"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 16, 2011

Cartão corporativo paga motel, festinha...

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Quatro casos e uma certeza:
os cartões corporativos ainda sofrem desvio de finalidade, 10 anos após terem sido criados para dar mais transparência aos gastos públicos.

A fatura do servidor Nestor Santorum, lotado no Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), na capital do Pará, traz um gasto de R$ 114 no Motel Holliday, estabelecimento que fica em Ananideua, região metropolitana de Belém.

O pagamento foi realizado no meio da tarde de 29 de novembro do ano passado, uma segunda-feira. O servidor, que gastou mais de R$ 11 mil com o cartão corporativo em 2011, nega a despesa.

A assessoria do Sipam alega que Santorum comprou material de construção para fazer uma cerca no lugar de um muro derrubado por uma árvore, mas a loja estava com o sistema de recebimento eletrônico indisponível.

A irmã do dono do estabelecimento de material de construção teria oferecido a máquina de seu motel para passar o cartão corporativo, “desvirtuando” a identificação do gasto.
(SIC)

Sem justificativa ficou o questionamento que o Correio encaminhou ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de Minas Gerais sobre gastos de R$ 12,9 mil que duas servidoras da regional do IBGE fizeram em 21 de dezembro do ano passado em diárias, no Tauá Grande Hotel Termas de Araxá.

As servidoras Gislene Maria Ferreira e Vilma de Jesus Santos Cruz pagaram, juntas, 17 diárias com cartão corporativo. A assessoria do órgão não justificou a despesa até o fechamento desta edição.

Vídeos postados na internet mostram reunião de confraternização entre os funcionários da instituição batizada de 3º Encontro das Áreas Administrativas do IBGE, realizado entre 12 e 17 de dezembro de 2010.

A data dos gastos, que caíram na fatura de janeiro, é a mesma informada pelo servidor José Haroldo Rocha, do IBGE do Rio de Janeiro, que pagou R$ 7,8 mil ao mesmo hotel com o cartão corporativo.

A Controladoria-Geral da União (CGU) proíbe gastos com hospedagem:
“Excluída, nesse caso, a possibilidade de uso do cartão para o pagamento de bilhete de passagens e diárias a servidores”.


Os três servidores citados fazem parte do universo de 7.465 funcionários em postos estratégicos que utilizam a modalidade de suprimento de fundo.
Este ano, o governo já gastou R$ 39,9 milhões com os cartões corporativos.

Os campeões de gastos são a Presidência da República e o Ministério da Justiça, na casa dos R$ 10 milhões e R$ 9 milhões.
Em terceiro lugar vem o Ministério da Educação, com R$ 3,8 milhões.
Na pasta, destacam-se os gastos dos servidores do Hospital das Clínicas de Porto Alegre, empresa pública ligada ao ministério.


Churrascaria

Contrariando recomendação da Controladoria-Geral da União (CGU) de que recursos públicos do cartão não devem funcionar como diária para custear despesas semelhantes às previstas no auxílio-alimentação recebido pelo servidor, a funcionária Marta Helena Cherini repete gastos em churrascaria famosa pelos altos preços cobrados.

A fatura do cartão revela despesas no restaurante no Rio de Janeiro e em Brasília. Outros dois funcionários do hospital também elegeram o estabelecimento quando estiveram na capital do país.
(...)
Apesar de o cartão ter sido concebido para suprir necessidades de almoxarifado e pequenos consertos que não têm vulto financeiro para a abertura de uma concorrência, pelo menos cinco gestores do Ministério da Defesa utilizaram o cartão corporativo em estabelecimentos de fast-food.

O desvio da finalidade do suprimento também se repete nos saques em dinheiro vivo, procedimento condenado pela CGU.
Os servidores João Monteiro de Souza Junior, do IBGE do Amazonas, e José Wilden Nazareno, do Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra) do Pará, utilizaram esse ano o cartão corporativo para sacar R$ 28,4 mil e R$ 26 mil em dinheiro, em vez de usar a função crédito, que permite o acompanhamento dos gastos dos recursos públicos federais.


Banco do Brasil

Em 2009, o governo cortou o cartão corporativo dos ministros e instituiu uma diária fixa para os titulares das pastas. O objetivo da medida foi evitar que os ministros usassem o cartão para gastos durante a viagem.

Como os servidores recebem diária quando se deslocam a trabalho, despesas relacionadas a rotina de viagens não devem ser custeadas nessa modalidade de suprimento de fundos.

Os cartões de pagamento do governo federal são administrados pelo Banco do Brasil.

Confira os valores gastos pelos órgãos do governo federal com o cartão corporativo:
Presidência da República - R$ 10,5 milhões

Ministério da Justiça - R$ 9,3 milhões

Ministério da Educação - R$ 3,8 milhões

Ministério do Planejamento - R$ 2,7 milhões

Ministério da Agricultura - R$ 2,3 milhões

Ministério da Saúde - R$ 2,2 milhões

Ministério do Desenvolvimento Agrário - R$ 1,8 milhão

Ministério da Defesa - R$ 1,46 milhão

Ministério da Fazenda - R$ 1,43 milhão

Ministério do Trabalho - R$ 1 milhão

Ministério do Meio Ambiente - R$ 603 mil

Gabinete da Vice-Presidência - R$ 535 mil

Ministério de Minas e Energia - R$ 403 mil

Ministério da Ciência e Tecnologia - R$ 366 mil

Ministério dos Transportes - R$ 240 mil

Ministério da Integração Nacional - R$ 213 mil

Ministério das Cidades - R$ 159 mil

Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - R$ 127 mil

Ministério da Previdência - R$ 114 mil

Ministério da Cultura - R$ 66 mil

Ministério das Comunicações - R$ 50 mil

Ministério da Pesca - R$ 39 mil

Ministério das Relações Exteriores - R$ 31 mil

Ministério do Esporte - R$ 3 mil

Correio Braziliense

Uma família, três bolsas



A família do pescador Adão dos Santos, de 50 anos, e da oleira Maria Irineuda Araújo da Silva, de 36, recebe três bolsas de transferência de renda:

Bolsa Família, para três dos quatro filhos em idade escolar, de R$166 mensais;

Bolsa Pesca, de R$545 mensais,
de 15 de novembro a 15 de março, no defeso (época de reprodução de peixes, com a pesca proibida);
e Bolsa Produção, de R$150 mensais, de maio a julho, quando o aumento das águas dos rios e as chuvas inundam a área de extração de barro, necessário à produção de tijolos.

Mas as três bolsas não fazem a família superar todas as dificuldades que enfrenta para alimentar e garantir a educação dos quatro filhos. A residência do casal, no bairro São Joaquim, periferia de Teresina, foi feita com os tijolos que produz, mas não tem portas internas.

O piso é de cimento, e Adão diz que nem sempre tem R$2 que as crianças pedem para lanchar - ou para, por exemplo, participar de uma excursão escolar ao Parque Zoobotânico de Teresina na comemoração pelo Dia das Crianças.

Adão diz que, no período normal, pesca no Rio Parnaíba e conserta barcos e canoas. Há dias em que ganha R$40 ou R$10, dependendo da quantidade de peixes que pega com instrumentos artesanais como o espinhel:

- Ganho mais quando não estou pescando. Com o Bolsa Pesca, em um ano comprei uma mesa para a televisão; no outro ano, um motor para o barco; e, este ano, estamos planejando trocar a geladeira porque a nossa está muito velha.

Maria Irineuda afirma dar "graças a Deus" pelo Bolsa Família.

Mas o dinheiro só dá para comprar alimentos e material escolar:

- Não dá para outra coisa. Temos um menino de 10 anos que precisa tomar hormônio porque parou de crescer, e não temos como conseguir R$50 para comprar o remédio. Há um ano ele não toma o hormônio.

Irineuda conta que terá de largar o trabalho como auxiliar de olaria, porque a prefeitura de Teresina proibiu a extração de argila na área.


Ela vai trabalhar como pescadora, na esperança de ganhar o Bolsa Pesca.


Efrém Ribeiro-*Especial para O GLOBO