"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

novembro 12, 2014

Faz de Contas

A gestão das contas públicas brasileiras virou conto da carochinha. Depois de anos de manipulações, maquiagens e "pedaladas", o governo Dilma se superou e agora fabricou o rombo que vira superávit fiscal. Com esta gente, a criatividade não tem limites.

Há tempo, especialistas vêm alertando que as contas públicas estão em completo descontrole. O governo nega, assim como fez a candidata oficial durante toda a campanha presidencial. Mas a verdade acaba de vir à tona, com a revisão das metas fiscais de 2014 proposta ontem pelo Executivo.

A flexibilização agora inclui a possibilidade de descontar da meta fiscal todos os gastos com o PAC e todas as desonerações tributárias - que, só até outubro, somaram R$ 130 bilhões. Com isso, o governo pode não poupar um centavo sequer dos R$ 116 bilhões que se dispôs a alcançar neste ano. Na realidade, vai poder registrar déficit e considerar que produziu superávit. Haja criatividade.

As contas públicas estão em frangalhos, apesar de a ministra Miriam Belchior considerar a situação "bastante confortável". Em setembro, as contas do governo federal fecharam com rombo de R$ 20,4 bilhões. Foi o quinto déficit seguido e o pior de toda a história.

Tudo indica que 2014 deve marcar o registro do primeiro déficit desde 1997, já que nos nove primeiros meses do ano o rombo já supera R$ 15,7 bilhões. A questão de fundo, que o governo tenta escamotear, é o forte aumento das despesas, que cresceram nos últimos quatro anos tanto quanto nos 12 anos anteriores, segundo Mansueto Almeida.

Aos poucos, a gestão Dilma Rousseff vai enterrando todos os pilares que fizeram com que a economia brasileira se reorganizasse e o país pudesse prosperar. O compromisso com o controle da inflação já vem sendo comprometido. Agora é a vez da implosão fiscal.

Na prática, a presidente está rasgando uma das leis que mais contribuiu para avanços institucionais e para o resgate da confiança de investidores no Brasil: a de Responsabilidade Fiscal. Editada em 2000, traça metas e define punições para administradores irresponsáveis, mas, com sua criatividade, o PT a está transformando em letra morta.

É incrível que o governo mexa nas metas fiscais faltando 50 dias para terminar o ano. Mas não se trata de ato isolado. Desde 2012, a criatividade come solta na contabilidade oficial. Instituições como Caixa e Banco do Brasil, por exemplo, estão levando beiço do Tesouro e acumulam passivos bilionários.

A perspectiva futura não é boa. Os parâmetros usados para elaborar as diretrizes orçamentárias de 2015 são de um irrealismo que beira a ficção. O governo acha que merece um cheque em branco para sacar a descoberto. Mas a verdade é que não tem mais crédito na praça para fazer jus a qualquer voto de confiança.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

"GUVERNU NOVU" DÚVIDAS NOVAS OU : O tamanho do problema – 2

Nesta última terça-feira tivemos dois fatos que mostram muito bem o tamanho da encrenca do governo com uma ala do PT e a dificuldade de sinalizar de forma clara como recuperará o superávit primário.

O primeiro grande fato desta terça-feira foi a forma que se deu a saída da ministra Marta Suplicy do ministério da cultura que, na sua carta de demissão, falou de forma muito clara que a presidente Dilma não pode mais continuar errando na escolha de sua equipe econômica e que deve deixar de ser a ministra da fazenda. A senadora Marta Suplicy falou que:

“Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país. Isto é o que hoje o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera.”

Este trecho da carta de demissão mostra muito bem a pressão que parte do PT e o próprio presidente Lula estão fazendo na presidente. A presidente Dilma agora corre o risco de tomar medidas duras que, para o PT, seria uma situação de win-win. Se houver um forte ajuste e o crescimento voltar ainda no final do governo Dilma, o PT pode ser competitivo em 2018 com ou sem Lula.

Mas se o ajuste vier e o crescimento não chegar tão rápido, o PT poderá ainda sacrificar a presidente Dilma acusando-a de medidas duras contra as bandeiras históricas do partido e que, com Lula (depois de quatro anos de ajuste), o partido iria resgatar os seus compromissos históricos. Dilma sairia odiada pelo povo, que não gosta de ajuste, mas sim de crescimento e não dá bolas para causalidade. Mas uma Dilma reformista mesmo com baixo crescimento poderia salvar o próximo governo, quem quer que seja o presidente pós-Dilma. Mas sem ajuste algum, não há cenário positivo para o PT, em 2018.

O segundo fato inusitado desta terça feira foi o pronunciamento na comissão mista de orçamento da ministra do planejamento Miriam Belchior. 
Na ultima semana, a presidente da República e o seu futuro ex-minstro da fazenda falaram que o governo teria que adotar medidas de austeridade e até citaram as medidas preferidas do economista Nelson Barbosa: 
corte do seguro desemprego e abono salarial, reforma do sistema de pensões, controle do auxilio doença e redução dos subsídios financeiros (aumento da TJLP).

Mas logo hoje que o governo mandou um projeto maluco (veja minha análise desta quarta-feira no Estado de São Paulo e minha entrevista à rádio Jovem Pan) que é um cheque em branco para descontar mais de R$ 100 bilhões da meta do primário e que, assim, permite que o setor público tenha um déficit primário e o chame de superávit, a ministra do planejamento Miriam Belchior teve a coragem de dizer no Congresso que a situação fiscal do Brasil é confortável. Acho que de fato é “muito confortável” em relação ao Brasil da década de 1980.

Se é confortável, porque então promover o estelionato eleitoral que o governo já vem anunciando antes mesmo da nomeação do novo ministro e da nova (ou velha) equipe econômica? se é confortável porque o governo pediu aumento dos descontos para cumprir a meta reduzida de 1,9% do PIB?

Ademais, o governo continua cometendo os mesmo erros e agora insiste em trabalhar com uma expectativa de crescimento da economia no próximo ano que é três vezes superior (3%) à expectativa de crescimento do mercado (1% com viés de baixa). Ao invés de começar a desarmar a bomba relógio fiscal, ainda há pessoas no governo que acreditam que “a fada madrinha da cinderela” resolverá nossos problemas com um feitiço para aumentar a confiança dos empresários.

Acho que as mudanças na área econômica precisam acontecer rapidamente e não apenas no ministério da fazenda, mas também no do planejamento. Até a senadora do PT Marta Suplicy sabe disso. Mas será que a presidente reconhece essa necessidade? governo novo, dúvidas novas.

Recebido do : 
 Blog do Mansueto Almeida

E que postes!


Encerrado o último ato do drama eleitoral, diante da Nação dividida descortinam-se dois cenários:
 para os petistas, estamos no melhor dos mundos, como diria dr. Pangloss, o imortal personagem de Voltaire em Cândido, o Otimista. 

Para os vencidos, o panorama é outro: 
a crise é geral e profunda. Mas o governo, enquanto puder enganar, se recusará a reconhecê-la em nome de uma política surrealista que, como escreveu Giulio Carlo Argan, "é a maneira de iludir a realidade dos problemas, mediante a ambiguidade e o paradoxo".

Em tediosos debates televisionados, a presidente Dilma Rousseff tentou mostrar o Brasil feliz e sem problemas, semelhante ao jardim do Éden, onde tudo se passaria de maneira ideal, não havendo pecado. A oposição, reduzida no segundo turno à figura de Aécio Neves, em momento algum foi incisiva. Deixando de lado o episódio dispensável da acusação de leviana, do qual prontamente se arrependeu, não demonstrou vigor para ganhar apoio de alienados e indecisos. 

Sobre o programa Bolsa Família, a mais desavergonhada de todas as modalidades de corrupção jamais praticadas, Aécio limitou-se a dizer que o apoiava e iria aperfeiçoá-lo.

O resultado do pleito revela, todavia, que o Partido dos Trabalhadores (PT) deixou de ser hegemônico, que é possível derrotá-lo, que o País se encontra exausto após 12 anos de mandarinato petista. Mostrou que mero ensaio de contestação bastou para abalar as estruturas do poder. E isso porque o Brasil que labuta de sol a sol voltou a entrar em recessão, observa o recrudescimento da inflação e percebe a aceleração do desemprego.

Estão à mesa os ingredientes necessários para que novamente conheçamos períodos de instabilidade. A insensata manobra de jogar pobres contra a classe média rachou a sociedade, e a primeira de todas as necessidades consiste no esforço pela reconciliação.

A presidente Dilma e seus conselheiros devem compenetrar-se de que vencer é apenas o último ato do momento eleitoral; no próximo mês de janeiro teremos a abertura de nova temporada. 

Resta apurar se assistiremos, como plateia,
 a tragédias, 
comédias, 
tragicomédias,
 dramas, 
melodramas, 
farsas, 
espetáculos de marionetes ou fantoches.

A quem não comunga com as ideias e práticas do petismo cabe a tarefa de se organizar ou reorganizar em partidos atuantes, combativos, incansáveis. Não se deve insistir nos erros cometidos desde o fim do regime militar, quando se iniciou a decadência do velho PMDB, seduzido e envolvido pelo emaranhado de fios desencapados em que se converteu a política dominada pelo fisiologismo, e do qual não se salvaram tradicionais siglas oposicionistas.

Reconhecida a vitória de Dilma Rousseff pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), inócua e ridícula a proposta de auditoria da votação. A presidente venceu e Aécio Neves foi derrotado; caiu com valentia e honra, não tendo motivos para se envergonhar, e bater em retirada. Disputou em desigualdade de condições e com apoios rarefeitos dentro das suas fileiras, mas não deve depreciar-se. É necessário, porém, reconhecer que a diferença de 3,5 milhões de sufrágios não pode ser creditada à manipulação das urnas eletrônicas, ou a outro expediente ilícito. Ganhou o PT. Assim como para governos estaduais, Câmara dos Deputados e Senado Federal, a vitória nem sempre sorri para os mais bem qualificados.

Já afirmava o sábio padre Antonio Vieira, no Sermão da Epifania: 
"Dizem que os que governam são o espelho da república; não é assim, senão o contrário, a república é o espelho dos que a governam". De uma forma ou de outra, o governo é o reflexo da sociedade. No passado, em outras eleições, ocorreu semelhante fenômeno, pois na América Latina a derrota do demagogo só consegue demagogo maior. Não disse Ruy Barbosa na Oração aos Moços:
 "Se o povo é analfabeto, só os ignorantes estarão em termos de o governar. Nação de analfabetos, governo de analfabetos"?

A caudalosa torrente de escândalos ocorridos durante o mandato da presidente Dilma, entre os quais o da Petrobrás, por ora, o maior, indica que a Nação, além de analfabetos e iletrados, possui assustador número de corruptos, identificados e desconhecidos, investigados e por investigar, processados e por processar e - milagre dos milagres - alguns poucos condenados e encarcerados.

De nada adianta chorar pelo leite derramado. Assim como se deve organizar para impedir que venhamos a sofrer golpe branco, na forma de plebiscito destinado a validar a convocação de nova Assembleia Nacional Constituinte, é inadiável que a oposição se mobilize para cumprir o papel que o Brasil lhe reserva nos próximos quatro anos: 
travar incessante e aguerrida luta contra o petismo.

Quatro anos, entremeados pelas próximas eleições municipais, se passarão num piscar de olhos. O PSDB sempre foi reticente em atitudes e raquítico em militantes voluntários. Caracteriza-se como partido de intelectuais desacostumados ao contacto permanente com as massas. 
Sem elas, entretanto, jamais terá chances de vencer.

Urge planejar as próximas campanhas, em todo o País. 

Em 2016 o tucanato será testado. Nesta última eleição presidencial foi derrotado porque lhe faltaram líderes populares, organização, propostas convincentes e, é óbvio, apoio popular. Se pretende vir a ser vitorioso, procure decifrar o enigma norte-nordestino. Política é para profissionais habilitados. Como registrou Edward Hallet Carr: 

prática, não teoria; treinamento burocrático, não brilhantismo intelectual.

Desconheço faculdade melhor de política do que o movimento sindical. Ali o aluno é graduado, pós-graduado e doutorado. Ali se aprende, praticando, como conquistar e se manter no poder. Que o diga Lula, que confirmou ser capaz de eleger postes. E que postes!

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO É ADVOGADO, FOI MINISTRO DO TRABALHO E PRESIDENTE DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO (TST)