"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 22, 2012

HORA DA QUARESMA E Governo enfrenta ressaca .

Inflação em alta, crescimento em baixa, pressão de servidores por aumentos e contra fundo de aposentadoria darão o tom da quaresma

A quarta-feira de cinzas é quando, diz a tradição popular, o ano realmente começa. Para a presidente Dilma Rousseff, este 2012 iniciado ao meio-dia de hoje traz a ressaca da inflação persistente, da indústria fragilizada e das importações em alta.

Para completar, ela ainda sofre as dores de cabeça de votações paradas no Congresso e das ameaças de greve do funcionalismo.


Será uma quaresma intraquila para o governo. A equipe econômica já se sente frustrada pelo crescimento minguado de 2011, em torno de 2,7%.

Quando miram o futuro, os economistas do governo ainda veem o fantasma da crise europeia assombrar investidores e a expansão do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país em determinado período).


O carnaval, encerrado ontem, foi a trégua de todos esses males. Hoje, porém, a realidade bate à porta novamente.
A inflação, apesar de ter desacelerado no acumulado de 12 meses, continua alta:
na prévia da carestia oficial de fevereiro, a taxa acumulada está em 5,98%, longe do centro da meta, definida em 4,5%.

Apesar da política monetária e da crise que derruba preços das commodities (produtos básicos com cotação internacional), os serviços não cederam e continuam apertando o bolso do consumidor.


Só em janeiro, as matérias-primas encareceram 1,05% — o dobro do registrado em dezembro. Nos últimos 12 meses, a alta no setor de serviços foi de 9,2%.

"Esse grupo não deu trégua, mas veio dentro do esperado. Essa parte demora mais para ceder e será a última a cair", diz Carlos Thadeu de Freitas, economista da gestora de recursos Franklin Templeton.

Tiago Curado, da Tendências Consultoria, explica que o governo está disposto a bancar um pouco mais de inflação em troca de um empurrãozinho no PIB.


Segundo ele, o Banco Central (BC) aproveita a crise internacional e seus efeitos sobre os preços dos alimentos para cortar juros. Porém, na avaliação do economista, essa é uma estratégia perigosa.

"A redução no índice cheio do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) não tem relação com política monetária. Então, cabe ao governo controlar preços e demanda doméstica", alerta.


Disparidade
Especialistas ouvidos pelo Correio garantem que a disparidade entre o que o país fabrica e o que consome vai afetar ainda a taxa de crescimento em 2012. Com estoques elevados e sem capacidade de competir com os importados, os industriais continuarão estagnados no primeiro semestre.

"A indústria terá um início de ano ruim. Ela estreou 2012 muito estocada e, por isso, deve reduzir o ritmo", explica Luís Otávio de Souza Leal, economista-chefe do Arab Banking Corporation (ABC Brasil).

Nos cálculos dele, o país vai se expandir 3,7% este ano.
O crescimento inócuo de 2011 também atrapalha 2012. "A expansão do ano vai ser pequena porque o país carrega o pesado fardo de 2011", diz.


Inês Filipa, economista-chefe da corretora Icap Brasil, lembra também que o governo está amarrado.

O Palácio do Planalto e o Ministério da Fazenda estão comprometidos em reduzir gastos públicos e, para não gerar mais desequilíbrios, as estratégias do governo se resumem a uma política monetária mais frouxa.

"Mesmo as medidas de incentivo ao consumo estão limitadas. Se alguém comprou geladeira com tributos menores, não vai comprar outra este ano só porque o imposto está reduzido", argumenta.


O crescimento do PIB neste ano só não ficará mais próximo do de 2011 em função do novo salário mínimo, que foi reajustado em 14,1% ao passar de R$ 545 para R$ 622 — o que representa uma injeção de R$ 47 bilhões na economia brasileira.

Pelos cálculos do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com esse incremento, o governo irá arrecadar R$ 22,9 bilhões a mais devido o aumento de consumo.

Essa elevação, contudo, deverá ser a única liberada por Dilma, mesmo diante das pressões do funcionalismo.

VICTOR MARTINS KARLA CORREIA Correio Braziliense