desse único imposto deve somar cerca de R$ 40 bilhões em 2011, superando até mesmo a tributação da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), que amealhou R$ 36,4 bilhões em seu último ano (2008) em vigor.

Ainda sob a alçada de política monetária, as medidas macroprudenciais abriram o caminho para que o BC apertasse a taxa básica de juros (Selic) aquém do considerado necessário para conter a carestia — enquanto o mercado financeiro esperava uma elevação de 0,50 ponto percentual, a autoridade monetária autorizou apenas 0,25 na última quarta-feira.

Aos olhos do mercado, uma elevação maior seria necessária para que se evitasse descontrole ainda maior da inflação. Em abril, a prévia do índice oficial, o IPCA, registrou 6,44% em 12 meses, batendo no teto da meta de 6,5%. Pelas projeções do BC, esse fenômeno só ocorreria no terceiro trimestre.

Para especialistas, o governo está implementando uma política “meramente arrecadatória”, quando precisa, de fato, é cortar gastos para pressionar menos os preços da economia. A dúvida é se o governo vai limar despesas mesmo com cofres abarrotados.

O primeiro trimestre do ano, por exemplo, teve recorde de arrecadação: R$ 228,1 bilhões — montante 11,96% superior ao de igual período do ano passado. Dados do BC mostram ainda que não houve esforço fiscal neste início de ano.

Alíquotas
Para Fábio Gallo Garcia, professor de finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), a extinta CPMF está travestida de IOF.Um substituiu a outra”, garante o professor.

Os relatórios do Ministério da Fazenda mostram como essa substituição ocorreu. Até 2008, quando a CPMF ainda estava ativa, o governo arrecadou R$ 36,4 bilhões. O IOF, no mesmo período, rendeu R$ 7,8 bilhões.

No ano seguinte, enquanto o volume do imposto do cheque despencou para R$ 248,7 milhões, o do tributo financeiro cresceu 146%, para R$ 19,2 bilhões.

Em 2011, a troca de papéis entre os tributos ocorreu definitivamente em termos de arrecadação. Enquanto uma obterá valores irrisórios — resíduo de empresas que deixaram de pagar a CPMF no passado —, a outra deve chegar a R$ 40 bilhões.

Cálculos do mercado financeiro estimam, contudo, que o valor de IOF pode ficar ainda maior (R$ 46 bilhões) se levadas em conta as novas medidas de tributação que pesam sobre a captação de recursos no exterior e a aplicação de estrangeiros em renda fixa no Brasil.

Alguns reais
Inabalável, o consumo segue forte. Números do BC mostram que a atividade econômica cresceu no primeiro trimestre do ano ao mesmo ritmo do fim de 2010, quando o Brasil cresceu 7,5%.

“Todas as medidas tomadas até agora são insuficientes para conter o consumo”, alerta Cristiano Souza, economista do Banco Santander.

Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e economista-chefe da Tendências Consultoria, argumenta que tributar as compras com cartão de crédito no exterior pode, no máximo, evitar que dólares saíam do país, além de aumentar o excesso de dinheiro em circulação. “O governo agiu na contramão do momento”, critica.

No início desta semana, o secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto, rebateu as críticas. Ele não informou a previsão oficial de aumento da arrecadação do IOF, mas assegurou que o objetivo não é elevar a arrecadação.

“Ainda é cedo para estabelecer sua influência no aumento da arrecadação”, justificou.

Victor Martins e Vânia Cristino Correio Braziliense

EM DEZ ANOS, MEIO BRASIL DO BRASIL , SÓ COM AUMENTO DOS IMPOSTOS.


Em dez anos a carga tributária do Brasil subiu cinco pontos percentuais do PIB. É um peso de impostos muito maior do que o de muitos países ricos que oferecem serviços melhores aos cidadãos.

Os impostos são mal distribuídos; pesam mais sobre o trabalho e a produção do que sobre o patrimônio.
As isenções e os Refis criam desigualdades entre os contribuintes.


De acordo com um estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), o Brasil tem a décima quarta maior carga tributária entre os países da OCDE.
O país não faz parte dessa organização onde está a maioria dos países mais ricos do mundo; mas se fizesse, estaria nesta posição no ranking.
Têm carga menor que a do Brasil países como Estados Unidos, Canadá e Espanha. Só para ficar em alguns.


Ninguém é contra o pagamento de impostos, mas hoje, a carga tributária virou um problema econômico, segundo o presidente do IBPT, João Elói Olenike.

- É insustentável continuar aumentando os impostos assim. Isso cria distorção e atrapalha o crescimento. Para se ter uma ideia, em 2001, a carga era 30,03% e em 2010, foi para 35,13%. Isso significa que o governo tirou a mais da sociedade, só com esse crescimento, no acumulado de dez anos, R$1,850 trilhão.
Tirou meio Brasil do Brasil em dez anos, só com o aumento dos impostos.


Bianca Xavier, que é coordenadora de pós-graduação de Direito Tributário da Fundação Getulio Vargas, pondera que o refinanciamento das dívidas fiscais só pode ser um instrumento usado uma vez. Se é um mecanismo frequente, alguma coisa está errada.

- Houve Refis em 2000, 2003, 2006, 2009 e daqui a três anos vão esperar que aconteça outro. É um sintoma de que o governo reconhece que as empresas precisam de um mecanismo de recuperação fiscal, ou seja, que a carga é alta demais.

A Procuradoria da Receita Federal tem dito que isso causa um problema de isonomia. Afinal, quem paga em dia é prejudicado. Quem não paga e entra no Refis tem 180 meses para pagar e juros mais baixos.


Conversei com os dois especialistas no programa da Globonews desta semana.
O que fica claro para quem se detém um pouco nesse tema é o emaranhado que é a estrutura de impostos no Brasil.
Mesmo quem sabe que o país tem impostos e taxas demais, fica espantado com a informação dada por Bianca Xavier de que a cada hora duas normas tributárias são baixadas no Brasil.

Ela conta que frequentemente tem de desdizer numa aula o que disse na aula anterior, porque entre uma e outra, a norma que havia explicado é alterada.


João Elói lembra outra perversidade:
há muitos impostos indiretos que recaem sobre o consumo e isso pesa desigualmente sobre os brasileiros.
Quem é mais pobre acaba pagando relativamente mais.
Nos produtos, todos os consumidores, independentemente do seu poder aquisitivo, pagam o mesmo imposto.
E não há transparência.


- Em outros países, há o Imposto sobre Valor Adicionado e as notas discriminam o quanto de imposto está sendo pago em cada produto. No Brasil, o consumidor não sabe quanto está pagando em cada mercadoria.
O imposto sobre patrimônio no Brasil é baixo; 70% da carga recaem sobre produção, faturamento e salário.

As empresas têm de pagar R$120 de impostos, taxas e contribuições em cada R$100 pagos de salário. Isso incentiva a informalidade ou o pagamento de parte do salário por fora.


A informalidade é outro problema decorrente dos excessos de regras, impostos e carga tributária no Brasil.
Os dois especialistas acham que nos últimos anos a tendência tem sido diminuir a informalidade, com as notas fiscais eletrônicas e outros mecanismos de fiscalização.

Mesmo assim, diz João Elói, de cada R$1 arrecadado, pelo menos R$0,30 estão sendo sonegados. Bianca Xavier lembra que isso deveria estar reduzindo o peso dos impostos sobre os contribuintes.


- Se numa mesa de restaurante alguns saem sem pagar, a conta fica maior para quem fica. Mas se há mais pessoas entre os pagantes, a conta deveria ficar relativamente mais leve. E isso não está acontecendo.

Segundo um texto divulgado recentemente pelo IBPT, "o brasileiro, em geral, não é contra o pagamento de tributos, até mesmo porque tem consciência de sua importância para custear a máquina pública.
O que o angustia e causa revolta é saber que paga - e paga muito - ao governo e não tem um retorno minimamente satisfatório".
De acordo com João Elói, o maior peso recai sobre a classe média.


As isenções dadas a algumas empresas ou a alguns setores criam outras injustiças.

- Isenção é política fiscal. Toda vez que o governo dá uma isenção, alguém vai ter de pagar por isso. É preciso saber quem está sendo desonerado, as razões dos benefícios e quem pagará por eles.
Tem de ser isonômico.
Não se pode dar para uma empresa e não para o concorrente.

Até recentemente, para citar um exemplo, a LG tinha um benefício que a Phillips não tinha no mesmo produto. Tributo tem de ser neutro. Desonerações são privilégios - diz Bianca Xavier.


Quando o governo sustenta que a carga brasileira não é alta, certamente não está pensando em tudo isso:
que ela é mais alta que a de muitos países que oferecem serviços melhor, que é desigualmente distribuída, que as desonerações são arbitrárias, que tem aumentado ano a ano, que existem normas, impostos e taxas demais enlouquecendo o contribuinte.

Além disso, não há no horizonte um alívio desse peso e destas complicações que atormentam o contribuinte brasileiro.

Míriam Leitão/O Globo