"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 20, 2010

O DISCURSO : QUEM NÃO TE CONHECE QUE TE COMPRE. A AÇÃO : GOVERNO LIBERA MAIS R$ 18,6BI PARA GASTOS.ALGUÉM PRECISA "ORIENTAR" A PRESIDENTA.

Apesar do discurso de que já começou a fase de contenção das despesas com funcionalismo público, o governo anunciou ontem a elevação em R$ 2,5 bilhões na projeção de gastos no Orçamento deste ano com pagamento de pessoal e encargos sociais.

No quinto relatório de avaliação bimestral das despesas e receitas do Orçamento deste ano, encaminhado ao Congresso pelo Ministério do Planejamento, o governo projeta agora despesas de R$ 168,32 bilhões nessa rubrica, ante R$ 166 bilhões no cálculo do quarto bimestre.

O Ministério do Planejamento explicou que o acréscimo de R$ 2,5 bilhões decorre da atualização da base de projeção e também da revisão da estimativa de ingresso de novos servidores, que poderão ser nomeados entre outubro e dezembro.

Entre os grandes grupos de despesas, a rubrica pessoal e encargos foi a que teve maior alta na projeção do ano, se não se considerar o gasto de R$ 42,9 bilhões da compra de ações da Petrobrás pela União, que também fez parte da revisão de estimativas.

Depois de pessoal e encargos e da capitalização da Petrobrás, as despesas previstas com subsídios e subvenções para 2010 foram as que mais subiram nessa revisão: R$ 500 milhões, para R$ 6,7 bilhões.

No lado das receitas, o governo contabiliza ingresso extra de R$ 74,8 bilhões vindo da Petrobrás (pagamento por 5 bilhões de barris de petróleo), mas também prevê menos R$ 4,3 bilhões de ingressos decorrentes de royalties e menos R$ 1,8 bilhão de receitas de concessão, por conta da frustração de receitas de outorga de serviços de telecomunicações e outorga de serviços ferroviários.

Mais : R$ 18,6BI para gastos

2011 COM UM PODER EXECUTIVO QUE DEVERÁ SER REGIDO PELA FICÇÃO, MAIS DO QUE NUNCA E COMO NUNCA ANTES NESTE PAÍS, VAMOS DE "CONTABILIDADE CRIATIVA"

A presidente eleita, Dilma Rousseff, decidiu manter o ministro da Fazenda, Guido Mantega, recomendado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Ela pode ter levado em conta, além da recomendação, o "desenvolvimentismo" de Mantega, sua experiência de mais de quatro anos no posto ou sua disposição de acomodar a política fiscal às conveniências político-eleitorais de cada momento.

Pode ter considerado, também, sua vocação para a "contabilidade criativa", confirmada amplamente neste ano, quando gastos e operações de endividamento foram convertidos em receita para engordar as contas federais.
A obra-prima, nesse campo, foi a conversão do aporte de capital à Petrobrás - R$ 74,8 bilhões - numa receita de R$ 31,9 bilhões para o Tesouro.

Como a presidente eleita ainda não explicou por que decidiu manter o ministro, não há como avaliar a seriedade e a extensão da agenda prevista para o Ministério da Fazenda. A pauta inclui, como um de seus pontos mais importantes, a redução da dívida líquida do setor público, até 2014, de cerca de 41% (dado de setembro) para 30% do Produto Interno Bruto (PIB).

Isso será possível, segundo cálculos do Ministério, se a economia crescer 5% ao ano e for mantido um superávit primário de 3,3% do PIB.

Mas a própria agenda ainda não é clara, pelo menos para quem está fora do governo. Afinal, a noção de dívida líquida tem servido para disfarçar desmandos da política orçamentária. Quando, por exemplo, o governo transfere dinheiro a bancos estatais para empréstimos a empresas, emite papéis e aumenta a dívida bruta, mas não necessariamente a dívida líquida, porque um crédito é inscrito simultaneamente nas contas.

Mas a qualidade do crédito é incerta, especialmente por causa do critério de aplicação. O dinheiro talvez nunca volte ao Tesouro, mas a dívida bruta continuará e essa os credores não perdoarão.

Os objetivos ficariam muito mais claros para os mercados e para os cidadãos em geral, se o objetivo fosse limitar ou reduzir a proporção entre a dívida bruta e o PIB, hoje próxima de 60%. Essa é a referência usada na maior parte dos demais países.

Mas a presidente eleita ainda não expôs com clareza a maior parte de sua estratégia. Tem falado sobre suas boas intenções, como elevar o salário mínimo, ampliar o Programa Bolsa-Família, eliminar a miséria e ao mesmo tempo aumentar o investimento público e realizar as obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Falta dizer como administrará as finanças públicas para cumprir essas promessas e garantir fundamentos sólidos para a economia.

A mera continuação dos padrões observados no atual governo será insuficiente. Na quinta revisão bimestral da execução orçamentária, o Ministério do Planejamento recomendou a ampliação de R$ 10 bilhões nos limites de empenho e movimentação de créditos extraordinários e a liberação de R$ 8,6 bilhões para despesas discricionárias.

A ampliação de gastos foi possibilitada pela receita resultante da capitalização da Petrobrás, uma das mágicas contábeis. Se o novo governo mantiver esse padrão, qualquer relatório futuro sobre o ajuste orçamentário será obra de ficção.

Por todos esses fatores é difícil, por enquanto, aceitar sem reserva as boas intenções anunciadas nos últimos dias. A decisão de excluir também a Eletrobrás do cálculo do resultado primário das contas públicas é em tese positiva.

A Petrobrás já foi excluída. Essas mudanças não apenas dão às empresas maior liberdade para investir, mas também tornam as contas públicas mais claras e conferem maior realismo aos números divulgados.

Também positivas, em princípio, são as decisões anunciadas de equilibrar totalmente as contas públicas nos próximos anos e de fixar as metas em termos de resultado nominal e não só primário. O resultado nominal contabiliza todas as despesas e receitas, incluídas as financeiras.

Mas falta a presidente eleita explicar em termos mais concretos como pretende administrar as finanças públicas e confirmar se respeitará, de fato, a autonomia do Banco Central. Será preciso somar aos bons compromissos, naturalmente, a renúncia à "contabilidade criativa".

Então poderá vencer as desconfianças.

AE - AE