"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 14, 2014

ACIDENTE COM EDUARDO CAMPOS. PRIMEIRA HIPÓTESE/CAUSA : Aeronáutica fez alerta sobre área de veículo não tripulado próxima à base aérea de Santos. Local ativado para voos de drone ou Vant ficaria a 19,5 km da pista.


O piloto do jato que conduzia o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos recebeu um informe com alerta para uma área de veículos aéreos não tripulados, chamados drone ou Vant. O documento, ao qual o Estado teve acesso, informa que no período entre 11 e 31 de agosto havia uma área de voo de Vant nas proximidades da base aérea de Santos. Sete pessoas morreram no acidente, entre eles Campos, o piloto, o copiloto e assessores da candidatura de Campos à Presidência da República. 

Com base nas coordenadas geográficas citadas no informe, um especialista identificou a pedido do Estado que a área ativada para voos de veículos aéreos não tripulados está aproximadamente a 19,5 km da pista de pouso na base aérea de Santos. Segundo três pilotos ouvidos pelo jornal, a área é distante do aeroporto, mas não se pode descartar a hipótese de que um Vant possa ter se deslocado. 

"Era uma área que estava ativada para Vant. Não deveria se descolar, mas é claro que pode acontecer", afirmou Rodrigo Spader, diretor de regulação do Sindicato Nacional dos Aeronautas. "Tudo é possível, mas nós não vamos trabalhar com hipóteses. Vamos aguardar a investigação."


Especialista em investigação de acidentes aéreos, o comandante Carlos Camacho afirmou ao Estado, após analisar o alerta, que "não se descarta a possibilidade de que o Vant pode ter se colidido com o avião" em que estavam o governador e outras seis pessoas. "Como é um objeto muito pequeno, se ele estava na linha (da aeronave), pode ter contribuído para a explosão do motor", complementou. Segundo os especialistas, o alerta para o período pode ter levado em conta o fato de que várias aeronaves se deslocariam para a base aérea devido ao período eleitoral. 


Outro piloto ouvido pelo Estado, em condição de anonimato, afirmou que a distância geográfica da área de veículos não tripulados é grande em relação à base aérea, mas também não descarta a hipótese de o Vant ter se deslocado. A Notam (Notice to Airman), como é chamado o informe, é entregue aos pilotos no momento em que se tem acesso ao plano de voo. Camacho fez um alerta para que as pessoas que encontrarem qualquer peça relativa ao acidente a devolvam às autoridades, o que pode ajudar a esclarecer se houve colisão com um veículo aéreo não tripulado.


Andreza Matais, Tânia Monteiro e Fábio Brandt - O Estado de S. Paulo


PARA REGISTRO ! A BOA POLÍTICA DE LUTO

A morte trágica de Eduardo Campos, o candidato do PSB à Presidência da República, deixa a política brasileira um pouco mais pobre. Mas seu desaparecimento não pode privar o debate nacional de valores que ele, assim como as forças de oposição, também encarnava. A missão daqueles que se dedicam à boa política é reforçá-los nas eleições deste ano e levar adiante as boas bandeiras.

Há, em torno do pleito deste ano, anseio por mudança, por renovação, por uma postura mais construtiva e menos beligerante, como a exibida atualmente pelos governantes de turno. Com sua candidatura, Campos também vinha colaborando para construir esta alternativa, convergindo nos últimos meses com as forças que sempre se opuseram ao grupo hoje no poder.

É possível que o apelo que estes valores deverão ter na disputa de outubro se torne ainda mais forte a partir de agora. O país pede mudanças, e elas virão. O país pede renovação, e elas acontecerão. O país espera juventude, e ela está a caminho. Campos era um dos agentes desta transformação, cujo curso não se extinguirá.

O ex-governador de Pernambuco era um dos representantes da boa política que mira, acima de tudo, os benefícios aos cidadãos, a gestão responsável da máquina pública, a busca pela justiça social. Em sua administração no estado, espelhou-se em outras experiências exitosas como a de Aécio Neves no governo de Minas Gerais. A escola é a mesma e será continuada.

Assim como Aécio, Campos encarnava o desejo de mudança manifestado por quase 70% dos brasileiros em todas as mais recentes pesquisas de opinião. Este sentimento permanece e não se abaterá com a tragédia. Pelo contrário: continuará a ser o principal motor dos novos rumos que os cidadãos pretendem ver o país tomar a partir de 2015.

Eduardo Campos também personificava o vigor da juventude, que, da mesma forma, não deixará de estar presente quando os brasileiros estiverem escolhendo, ao longo das próximas semanas, os novos caminhos que o país deve trilhar.

Por fim, as candidaturas de oposição ao governo de turno – tanto a que era capitaneada pelo candidato do PSB quanto a de Aécio Neves – representam o sentimento de união em favor do país, em contraposição ao modelo que prefere dividir para conquistar, atacar para triunfar, difamar para confundir.

O Brasil perdeu ontem um protagonista importante da boa política. Mas o mais relevante é que valores e crenças que Eduardo Campos abraçava continuarão sendo respeitados e honrados por quem continuará a travar este bom combate. O sentimento de mudança, renovação e união permanecerá, em prol de um país melhor, como era desejo também dele.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

BURACO NEGRO ! Um trilhão em impostos

De 1.º de janeiro a 12 de agosto de 2014 - um período de 224 dias -, os brasileiros desembolsaram R$ 1 trilhão em impostos. O valor foi calculado pelo "Impostômetro", ferramenta da Associação Comercial de São Paulo (ASCP) que contabiliza diariamente o total dos impostos pagos no País.

A marca deste ano foi alcançada 15 dias antes do verificado em 2013. Em 2008, havia se chegado R$ 1 trilhão no dia 13 de dezembro. Dois anos depois, em 2010, ano de eleições, houve um enorme "avanço", quando se alcançou o valor de R$ 1.000.000.000.000 no dia 18 de outubro. Em 2014, foi em 12 de agosto. Quando será em 2015? E em 2020?

Lançado em 2005, o "Impostômetro" é uma ferramenta de conscientização tributária. O objetivo é apresentar ao cidadão o tamanho da carga tributária no País, incentivando-o a refletir e a cobrar do Estado serviços públicos de qualidade. Segundo Rogério Amato, presidente da ACSP, "a arrecadação cresce mais do que a economia brasileira. O contribuinte paga muito e não há um retorno compatível, pois os serviços públicos deixam a desejar".
O "Impostômetro" considera os valores arrecadados pelas três esferas de governo (União, Estados e municípios) a título de tributos: 
impostos, 
taxas e contribuições, 
incluindo as multas, 
juros e correção monetária. 
Para o levantamento das arrecadações federais, por exemplo, a base de dados utilizada é a Receita Federal do Brasil, a Secretaria do Tesouro Nacional, a Caixa Econômica Federal, o Tribunal de Contas da União e o IBGE.

Quando os valores não são divulgados pelos órgãos, faz-se uma estimativa a partir dos dados de arrecadação do igual período no ano anterior, atualizados pelo índice de crescimento médio de cada tributo dos três anos imediatamente anteriores.

Finalidade idêntica - a conscientização do tamanho da carga tributária paga pelo brasileiro - tem a Lei 12.741/12, que exige a discriminação dos impostos nas notas fiscais. A lei tornou obrigatório constar, nos documentos fiscais entregues ao consumidor por ocasião da venda de mercadorias e serviços, "o valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais". No entanto, a obrigatoriedade da menção aos impostos na nota fiscal vem sendo adiada. A última prorrogação, feita pela presidente Dilma Rousseff através da Medida Provisória (MP) 649, estendeu o prazo para janeiro de 2015.
Como se escreveu neste espaço, por ocasião da publicação da MP, "o governo federal está receoso de como o consumidor analisará essa informação, acessível de forma habitual, no momento da compra. Momento este repleto de intensidade política, pois é nessa hora que o cidadão tem contato direto com a economia do País, com o alto custo de vida e com o tamanho do Estado". Segundo o ministro da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif, "ao saber que paga imposto em tudo, o cidadão vai ser muito mais exigente em relação aos serviços públicos".

Não é necessária uma apurada exigência para constatar um paradoxo cada vez mais presente na vida pública brasileira. Ao mesmo tempo que cada vez se gasta mais com a administração pública - não raramente se encara a responsabilidade fiscal como algo "optativo", como se estivesse dentro da margem de discricionariedade do administrador público a opção por infringi-la ou como se a irresponsabilidade fosse uma legítima opção ideológica -, pior se gasta.

Obras públicas mal-acabadas, atrasadas, não feitas ou refeitas três meses depois não são notícias esparsas. É a rotina de cada dia. E isso sem mencionar a baixa qualidade - ou a inexistência - de serviços públicos: educação, saúde, transporte, segurança. É preciso gastar menos e gastar melhor.
R$ 1 trilhão é um símbolo.
Símbolo do esforço crescente que o brasileiro tem de fazer para bancar o Estado, nas suas três esferas. Mas é também uma realidade sentida diariamente: em cada conta que se paga, em cada salário que se recebe, em cada negócio que se efetiva. Uma realidade que precisa ser enfrentada. Ao ritmo que vai avançando, o bolso do brasileiro não aguentará.

O Estado de S.Paulo

REPUBLIQUETA CACHACEIRA : "um verdadeiro estadista serve a seu país, e não a seu partido."

A extensão dos danos causados ao Brasil pela diplomacia partidária do lulopetismo ainda é desconhecida. Por muito tempo o mundo se deixou encantar pelo hiperativismo de Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto seu governo fazia opções que afrontavam a tradição do Itamaraty e o próprio interesse nacional. 

Mesmo com Dilma Rousseff, isto é, mesmo sem a megalomania de Lula, resta evidente que a agenda petista continua a prevalecer e a única estratégia do governo parece ser a de confrontar o "Norte", ou seja, os países ricos, sempre que a oportunidade aparece. 

Os resultados dessa política certamente se farão sentir por muitos anos, porque inúmeras oportunidades comerciais e de desenvolvimento vêm sendo perdidas em favor da aproximação com regimes autoritários que nada têm a oferecer ao Brasil senão afinidade ideológica com os governantes de turno.

Embora esses equívocos sejam claros como o dia, escassas são as vozes que ousam apontá-los, pois são logo classificadas como "lacaias do império" por uma formidável máquina de propaganda petista, em especial nos meios universitários, justamente onde deveria prevalecer o pensamento crítico e independente. Um dos poucos que decidiram enfrentar esse consenso artificial é o diplomata Paulo Roberto de Almeida.

Em seu novo livro, Nunca Antes na Diplomacia - A Política Externa Brasileira em Tempos Não Convencionais, Almeida propõe-se a fazer um raro balanço da política externa lulopetista, sempre tendo em vista seus equívocos basilares. 

Ainda que não seja possível dimensionar a amplitude total dos problemas levantados, pois não há distanciamento histórico suficiente, o fato é que o livro de Almeida é uma leitura genuinamente incômoda, pois revela como a política externa do Brasil está, neste momento, entregue a ideólogos de um partido que diz defender a soberania nacional enquanto a sacrifica no altar do altermundismo.

Almeida está na carreira diplomática desde 1977 e ocupou diversos cargos no Itamaraty. Com uma trajetória dessas, seria natural que mantivesse a discrição que marca o mundo da diplomacia. Mas Almeida é, no dizer do embaixador Rubens Barbosa, um "provocador" - a começar pela escolha do título do livro.

"Nunca antes" é a expressão de um tempo em que tudo o que diz respeito ao lulopetismo tem de ser considerado em termos superlativos, pois se trata, na visão de seus protagonistas, de uma "revolução". É a introdução obrigatória dos discursos não só de Lula, mas de todos aqueles empenhados em provar, a todo momento, que o ano de 2003, quando o PT chegou ao poder, marcou o início de fato da História do Brasil. 

Almeida dedica-se a desconstruir esse discurso, para provar que por trás da promessa de independência e altivez mal se esconde a submissão a interesses obscuros, articulados bem longe das fronteiras nacionais - o livro lembra diversas vezes a vinculação de petistas de alto coturno com Cuba e a ditadura dos irmãos Castro.

Um dos grandes problemas da diplomacia lulopetista, como mostra o livro, é o improviso, resultado direto da sujeição total da política externa aos desejos e impulsos de um chefe de Estado que imagina estar numa missão redentora. Com Lula, deixou-se de lado, por ociosa, qualquer forma de planejamento e de respeito aos limites da ação diplomática, razão pela qual muitas vezes se despendeu grande esforço para alcançar objetivos tão controversos quanto inúteis, apenas para satisfazer a sede presidencial pelos holofotes. 

Ainda que bem mais discreta que seu antecessor, Dilma manteve o desapreço pela diplomacia profissional. O lulopetismo transformou a diplomacia em panfleto político.  Com isso o País passou a classificar como "estratégica" qualquer parceria que cumprisse a função de reafirmar os propósitos anti-hegemônicos da cartilha do PT, sem considerar os interesses de longo prazo nem os recursos que devem ser gastos para manter essa fantasia.

Ao dar prioridade às relações com os países do "Sul", isto é, aqueles que não integram o mundo desenvolvido, Lula tinha em mente liderar uma revolução geopolítica - e, de lambujem, ganhar um Nobel da Paz. Pretendia colocar o Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Queria que o País fosse reconhecido como o motor de um novo modelo de desenvolvimento, melhor e mais justo do que o capitalista ocidental. Mas, como mostra o livro de Almeida, faltou combinar com os russos.

As iniciativas petistas foram rechaçadas, em primeiro lugar, pela Argentina e pelo México, entre outros países da América Latina, que não estavam nem um pouco inclinados a aceitar a liderança brasileira. O Mercosul, que deveria servir de plataforma para esse salto diplomático, foi transformado num estorvo para o desenvolvimento brasileiro e todas as outras entidades criadas na América Latina para dar corpo à ideia de integração regional raras vezes se prestaram a outra coisa senão a servir de palanque para as diatribes bolivarianas.

Em nome de seus propósitos delirantes, o lulopetismo adotou a leniência como padrão de relacionamento com os sócios ideológicos:  aceitou afrontas da Bolívia à soberania nacional e da Argentina a acordos comerciais, ignorou violações de princípios democráticos, afagou ditadores. Tudo isso para provar que estava conferindo, pela primeira vez, verdadeira "independência" à política externa brasileira.

Após demonstrar que essa "independência" é uma ilusão e apontar os graves problemas que isso causa ao País, Almeida termina seu livro com um interessante exercício: ele especula o que o Barão do Rio Branco, patrono da diplomacia brasileira, diria a Lula se fosse seu chanceler. 

Além de recomendar o fim da política "Sul-Sul", por reduzir demais as oportunidades para o Brasil, Rio Branco daria um conselho que, embora óbvio, é fundamental nestes "tempos não convencionais":
um verdadeiro estadista serve a seu país, e não a seu partido.

Marcos Guterman - O Estado de S.Paulo
O show de Lula