"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 08, 2015

ENTREGA TUDO, DILMA


A presidente terceirizou mais um pedaço da sua gestão. Levy, Temer, Lula... quem será o próximo a responder por um naco do governo do qual Dilma se desvencilha?

Dilma Rousseff conseguiu de novo: 
produziu mais uma trapalhada em seu claudicante governo. 
Depois de cogitar escalar Eliseu Padilha para a articulação política, foi obrigada a entregar a função ao vice-presidente Michel Temer. A presidente da República segue terceirizando atribuições. Deveria era entregar tudo de uma vez.

A mudança na Secretaria de Relações Institucionais é descrita na crônica política de hoje como mais uma manobra "desastrada" da presidente da República - para dizer o mínimo. Inclui convite respondido com um "não" pelo ministro convidado, demissão de ministro pelos jornais e prêmio de consolação para o demitido da vez. São as Organizações Dilma em plena ação.

A saída de Pepe Vargas – na verdade, um ministro demitido de antemão – é a quarta mudança num ministério que nem completou 100 dias de existência. Mas ainda vem mais pela frente.

O próprio Vargas vai assumir a Secretaria de Direitos Humanos como prêmio de consolação no lugar de Ideli Salvatti – que já foi ministra de pastas tão distintas quanto Pesca e Relações Institucionais e agora ganhará nova oportunidade, desta vez provavelmente na presidência dos Correios. Em breve também deve mudar o titular do Ministério do Turismo.

Diante deste incessante troca-troca, a questão que fica é: Afinal, quem é ministro de que e, sobretudo, para quê? Parecem todos ministros-tampão, peças descartáveis de um xadrez em que a rainha já caiu do tabuleiro. A última coisa que parece interessar na gestão da presidente Dilma é bem servir o público.

A trapalhada de ontem trouxe, porém, uma boa notícia: a extinção da Secretaria de Relações Institucionais. Agora o governo da petista terá apenas 38 ministérios... Que tal aproveitar a oportunidade e passar o facão em mais um monte de cargos que não servem para nada além de alimentar o balcão de negociatas do PT?

Neste segundo mandato, Dilma mostra-se sintonizadíssima com a pauta do dia: a ordem é terceirizar. A coordenação política é apenas a bola da vez, depois que a área econômica foi entregue a um alienígena nas hostes petistas e as linhas-mestras da gestão são ditadas, desde sempre, pelo tutor. Temer, Levy, Lula... quem será o próximo a responder por um naco do governo do qual Dilma se desvencilha?

Dizer que o segundo mandato é um bate-cabeça de proporções nunca antes vistas é chover no molhado. Para piorar, as cabeças que colidem revelam-se acéfalas. A gestão da petista mais parece a brincadeira da dança das cadeiras, e pode ser que daqui a pouco não sobre nenhuma para a presidente sentar. Entrega tudo, Dilma!

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página Instituto Teotônio Vilela

Dilma Rousseff e suas certezas

"Eu tenho certeza de que a luta para recuperação da Petrobrás, que está em curso, é minha, é do meu governo, e eu tenho certeza de que interessa a todo o povo brasileiro." Essa proclamação da presidente Dilma Rousseff foi feita na solenidade de posse do ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro. 

São 33 palavras contidas em três linhas de texto que revelam muito sobre a personalidade da presidente da República e sua maneira peculiar de governar. Por extensão, ajudam a compreender por que o País andou para trás durante os quatro anos do seu primeiro mandato e está hoje mergulhado numa profunda crise econômica, social e política para a qual não se vislumbram perspectivas de recuperação a curto ou médio prazos .

Essa referência à Petrobrás entra como Pilatos no Credo no ambiente da posse de um ministro da Educação, mas reafirma de forma inequívoca que Dilma Rousseff é uma mulher de muitas certezas. Tem errado à beça por mais de quatro anos, mas sempre com absoluta certeza. Até porque ela tem certeza de que jamais deve admitir erros. Há quem chame isso de teimosia.

Renunciando ao "nós" apropriado a quem fala em nome de todos os brasileiros, Dilma opta pelo possessivo da primeira pessoa do singular: a luta pela Petrobrás é "minha", é do "meu" governo. Está querendo dizer, é claro, que não têm nada a ver, ela e seu governo, com os lastimáveis fatos que levam a Petrobrás a ter necessidade de "recuperação". De quem é, então, a culpa? A resposta a que o raciocínio de Dilma induz não é difícil: de todos, menos dela.

Aceitar que passou quatro anos na Presidência da República sem saber da enorme e complexa rede de corrupção que consumia as entranhas da maior estatal brasileira, empresa que ela conhece como poucos, é exigir demais da boa-fé e do discernimento dos brasileiros. A ampla dimensão do propinoduto e suas claras ligações com partidos políticos excluem a possibilidade de que tenha sido urdido e operado só por funcionários inescrupulosos da estatal, em benefício próprio. De novo: de quem é a culpa, então? 

Além da pouco sutil e inútil tentativa de transferir para governos anteriores ao seu a responsabilidade pela escandalosa corrupção na Petrobrás, Dilma aproveitou a oportunidade também para defender o sistema de partilha que o governo petista impôs à exploração do pré-sal, o que, entre outros efeitos negativos, provocou um atraso de pelo menos cinco anos no início dessa exploração. 

E o fez, ao melhor estilo petista, acusando "eles" de estarem conspirando contra interesses do País: "Não é coincidência que, à medida que cresce a produção do pré-sal, ressurjam vozes que defendem a modificação do marco regulatório que assegura ao povo brasileiro a posse de parte das riquezas. (...) O que está em disputa é a forma de exploração desse patrimônio e quem fica com a maior parte".

Ainda ao velho estilo de vender meias-verdades como se inteiras fossem, para a presidente o pré-sal é hoje "uma realidade" que se traduz na extração de 660 mil barris por dia: "Isso é algo importante porque é o dobro do que nós extraíamos há um ano". E, finalmente, estabeleceu alguma relação do assunto com a posse do ministro da Educação: "Isso significa que a fonte das riquezas que nós planejamos para sustentar a educação está já em atividade. E, mais do que isso, vai garantir uma renda sistemática pelos próximos anos". A verdade completa é que um ano atrás o preço do barril de petróleo estava por volta de US$ 110 e hoje mal chega à metade disso.

Sobre a comparação do sistema atual de partilha na exploração do pré-sal com o anterior, de concessões, escreveu neste jornal, no último dia 26, o senador José Serra: "A partilha sempre foi uma falsa opção porque o método das concessões estabelecido durante o governo FHC funciona muito bem do ponto de vista da prospecção, da exploração, das receitas obtidas e dos interesses nacionais". 

E explicou:
 "Isso (a partilha) foi inventado em 2009/2010 com o propósito de servir à eleição presidencial, pois poderia facilitar aquela polarização que o marketing petista inventou e procurou exacerbar entre 'nacionalistas' e 'entreguistas' para satanizar os adversários". A polarização continua.

O Estado de Sao Paulo

Quem só comunica também se trumbica

Quem é que o padim Lula de Caetés pensa que engana com essa lorota de que a enorme crise que tornou sua afilhada Dilma Rousseff uma pata manca no Palácio do Planalto se deve à desarticulação política de Aloizio Oliva, que usa o sobrenome da mãe, Mercadante, para ninguém se tocar de que o pai era figurinha carimbada na ditadura militar?

Ao completar seu terceiro mês de mandato um dia depois de o golpe de 1964 ter completado 51 anos, a escolhida dele empatou com José Sarney, recordista absoluto de impopularidade desde 1989, com 64% de respostas "ruim" ou "péssimo" à pergunta do Ibope sobre o desempenho de seu governo. Com uma má notícia por dia, alternando recordes negativos na economia com revelações de novas gatunagens ou anúncios de medidas impopulares para tentar corrigir o incorrigível, ninguém precisa ter um sexto sentido premonitório para prever que não demora muito para ela sair de lanterna em punho pelos desvãos e porões palacianos onde tenta se esconder da plebe. E enquanto a pesquisa não revela o novo retrato, Sarney virou arroz de cuxá nos bailes do Planalto Fiscal.

Aí padim tirou do baú seu sermão de profeta da barcaça que afunda ao peso dos ratos do porão. Segundo a colega Vera Rosa, Sua ex-Excelência intensificou a pressão sobre a pupila para ela modificar a desarticulação política do governo, concentrando fogo no filho do general: "Mercadante vive falando de rating pra cá, rating pra lá. Que rating, que nada! A crise é política e o governo tem que resgatar a confiança. O resto vem naturalmente". Resto de quê, cara hirsuta? Lula tem motivos para não gostar do Mazarino do cerrado. 

Pois foi surrado por Fernando Henrique no primeiro turno da eleição presidencial de 1994 após ter levado em conta a falácia dele de que o Plano Real seria estelionato eleitoral. E depois chamou de "aloprados" seus asseclas que falsificaram dossiê contra José Serra na disputa da eleição estadual paulista de 2006. Mas essa é uma questão dele e Dilma não abre mão do direito de errar.

Na última pesquisa Datafolha, em que a avaliação de "bom" ou "ótimo" do governo federal desceu a cabalísticos 13%, o Congresso Nacional foi lembrado positivamente por apenas 9%. Devoto praticante da verdade pela metade, a mais enganadora das formas da mentira, o demiurgo do ABC só olhou para um lado da questão. Sim, é verdade que a relação da presidente com o Congresso é péssima, como atesta pesquisa da consultoria política Arko Advice, que ouviu 102 deputados federais de 22 partidos e constatou que 61% deles avaliam como "ruim" ou "péssimo" o convívio do Legislativo com o Executivo. Mas a verdade completa é que somente melhorar tal relação em nada tornará a "comandanta" mais popular.

De um lado, porque a imagem de deputados e senadores está ainda mais emporcalhada que a dela. De outro, porque as boas relações entre esses dois Poderes dependem muito menos de qualidades que Oliva não ostenta do que da gana dos parlamentares por um butim palaciano cada vez mais escasso nestes idos de vacas magras. O convívio entre os dois lados da Praça dos Três Poderes só vai melhorar quando houver mais verbas e cargos a distribuir. Se houvesse, nenhum congressista se melindraria com o chefe da Casa Civil lhe fazendo ouvidos de Mercadante nem com o estilo "deixa que eu cuspo" da chefona irritadiça.

O PMDB desconfia da irrelevância de articulação política para salvar o que resta deste desgoverno. Por isso Eliseu Padilha recusou o lugar de Pepe Nada Legal Vargas no palácio. Embora tudo leve a crer que ele se arrastará Ladeira do Pelourinho abaixo até o canto do cisne de 2018. Seu desprestígio crescente não resulta da falta de saliva em corredor, mas da sobra de material orgânico à tona sempre que se levanta algum tapete ou capacho. As obras não iniciadas ou atrasadas em 57% da rede de saneamento básico no Brasil passaram a ser a metáfora pronta ao alcance do nariz.

Na verdade, Dilma mentiu tanto que nem seu espírito santo de orelha, João Patinhas Santana do Bendegó, será mais capaz de resgatar alguma verdade que ela tenha dito por acaso e dela criar uma peça publicitária para ressuscitá-la neste pós-Páscoa. Tudo depõe contra isso: da delação premiada de Paulinho de Lula às fotografias em que ela foi flagrada ao lado do cão de guarda do Partido dos Trabalhadores na Petrobrás, Renato Duque. Na imagem que esboroa a olhos nus, os restos de verniz de sua honestidade pessoal, que evitam um processo de impeachment, são apagados por pegadas de sua protegida Erenice Guerra no cofre da Viúva. 

Sob o manto protetor de Dilma, Erenice, esse embrião de Graciosa Foster no Ministério de Minas e Energia e na Casa Civil, para a qual - suprema infâmia contra a Pátria - ela a indicou, prosperou à sombra do ancestral benefício da dúvida. A Operação Zelotes ameaça revelar a explicação para a ascensão social que moveu a fiel factótum de uma cidade-satélite para as margens do Paranoá.

Como sabe disso tudo e de muito mais, Lula não acredita nas próprias bazófias de intriga florentina contra o filho do general. Logo ele, que vendeu à Nação a suprema inverdade da gerentona que entrará para a História como o pior presidente da República! E que agora recorre ao velho truque de continuar enganando para não se enganar nem ser enganado. Não o faz por burrice, pois inteligência tem de sobra, ou alienação, por mais soberba que exiba e arrote. Mas, sim, porque não têm saída. Só lhes resta apostar na sorte, essa deusa caprichosa e cega, que sempre esbanjaram. 

Lula não confia em Dilma, mas na própria capacidade de evitar que ela repita a saga do Pedro da lenda infantil, devorado pelo lobo diante da omissão da aldeia que, após ouvir muitos pedidos de socorro mentirosos, não lhe acudiu.
Lula conta com a mágica de Goebbels, que fabricava verdades de mentiras somadas. É que Chacrinha disse: "Quem não se comunica se trumbica". Mas não contou que "quem só comunica também se trumbica."

José Nêumanne - 
José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor