"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 21, 2011

IMPRENSA E POLÍTICA. O QUE ELES TEMEM É A DESMISTIFICAÇÃO. QUEREM A OBSCURIDADE.


O governador do Rio Grande do Sul e ex-ministro da Justiça de Lula, Tarso Genro, manifestou desconforto com o trabalho da imprensa.

Na contramão do discurso da presidente Dilma Rousseff, defensora dos jornais, "mesmo quando são irritantes, mesmo quando nos afetam, mesmo quando nos atingem", o governador gaúcho vislumbra riscos para a democracia subjacentes ao empenho investigativo dos jornais.

Em artigo na Folha de S.Paulo, Tarso Genro aponta o perigo representado pela imprensa:
"É visível que existe, em grande parte da mídia, também uma campanha contra a política e os políticos, o que, no fundo, é, independentemente do objetivo de alguns jornalistas, também uma campanha contra a democracia".

O comentário do governador, em sintonia com a linha mais autoritária de seu partido, o PT, é injusto e infeliz.
Não é o jornalismo investigativo que conspira contra a democracia.
É a corrupção endêmica e impune.
É o pragmatismo aético.

É a "governabilidade" que justifica alianças que fariam corar até mesmo representantes de facções.


O fisiologismo político é responsável por alianças que são monumentos erguidos à incoerência e ao cinismo. Quando víamos Lula, José Sarney, Fernando Collor e Renan Calheiros, só para citar exemplos mais vistosos, abraçados e congraçados, no mesmo palanque, pairava no ar a pergunta óbvia:
o que une firmemente aqueles que estiveram em campos tão opostos? A "governabilidade", dirão alguns.
Na verdade, interesse. Só interesse.

Os fisiologistas têm carta-branca para gozar as benesses do poder.
Os ideológicos, cúmplices ou lenientes com o apetite dos fisiológicos, recebem deles o passaporte parlamentar para avançar no seu projeto de poder.


Tarso escolheu um momento ruim para investir contra a imprensa, pois recentemente se tornou público um vídeo em que a deputada federal Jaqueline Roriz (PMN-DF) aparece recebendo um maço de dinheiro das mãos do delator do mensalão do DEM, Durval Barbosa.

Barbosa, recorda o jornalista Fernão Mesquita, "é o pivô do "mensalão do DEM", aquele no qual tombou sob o fogo das lentes indiscretas da Polícia Federal lulista o governador José Roberto Arruda, em manobra arquitetada para mostrar que isto de "mensalões" não é exclusividade do PT e, assim, animar as "excelências" a aprovar, em unanimidade suprapartidária, uma saída de emergência para "mensaleiros" pegos em flagrante escaparem da cassação".

Foi rigorosamente o que aconteceu.
A nova legislação é uma bofetada na cidadania.
Diz pura e simplesmente:
quem roubar em cargo público só pode ser punido por malfeito flagrado no mandato em exercício.
Ficam impunes as roubalheiras praticadas em mandatos anteriores.

(...)
É isso que cabe à imprensa. Mostrar o que sonegam.
Desnudar o verdadeiro substrato dessa sucessão interminável de escândalos.


É um erro, um grave equívoco, minimizar a gravidade da corrupção.
O Brasil está bombando.
O desenvolvimento absolve todos os pecados.
O crescimento da economia é uma viseira que impede um olhar mais profundo sobre o País que queremos construir.
O custo humano e social da corrupção é assustador.
A dinheirama que desaparece no ralo da corrupção é uma tremenda injustiça e um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República.


A corrupção, independentemente do seu colorido partidário, precisa ser duramente combatida.
É ela que empurra a juventude desempregada para o consumo e o tráfico de drogas. É ela que abandona os idosos que são maltratados nas filas de uma saúde pública de baixíssimo nível.
Saúde para todos. Maravilha. Mas que tipo de saúde?
Educação para todos. Formidável. Mas que tipo de educação?
O Brasil é VIP na economia, mas é o único entre os emergentes sem universidades top de linha.
É o que mostra o novo ranking divulgado pela Times Higher Education (THE), a principal referência no campo das avaliações de universidades no mundo.


A um projeto autoritário de poder o que menos interessa é gente educada, gente que pense criticamente.
Multiplicam-se universidades, mas não se formam cidadãos:
homens e mulheres livres, bem formados, capazes de desenvolver seu próprio pensamento, conscientes de seus direitos e de seus deveres.


O Brasil pode morrer na praia de uma economia florescente, mas sem um projeto sério de educação. Só a educação de qualidade será capaz de preparar o Brasil para o grande salto. Deixarmos de ser um país exportador de commodities para entrar, efetivamente, no campo da produção de bens industrializados.

Para isso, no entanto, é preciso o acicate de uma imprensa independente e que vá além dos episódios pontuais.
Uma imprensa desmistificadora de relatórios oficiais.
Um jornalismo capaz de fazer a correta leitura de números, estatísticas e documentos.
Impõe-se a prática de um jornalismo que não se vista com as lantejoulas do último escândalo denunciado, mas que saiba o que está no fundo da impunidade.


O governador Tarso Genro está equivocado.
A imprensa não ameaça a democracia.
O que, de fato, compromete a democracia é a banda podre da política brasileira.

Carlos Alberto Di Franco O Estado de S. Paulo

“o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”(lord Acton).

A teoria do inglês lord Acton (1834-1902), segundo a qual “o poder tende a corromper e o poder absoluto corrompe absolutamente”, foi simplificada por José Saramago, em seu livro póstumo,

As palavras de Saramago:
“O poder não precisa ser absoluto para corromper absolutamente”.

Acton é o passado.
Saramago viveu 2009, ano de escândalos financeiros nos EUA, entre os quais, sem falar dos bancos, o do especulador trapaceiro que roubou bilhões de dólares dos investidores, prometendo-lhes que ficariam fantasticamente ricos, em pouco tempo.


Nesse entretempo, o trapaceiro foi condenado a dois séculos de prisão. A legislação penal americana — ao contrário da brasileira, mais leniente na punição do crime, cuja pena máxima é de 30 anos — não permite saídas natalinas da prisão, por bom comportamento, nem dá outras regalias aos prisioneiros. Eis uma diferença entre duas democracias: Brasil e EUA.

Dir-se-ia que nossa legislação penal foi feita por traficantes de drogas, criminosos de colarinho branco ou bandidos ricos. A ideia de que o crime não compensa, hoje, é mentirosa no país.
O número de criminosos soltos é espantoso.
O grupo de 40 pessoas, que o Ministério Público chamou de quadrilha do mensalão, até hoje não foi julgado.


Não se trata de promover uma raivosa caça às bruxas, nem de endurecer as leis penais especialmente para essa gente, mas de cumprir a legislação em vigor, sem truques que soltem a bandidagem facilmente.

Sob esse aspecto, é importante pôr o Brasil nos trilhos do direito, para que brasileiro algum, respeitador da lei penal, não se arrependa, um dia, de sê-lo.

O povo propôs e aprovou a Lei da Ficha Limpa na política. Por certo, ele faria o mesmo para acabar com o que lhe parece exagero de tolerância, nas violações cotidianas dos limites legais e não só da lei penal.
Da mesma forma, ele não hesitaria em fazer uma grande marcha nacional, rumo ao ponto em que o Brasil, no plano ético, passasse da barbárie à civilização.

Essa arrancada civilizatória é a meta que qualquer governo democrático busca alcançar ou se empenha em manter.
Tentar esses mares, antes que um tsunami os revolva, não é fantasia.

Rubem Azevedo Lima Correio Braziliense
Poder absoluto e tsunami