"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 31, 2011

EMBROMAÇÃO 29


É pura embromação.
O governo federal não precisa de mais impostos para a saúde, nem é necessário vincular verbas quando se quer, de fato, dar prioridade a uma política pública.

Há um embuste por trás da controvérsia sobre a regulamentação da Emenda 29. Deputados tanto da base quanto da oposição defendem a votação do projeto em setembro.

A presidente Dilma Rousseff propõe uma condição:
se quiserem votar, inventem uma fonte de financiamento para as novas despesas. Governadores apoiam, porque desejam receber uma fatia do novo tributo - provavelmente a tal Contribuição Social para Saúde (CSS), uma versão ligeiramente aguada, mas igualmente ruim, do velho e extinto imposto do cheque, também conhecido como Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF).

A embromação básica, matriz de todo o resto, está embutida na própria Emenda Constitucional n.º 29, de 13 de setembro de 2000, um enorme trambolho adicionado ao já defeituoso processo orçamentário.

Essa emenda tornou ainda mais emperrada a gestão das finanças públicas, aumentando a vinculação de recursos. A União ficou obrigada, até 2004, a destinar a "ações e serviços públicos de saúde" o montante aplicado no ano anterior corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB).


Distrito Federal, Estados e municípios seriam obrigados a aplicar certa parcela de recursos, mas seriam beneficiados pelo repasse de verbas federais. Na falta de uma lei complementar, essas normas continuariam em vigor a partir de 2005 - e esta é a situação atual.

Um projeto de regulamentação só foi apresentado em 2007, por iniciativa do senador Tião Viana (PT-AC). A matéria foi aprovada rapidamente e em 2008 começou a tramitar na Câmara. O deputado Pepe Vargas (PT-RS), relator na Comissão de Finanças e Tributação, apresentou um substitutivo com a proposta de criação da CSS. Foi a primeira tentativa de recriação da CPMF, extinta no fim do ano anterior.

A presidente Dilma Rousseff já apoiou a instituição desse tributo, mas, neste momento, parece pouco disposta a sustentar essa posição. Se os congressistas assumirem o custo político, tanto melhor. Afinal, até governadores formalmente oposicionistas, como o paulista Geraldo Alckmin, apoiam a ideia.
Por que não aproveitar?

Em vez de regulamentar a Emenda 29, políticos de fato interessados na qualidade e na eficiência da gestão pública deveriam batalhar pela extinção dessa e de outras normas de vinculação orçamentária. Vinculações tornam o Orçamento pouco flexível, dificultam a gestão racional de recursos, favorecem a inércia de maus administradores e criam ambiente propício ao desperdício e à corrupção.

Verbas carimbadas não impediram, nos últimos anos, uma gestão historicamente ruim no Ministério da Educação, com trapalhadas nas avaliações periódicas do ensino, vazamentos de provas, financiamento de livros e kits educacionais contestados até pela presidente da República e erros evidentes na escolha de prioridades, como confirmam os dados assustadores sobre a formação nos níveis fundamental e médio.

É inútil procurar no setor de saúde qualquer justificativa para verbas carimbadas.

Ao contrário:
com mais planejamento, melhor seleção de objetivos e maior competência na administração de pessoal e de recursos financeiros, ministros poderiam fazer muito mais sem depender de verbas garantidas pela Constituição.

Além disso, o fim das vinculações obrigaria cada ministro a mostrar serviço, apresentando planos e resultados, e a batalhar pelo dinheiro necessário ao seu trabalho.

A mesma observação vale para os governos estaduais e municipais. Governadores e prefeitos têm a vida facilitada por transferências federais. Muitos não têm sequer o incômodo da prestação de contas.

A baixa qualidade dos controles, atribuível à omissão ou à incompetência dos Ministérios, é atestada com frequência pelo Tribunal de Contas da União.

Líderes aliados indicaram à ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, a disposição de criar um tributo para custear os gastos com a saúde. Uma fonte extra é necessária e a CSS continua na mesa, segundo o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza.

Mas para que dinheiro extra, se a arrecadação cresce, normalmente, mais do que o PIB?

A resposta é simples:
qualquer novo dinheiro carimbado aumenta o bolo e deixa mais verbas para o governo e a companheirada gastarem alegremente. O objetivo não é a boa gestão.

É manter e, se possível, expandir a gastança para atender a interesses pessoais e partidários. Se as verbas já disponíveis para educação e saúde tivessem sido usadas com um pouco de competência e decência, o Brasil estaria em condição muito melhor.

PROJETO POLÍTICO : Brasil terá de importar mais gasolina. Importação vai custar R$ 200 milhões, calcula mercado

A redução da mistura do etanol anidro na gasolina deve significar a necessidade de importação de cerca de 1 bilhão de litros de gasolina "A" para abastecer o mercado nos seis meses que vão de outubro até abril do ano que vem.

Com o produto importado custando cerca de R$ 0,21 centavos por litro mais caro do que a gasolina na refinaria no Brasil, o mercado calcula que a Petrobras pode ter um prejuízo de cerca de R$ 200 milhões para importar esse volume adicional de gasolina.

As perdas podem não parar por aí.
A avaliação do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e Lubrificantes (Sindicom) é de que provavelmente o governo deve reduzir o peso da Cide (Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico), que hoje incide em R$ 0,23 por litro de gasolina "A".

"Isso deve ocorrer para equiparar o preço da gasolina ao do anidro, de forma a não causar aumento da gasolina ao consumidor final", diz o presidente-executivo do Sindicom, Alísio Vaz.

Segundo cálculos do mercado, se essa equiparação ocorrer, ela vai significar redução da incidência da Cide em R$ 0,07 a R$ 0,08 por litro de gasolina.

Com isso, o governo deixaria de arrecadar em torno de R$ 80 milhões com os cerca de 1 bilhão de litros que migrará do anidro para o combustível fóssil.

Em todo ano de 2010, o país importou 505 milhões de litros de gasolina com um custo total de US$ 284,7 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo (ANP).

De janeiro a julho deste ano foram 413 milhões de litros, segundo a mesma fonte, a um custo de US$ 330,3 milhões.

Apesar da conta negativa, o governo preferiu deixar na mão da Petrobras a responsabilidade pelo abastecimento de etanol.

Em abril deste ano, entressafra da cana-de-açúcar, a relação do governo com usineiros ficou desgastada por causa da extrema escassez de etanol no mercado, que fez os preços do biocombustível (anidro) dispararem até atingirem o pico de R$ 2,72 em 20 de abril na usina em São Paulo, segundo o Cepea/Esalq.

Na semana passada, os preços ficaram em R$ 1,43 por litro, já acima dos R$ 0,96 registrados em igual período de 2010.

Ontem, sob o impacto da notícia de redução da mistura do anidro na gasolina de 25% para 20%, o preços caíram R$ 0,30 por litro, segundo levantamento da SCA Trading, a maior comercializadora de etanol do país.

Assim, a opção de reduzir a mistura por tempo indeterminado ocorreu mesmo com o comprometimento recente das usinas sucroalcooleiras de que garantiriam o abastecimento.

Duas medidas vinham sendo tomadas pelas indústrias desde o início da safra, em maio. Uma delas foi o aumento da produção de anidro que até agora está 15% maior do que em igual intervalo da safra passada, mesmo com a forte quebra da produção de cana, que deve superar 10%.

A segunda medida foi a importação de etanol dos Estados Unidos, cujos contratos neste momento chegam a 500 milhões de litros de anidro, com desembarque previsto entre setembro e abril de 2012, segundo a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).

O presidente da entidade, Marcos Jank, disse ontem que por causa da antecipação da redução da mistura (que para os usineiros deveria ocorrer em 1º de novembro com o fim da safra e não em 1º de outubro, como decidiu o governo) é possível que parte dessa importação de etanol já contratada seja "desnecessária".

Essa questão tem duas soluções possíveis, diz Tarcilo Rodrigues, diretor da comercializadora de etanol Bioagência.
A primeira é o direcionamento do caldo da cana que iria para a produção de anidro para o hidratado (que abastece diretamente os veículos).

"Outra opção, caso seja necessário, é o cancelamento das importações, cujo contratos oferecerem essa opção", diz Rodrigues.

Ontem, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) revisou a safra 2011/12 no Brasil em 588,9 milhões de toneladas, 5,6% menor que o registrado na safra passada (623,9 milhões de toneladas).

Fabiana Batista |Valor Econômico

Petrobras já importou 3,1 milhões de barris do combustível até agosto

De janeiro a agosto a estatal importou 3,1 milhões de barris, o que equivale a 492,9 milhões de litros em oito meses. Como as estimativas do mercado apontam que será necessário 1 bilhão de litros extras para cumprir a redução da participação de álcool anidro na gasolina de 25% para 20%, o volume representa o dobro do que foi importado até agora.

A necessidade de aumentar as importações de gasolina é mais um revés para a Petrobras, que não aumenta os preços desde 2009. Na avaliação do economista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra Estrutura (CBIE), a perda para a companhia passa a ser dupla.

"Mais uma vez o governo está usando a Petrobras para atender projetos políticos",

"o que a "direita" jamais havia conseguido fazer no Brasil - a "esquerda", acomodada no poder, institucionalizou."


(...)

Pavoroso e exemplar contraste entre a esfera privada onde tudo correu perfeitamente bem e a pública onde o tal "Estado" faz, mais uma vez, prova de um estilo de gerenciamento emperrado, partidarizado, sectário, ineficiente e, sobretudo, corrupto.

Onde foram parar as tais "verbas" dos tais "planos" e "projetos" que são parte destes governos lulopetistas?
Somem pelo ralo dos laços de partido, família e amizade que sempre consumiram a esfera do poder público à brasileira...

Milan Kundera conta o seguinte: uma comunista militante é julgada por crimes que não havia cometido. Sustentou sob tortura a sua verdade demonstrando uma extraordinária coragem diante dos seus algozes.

Condenada, cogita-se sobre seu enforcamento mas, mesmo numa Praga stalinista, há misericórdia e ela segue para a prisão perpétua. Findo o comunismo, seu caso é revisto e, depois de 15 anos, ela sai da prisão e vai morar com o filho com quem, por toda a cruel separação, tem um apego desmesurado.

Um dia, Kundera visita sua casa e a encontra chorando copiosamente.
Apesar de ter 20 anos, ele é preguiçoso, diz.
Kundera argumenta que esses são problemas menores.
Mas o filho, indignado, defende a mãe com veemência:
ela está certa, sou egoísta e desonesto, espero mudar...

Moral da história:
o que o partido jamais havia conseguido fazer com a mãe, ela realizou com o filho.

Num país em forma de presunto, grassa a praga de um estilo peculiar de corrupção. Não se trata de roubar somente pela "mais-valia" ou pelo engodo do mercado e da ganância.

Isso também ocorre no país de Jambom, mas aqui o que explode como bombinha de São João é algo paradoxal:
o roubo desmedido dos dinheiros públicos realizado precisa e legalmente pelas autoridades eleitas para gerenciar esses recursos.

Trata-se do assalto ao Estado pelos seus funcionários mais graduados, que loteiam suas repartições em nome de uma antigovernabilidade, pois como governar com os escândalos e as suspeitas de enriquecimento ilícito de ministros?

Quando eu era inocente e de esquerda, a nossa luta era contra o "feudalismo brasileiro" encarnado pelos "coronéis".
Com o PT veio a esperança de liquidar a corrupção.

Afinal, eu testemunhei o então presidente do PT, José Genoino, repetir com orgulho:
"O PT não rouba e não deixa roubar!"

Era, vejo bem hoje, apenas um belo mantra que se desfez no mensalão e no que se seguiu.

Moral da história:
o que a "direita" jamais havia conseguido fazer no Brasil - coalizão, distribuição de favores, aparelhamento do estado, elos imorais entre instituições e pessoas, populismo em nome dos pobres -, a "esquerda", acomodada no poder, institucionalizou.

Roberto Damatta