"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

junho 26, 2011

DESONESTIDADE É CULTURA.


Sempre se tem cuidado com generalizações, para não atingir os que não se enquadram nelas. Às vezes o sujeito odeia indiscriminadamente toda uma categoria, mas, ao falar nela e, principalmente, ao escrever, abre lugar para as exceções, os “não-são-todos” e ressalvas hipócritas sortidas.

Outros recorrem a gracinhas, como na frase do antigamente famoso escritor Pitigrilli, segundo a qual “as únicas mulheres sérias são minha mãe e a mãe do leitor”.
No caso presente, decidi que as generalizações feitas hoje excluem todos os leitores, a não ser, evidentemente, os que desejem incluir-se – longe de mim contribuir para aumentar nossa tão falada legião de excluídos.

Antigamente, era muito comum ler ensaios e artigos escritos por brasileiros em que nós éramos tratados na terceira pessoa:
o brasileiro é assim ou assado, gosta disso e não gosta daquilo.
Em relação a maus hábitos então, a terceira pessoa era a única empregada.
O autor do artigo escrevia como se ele mesmo não fizesse parte do povo cuja conduta lamentava.

Até mesmo nas conversas de botequim, durante as habituais análises da conjuntura nacional, o comum era (ainda é um pouco, acho que o boteco é mais conservador que a academia) o brasileiro ser descrito como uma espécie de ser à parte, um fenômeno do qual éramos apenas espectadores ou vítimas.
Eu não.

Talvez, há muito tempo, eu tenha escrito dessa forma, mas devo ter logo compreendido sua falsidade e passei a me ver como parte da realidade criticada. Individualmente, posso não fazer muitas coisas que outros fazem, mas não serei arrogante ou pretensioso, vendo os brasileiros como “eles”.
Não são “eles”, somos nós.

Creio que, feita a exceção dos leitores e esclarecido que estou falando em nós e não em inexistentes “eles”, posso expor a opinião de que fica cada vez mais difícil não reconhecer, vamos e venhamos, que somos um povo desonesto.
Não conheço as estatísticas de países comparáveis ao nosso e, além disso, nossas estatísticas são muito pouco dignas de confiança.

Mas não estou preparando uma tese de mestrado sobre o problema e não tenho obrigação metodológica nenhuma, a não ser a de não falsear intencionalmente os fatos a que aludo e que vem das informações e impressões a que praticamente todos nós estamos expostos.

Claro, choverão explicações para a desonestidade que vemos, principalmente nos tempos que atravessamos, em que a impressão que se tem é de que ninguém é mais culpado ou responsável por nada.
Há sempre fatores exógenos que determinaram uma ação desonesta ou delituosa.
E, de fato, se é assim, não se pode fazer nada quanto à má conduta, a não ser dedicar todo o tempo a combater suas “causas”.

Essas causas são todas discutíveis e mais ainda o determinismo de quem as invoca, que praticamente exclui a responsabilidade individual.
E, causa ou não causa, não se pode deixar de observar como, além de desonestos, ficamos cínicos e apáticos. Contanto que algo não nos atinja diretamente, pior para quem foi atingido.

Ninguém se espanta ou discute, quando se fala que determinado político é ladrão.
Já nos acostumamos, faz parte de nossa realidade, não tem jeito.
Alguns desses ladrões são até simpáticos e tratados de uma forma que não vemos como cúmplice, mas como, talvez, brasileiramente afetuosa.
Votamos nele e perdoamos alegremente seus pecados, pois, afinal, ele rouba, mas tem suas qualidades.

E quem não rouba?
Por que todo mundo já se acostumou a que, depois de uma carreira política de uns dez anos, todos estão mais gordinhos e com o patrimônio às vezes consideravelmente ampliado?
Como é que isso acontece rotineiramente com prefeitos, vereadores, deputados, senadores, governadores, ministros e quem mais ocupe cargo público?

Os políticos, já dissemos eu e outros, não são marcianos, não vieram de outra galáxia.
São como nós, têm a mesma história comum, vieram, enfim, do mesmo lugar que os outros brasileiros.

Por conseguinte, somos nós.
Assim como o policial safado que toma dinheiro para não multar – safado ele que toma, safados nós, que damos.
Assim como o parlamentar que, ao empossar-se, cobre-se de privilégios nababescos, sem comparação a país algum.

Em todos os órgãos públicos, ao que parece aos olhos já entorpecidos dos que leem ou assistem às notícias, se desencavam, todo dia, escândalos de corrupção, prevaricação, desvio de verbas, estelionato, tráfico de influência, negligência criminosa e o que mais se possa imaginar de trambique ou falcatrua.

E em seguida assistimos à ridícula, com perdão da má palavra, microprisão até de “suspeitos” confessos ou flagrados.
A esse ritual da microprisão (ou nanoprisão, talvez, considerando a duração de algumas delas) segue-se o ritual de soltura, até mesmo de “suspeitos” confessos ou flagrados.
E que fim levam esses inquéritos e processos ninguém sabe, até porque tanto abundam que sufocam a memória e desafiam a enumeração.

Manda a experiência achar que não levam fim nenhum, fica tudo por isso mesmo, porque faz parte do padrão com que nos domesticaram (taí, povo domesticado, gostei, somos também um povo muito bem domesticado) saber que poderoso nenhum vai em cana.

E é claro que, por mais que negue isso com lindas manifestações de intenção e garantias de sigilo (como se aqui, de contas bancárias de caseiros a declarações de imposto de renda, algo do interesse de quem pode ficasse mesmo sigiloso), essa ideia de esconder os preços das obras da Copa tem toda a pinta de que é mais uma armação para meter a mão em mais dinheiro, com mais tranquilidade.

Ou seja, é para roubar mesmo e não há o que fazer, tanto assim que não fazemos.
Acho que é uma questão cultural, nós somos desse jeito mesmo, ladravazes por formação e tradição.

João Ubaldo Ribeiro/Estadão

MÁFIA DO CAIXÃO: EMPRESAS DE SEGURO FALSAS DÃO PREJUÍZOS DE R$ 3 BI POR ANO AOS CONSUMIDORES

A pirataria no mercado segurador brasileiro acendeu um sinal de alerta no gabinete do ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Dados que repousam sobre a sua mesas mostram que mais de 100 empresas estão operando à margem da lei, enganando e causando prejuízos superiores a R$ 3 bilhões por ano aos consumidores.


Essas companhias, se podem ser chamadas assim, vendem seguros falsos, sobretudo de automóveis, e serviços de auxílio funeral. Apenas entre janeiro de 2010 e maio deste ano, foram aplicados R$ 110 milhões em multas a 29 firmas. Outras 44 respondem a inquérito na Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão responsável por regular e fiscalizar o setor.

A preocupação é tanta que ao nomear Luciano Santanna como novo comandante da Susep, Mantega determinou explicitamente que ele mexa nesse vespeiro, identifique as empresas irregulares e as expurgue do mercado.
Com a ordem do chefe, Santanna colocou como prioridade máxima da sua gestão aprimorar a fiscalização.


Se tudo correr como o governo deseja, será promovida uma caçada às seguradoras que não cumprem as exigências legais, como manter reservas nos caixas (provisões) para fazer frente a futuras indenizações.

O que se vê é que, em vez das garantias, os donos das empresas irregulares adicionam ao patrimônio particular o que tiram dos clientes incautos.


O público consumidor tem que ser informado desse tipo de irregularidade porque as pessoas fazem opções por preços mais baixos e acabam tendo prejuízos futuros”, alertou Santanna.

“A nossa meta é de que, em quatro ou cinco anos, as falsas empresas desapareçam do mercado. Aliás, elas são formatadas para serem extintas sem honrar os sinistros (compromissos)”, explicou.


Ele lembrou que até grupos estrangeiros estão operando no Brasil sem seguir as regras locais e não pagam os prêmios e indenizações devidos aos clientes.

Riscos da descrença
O setor de seguros é considerado estratégico pelo governo por ser uma das principais fontes de formação de poupança do país.

Um dinheiro que irá financiar obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da Copa do Mundo e das Olimpíadas.
Pode ser usado ainda para impulsionar o crédito imobiliário.


O maior temor da Fazenda é de que a pirataria acabe com a credibilidade das empresas sérias e o brasileiro deixe de usar o serviço por receio de cair em armadilhas.

O poderio econômico do segmento é tamanho que, apenas em 2010, arrecadou R$ 183,8 bilhões, equivalente a 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de todas as riquezas do país).


Somente as provisões para ressarcir os clientes somaram R$ 90,4 bilhões no ano passado, um montante que cresceu 13,18%, se comparado a 2009.

O advogado José Carlos Mattos, de São Paulo, defendeu uma cliente lesada por uma corretora norte-americana, que atuava que forma irregular no mercado brasileiro. Depois de um ano e meio, a causa foi vencida na Justiça dos Estados Unidos.

A consumidora recebeu indenização de US$ 300 mil referente a um seguro de vida. “Essa corretora atuava ilegalmente no Brasil e continua atuando. Os corretores são brasileiros e vendem seguros de empresas de outros países. Quem procura um seguro é mal informado e precisa ser alertado sobre esse tipo de situação”, afirmou o profissional, que optou por não revelar os nomes da cliente e da corretora.

Atualmente, segundo estimativa da Susep, as estrangeiras ilegais faturam R$ 60 milhões por ano no país.


O seguro pirata vem crescendo e não se consegue medir a dimensão exata dele. No caso da chamada proteção veicular, 500 mil carros estão vinculados a contratos irregulares”, disse Renato Bita, superintendente da Central de Serviços da Confederação Nacional das Empresas de Seguros (CNSeg).

O consumidor precisa ficar atento. Sempre que contratar um serviço, tem que exigir uma apólice de seguros de uma companhia credenciada pela Susep”, afirmou.

Segundo ele, é preciso um cuidado redobrado porque as empresas irregulares copiam a documentação e entregam papéis muito parecidos com uma apólice legal, mas que não garantem nada


Para cumprir a determinação de Mantega, Santanna dividirá o setor de fiscalização da Susep em áreas especializadas. Cada uma atuará nos ramos de seguros.
Ele também pretende estimular a criação de um órgão auto-regulador do sistema, semelhante à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), responsável pela fiscalização do mercado de capitais.


Há segmentos de seguros que não têm recebido a devida atenção. Um dos motivos é que a Susep conta com um número insuficiente de servidores fiscalizar”, afirmou.

Máfia do caixão
Funerárias em todo o Brasil têm operado como seguradoras. Sem regulamentação ou contrato, vendem o auxílio funeral ou planos mútuos, uma espécie de seguro que cobre os gastos do velório e do enterro.

Entretanto, são inúmeros os casos de empresas que se negam a atender as famílias do cliente quando surge a necessidade dos serviços.
Algumas, principalmente em cidades do interior do país, deixam de existir depois de arrecadar um valor considerável dos consumidores.


Em todo o Brasil são mais de 25 milhões de pessoas que usam o serviço.
Em vez de formarem poupança para entregar o que prometem, muitos empresários compram carros ou casas e dão sucessivos golpes.

Fonte: Correio Braziliense