"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 04, 2011

ESTRANHO! GATO POR LEBRE? ELEVAÇÃO DO RATING CAMUFLADA? CUIDADO COM O : "GORILA INVISÍVEL"

O sócio da Tendências Consultoria, Juan Jensen, foi surpreendido pela elevação do rating soberano do Brasil pela agência de classificação de risco Fitch em um nível acima do piso do grau de investimento, de BBB- para BBB.

Para ele, a decisão chegou em um momento "estranho".
"Não estávamos esperando uma melhora no rating neste momento, inclusive porque a política macroeconômica do País tem piorado, principalmente no último mês", afirmou.

Na opinião de Jensen, embora a Fitch avalie a situação econômica do País de um ponto de vista de longo prazo, não havia motivos para que a elevação do rating ocorresse neste momento.
"Mesmo que eles estivessem pensando em melhorar a classificação do Brasil, poderiam ter esperado mais um pouco. O Brasil tem cometido alguns pecados nas últimas semanas."


Jensen disse que a presidente Dilma Rousseff iniciou o governo com um discurso e ações consistentes, o que pode ter influenciado a decisão da agência.
Porém, ele enfatizou que, no último mês, o tripé macroeconômico tem "fraquejado".

"Se a elevação do rating tivesse vindo depois do primeiro mês do governo, não surpreenderia tanto. Mas as incertezas são bem maiores hoje do que eram há dois meses e, dado o último mês e as últimas medidas na área monetária, cambial e fiscal, o upgrade vem em um momento no mínimo estranho. Temos uma piora nessas três áreas e isso vai afetar o País no médio e longo prazo."


Jensen disse acreditar que o País cumprirá a meta de superávit primário para este ano e afirmou que a consultoria prevê que o crescimento do PIB deve chegar a 3,9% neste ano, mas disse que essa desaceleração não resolve a questão inflacionária.
Ele avalia que a Fitch deve ter levado em conta a boa recuperação do País após a crise de 2008, mas destacou que a melhora fiscal, por enquanto, é uma "promessa". "Parece que a Fitch está subestimando o risco inflacionário. A economia vem operando acima de sua capacidade", disse.


O sócio da Tendências Consultoria disse não compartilhar da avaliação da Fitch, que citou o anúncio do governo de um ajuste fiscal como decisivo para a elevação da nota do País.

"Embora o governo tenha anunciado um corte de R$ 50 bilhões no Orçamento, continuou a capitalizar o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em R$ 55 bilhões, o que, do ponto de vista da demanda agregada, tem impacto zero", explicou.

"O reajuste do salário mínimo apenas acompanhou a inflação do ano passado, mas, em 2012, o mínimo vai aumentar 14%, o que trará uma pressão de R$ 23 bilhões nas contas públicas."


Na avaliação dele, o Banco Central (BC) também está subestimando riscos inflacionários.
"As medidas macroprudenciais têm seus efeitos sobre a demanda, mas tem muita coisa incerta. O BC tem atuado de maneira diferente e negativa, fazendo algumas apostas que ele talvez não devesse fazer", afirmou.

Na questão cambial, avalia Jensen, o País tem adotado medidas para evitar a apreciação, interferindo no sistema de câmbio flutuante.

"A flutuação é suja, mas está cada vez mais suja."


Anne Warth/Agência Estado

Saiba :
O gorila invisível

PARA O BRASIL SEGUIR MUDANDO : INFLAÇÃO "BOA" JÁ 'ENGORDOU EM R$ 7 BI O CAIXA DO GOVERNO

O aumento da inflação reforçou o caixa do governo e garantiu arrecadação extra de R$ 7 bilhões no primeiro bimestre.
O acréscimo decorreu da difusão do efeito preço no recolhimento de todos os impostos e contribuições, mas com resultados mais evidentes no Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), PIS e Cofins.

Com esses recursos adicionais - e, de certa forma, surpreendentes -, o Tesouro realizou 42% do superávit primário do governo central, de R$ 16,84 bilhões, no bimestre.
O cálculo, do Ministério da Fazenda, considerou o montante de R$ 149,9 bilhões das receitas administradas pelo Fisco nos dois primeiros meses, valor 21% superior, em termos nominais, ao do mesmo período de 2010.


Dos R$ 25,89 bilhões de aumento da receita bimestral, a inflação contribuiu diretamente com R$ 7 bilhões, ou seja, 27,1%.
Embora o efeito inflação ocorra sobre todos os tributos, seu impacto foi maior no IRPJ, por causa da lucratividade das empresas, e no PIS/Cofins, por incidirem sobre o faturamento. Assim, a inflação foi um dos motivos que levaram a arrecadação do IRPJ a subir R$ 5 bilhões e a do PIS/Cofins, R$ 4,5 bilhões no período.

Os setores que mais contribuíram para esse desempenho foram o comércio varejista e atacadista, as montadoras, a construção, as fábricas de produtos de minerais não metálicos, extração de minerais e a indústria de alimentos.

O governo é o maior sócio da inflação e isso pode ser constatado pela metodologia de cálculo do efeito preço na receita futura.
A Fazenda usa o Índice de Estimativa de Receita (IER), formado por uma média ponderada composta por 55% do IPCA e 45% do IGP-DI.
Esse índice era de 4,66% em março de 2010, passou a 6,85% em novembro e a 7,15% em fevereiro.


Para cada ponto percentual na inflação, a arrecadação cresce 0,61%. Esta é uma das razões pelas quais a Receita reestimou o aumento de sua arrecadação anual de 12% para 15%.

Os técnicos salientaram que o crescimento de R$ 25,89 bilhões na arrecadação acumulada neste ano até fevereiro decorre de fatos gerados em dezembro de 2010 e em janeiro de 2011.
Nesse período, a produção industrial (IBGE) avançou 5,78%, o volume geral de vendas ficou 15,21% maior e a massa salarial cresceu 16,74%.

Luciana Otoni | De Brasília Valor Econômico

NO PAÍS RICO É PAÍS SEM POBREZA : A POLÍTICA DO ROBIN HOOD ÀS AVESSAS.



Um ano em que a economia cresceu muito, como 2010, agrava uma das mais sérias distorções do sistema tributário brasileiro:
a forte concentração na cobrança de tributos indiretos, que ficam embutidos nos preços de produtos e serviços.

No ano passado, esses impostos e contribuições federais somaram R$ 273,895 bilhões, o equivalente a 50,2% da receita tributária da União, excluído o recolhimento previdenciário.
Em 2009, quando o Produto Interno Bruto (PIB) andou para trás, o montante havia sido de R$ 229,459 bilhões, correspondentes a 48,7% do total.

Essa prevalência dos tributos sobre o consumo, em detrimento dos que incidem sobre a renda e o patrimônio, torna o regime brasileiro um dos mais injustos do mundo. Como as alíquotas são as mesmas para todos, quem ganha mais compromete uma parcela da renda menor do que quem recebe menos.

Em outras palavras, os contribuintes pobres são mais sobrecarregados do que os endinheirados. Isso reforça a desigualdade social, uma praga da vida nacional, que impede o país de se desenvolver de fato, em vez de apenas experimentar crescimento econômico — as duas coisas são bem diferentes.

Famílias com renda de até dois salários mínimos gastam mais da metade pagando tributos. Em contraposição, as que têm rendimento maior que 30 salários destinam só um quarto para honrar os compromissos fiscais. O fenômeno tem uma explicação simples.

Quem ganha pouco consome tudo e acaba sendo mais prejudicado. Já os mais ricos conseguem poupar e sofrem relativamente menos com os impostos sobre o consumo.
Dessa maneira perversa, o sistema tributário brasileiro funciona como um Robin Hood às avessas, transferindo renda dos pobres para as classes média e alta.
(...)
Tarefa inadiável

Em média, a taxação é de 30% a 40%, dependendo do produto ou do serviço prestado. Alguns poucos itens, principalmente alimentos, têm carga menor não por causa do governo federal, mas porque muitos estados isentam a cesta básica do recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), o principal tributo do país.

Entra governo, sai governo, e cerca de 70% da carga tributária nacional vêm da cobrança sobre os salários, o faturamento das empresas e a produção. O ideal seria que a tributação recaísse sobre o lucro e o patrimônio, que são riqueza já formada, afirmam os analistas.

O governo começa a falar, de novo, em reforma tributária.
É difícil acreditar que ela vai ser, finalmente, levada a sério. Se for o caso, já passou da hora de os formuladores de política econômica tentarem mudar o atual sistema, corrigindo barbaridades, a começar pelo seu forte caráter regressivo.
O regime tributário brasileiro sufoca o consumo, a produção e o investimento.

Complexo e caro, funciona como uma pesada âncora que impede o espírito empreendedor de um povo que sempre costumou se virar, em pequenos negócios, para sobreviver. Se quiser alçar voos maiores em direção ao mundo desenvolvido, essa é uma tarefa inadiável.

Ricardo Allan/Correio Braziliense
subeditor de economia