"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

dezembro 19, 2011

A ENTREVISTA DA "NADA E COISA NENHUMA" NO AUGE DA SUA DELIRANTE HIPOCRISIA.

Dilma Rousseff reuniu a imprensa na sexta-feira para apresentar um balanço de seu primeiro ano de gestão. Com pouco mais de uma hora de duração, a entrevista versou sobre um governo que não existe.

A presidente falou como se não ocupasse o cargo mais importante da República há quase um ano. É um cacoete típico do PT desde que chegou o poder: nunca se coloca como quem é (ou deveria ser) o responsável por dar respostas aos principais problemas do país. Fica muito mais cômodo assim...

Dilma falou dos casos de corrupção em série revelados nos últimos meses como quem trata de um incidente em Marte. Quando confrontada com episódios concretos, como as denúncias de tráfico de influência praticado por parte de Fernando Pimentel, limitou-se a responder que "não tem nada a ver com meu governo".

Sobre o loteamento de cargos e o engalfinhamento a olhos vistos de aliados pelo butim, como o que ora envolve PT e PMDB na Caixa, disse que, "cada vez mais", vai exigir "que nenhum partido político interfira nas relações internas do governo". O que se viu até agora, porém, foram os comensais deitando e rolando.

E apresentou a cereja do bolo da entrevista:
"O meu governo não tem nenhum compromisso com qualquer prática inadequada, de malfeito, de corrupção dentro do governo. Nenhum. É zero. Tolerância zero".

É mais ou menos a frase que ela dissera ao tomar posse, mas, depois de um ano de falcatruas em série, como prestação de contas soa falsa como nota de três reais.


Todos os seis ministros de Dilma demitidos por envolvimento em suspeitas de corrupção e malversação de dinheiro público só caíram depois de a imprensa muito denunciar.

A postura da presidente sempre foi a de desqualificar as acusações, tentar esfriá-las e ir ao limite da resistência em fazer o que se espera de um governante em situações desta natureza.


Se dependesse da "tolerância zero" de Dilma, Antonio Palocci ainda estaria dando expediente no Palácio do Planalto, atendendo seus velhos amigos e clientes amealhados na mais próspera consultoria que se tem notícia na história do país.

Afinal, segundo a própria presidente na entrevista de sexta, ele só deixou o cargo de ministro-chefe da Casa Civil porque "quis sair".


Também Alfredo Nascimento estaria mandado e desmandando no Ministério dos Transportes, superfaturando obras viárias que até hoje continuam a relutar em sair do papel. Entre uma viagem e outra a bordo de jatinhos emprestados, Wagner Rossi continuaria na Agricultura dando guarida a lobistas que manipulam leilões de comida.

A depender do "nenhum compromisso [de Dilma] com qualquer prática inadequada, de malfeito, de corrupção dentro do governo", a esta hora Pedro Novais estaria fechando mais uma fornada de emendas para engordar o Orçamento e permitir que o Ministério do Turismo continuasse a irrigar o interesse dos partidos aliados do Oiapoque ao Chuí.

Entre um convescote da UNE e outro, Orlando Silva estaria mandando ver nos convênios que transformaram ações em prol do esporte brasileiro em caça-níqueis e fonte de renda para antigos comunistas.

E Carlos Lupi estaria assinando mais alguma autorização para criar mais um sindicato-fantasma ou pensando em como ocupar algum cargo público sem trabalhar.


É compreensível que governantes tentem negar deslizes que comentem no poder ou prefiram se esquivar de responsabilidades espinhosas e incômodas. Mas - principalmente quando dispõem de alta popularidade - é de se esperar que, ao invés de tentar dourar pílulas, partam para enfrentar os problemas.

Na última sexta-feira, Dilma Rousseff gastou tempo precioso de trabalho para produzir mistificações. Deveria começar a pensar, urgentemente, em assumir o governo.

Sua declaração de princípios dada aos jornalistas pode ser um bom roteiro para quando, finalmente, decidir passar a ocupar o cargo para o qual foi eleita pelos brasileiros.


A entrevista imaginária de Dilma
Fonte: Instituto Teotônio Vilela

A 'marola' da crise já chegou às nossas praias


A marcha da economia brasileira neste momento indica duas coisas:
1) ela está na banguela e vai despencando;
2) ela já esteve na banguela e anda devagar porque chegou numa rampa, lotada de encargos.

As duas coisas podem ser verdadeiras.

Os números são adversos.
O chamado "PIB do BC" - na prática uma avaliação mensal do andamento do Produto Interno Bruto feita pelo Banco Central e que, projetada, ajuda a estimar o PIB do ano - registrou retração de 0,32% no mês de outubro, em comparação com setembro, pior do que muitos economistas previam.

O fato foi logo atribuído à "crise internacional" por vários comentaristas, mas, na verdade, o gráfico do PIB do BC mostra que ele já vinha caindo, depois de ter alcançado um pico antes do início do segundo semestre.

A queda de outubro apenas foi mais dramática.
E, em virtude dela, a Confederação Nacional da Indústria (CNI), que apostava num crescimento de 3% do PIB em 2011, já cortou sua previsão para 2,8%.

Do alto das minhas humildes sandálias, ouso ir além, ou seja, abaixo: o PIB de 2011, acredito, não deve superar os 2%.
Palpite que só poderá ser confirmado, na melhor das hipóteses, no final do primeiro trimestre de 2012, dado o proverbial atraso das aferições estatísticas confiáveis no Brasil (estão melhorando, estão melhorando!).

Bem, o que está acontecendo na prática é que a economia brasileira parece que hoje em dia está mais "em fase" - como se diz - com a economia internacional, o que não ocorreu na crise de 2008-2009.

Naquela época, houve uma defasagem que permitiu ao nosso guia genial dizer, como todos se lembram, que o que se passava na economia internacional era apenas uma "marolinha" que o Brasil não precisava temer.

Ao perceber que o País teria muito a temer, e que não se tratava de "marolinha", o grande gênio pediu que se improvisassem medidas anticíclicas, que de fato levaram a economia brasileira para fora do desastre.

Mas a diferença principal daquela crise, em relação à atual, é que ela era eminentemente bancária, provocada por excesso de facilitário creditício e inchaço da inadimplência - ou seja, afetava principalmente o setor bancário privado norte-americano.

Nada que o Tesouro ianque não pudesse resolver com gordas injeções de liquidez, como, aliás, acabou fazendo.

A crise de hoje é diferente. Em primeiro lugar, é "soberana" - para usar esse modismo que esconde que se trata de crise das finanças de vários governos europeus e é resultado, fundamentalmente, da ação de governantes ineptos, demagógicos e covardes, assediados sempre por um sindicalismo altamente predador, tanto do lado patronal quanto do lado do trabalhador.

Aliás, chamar, hoje em dia, de "trabalhador" um europeu com carteira assinada e sindicalizado é quase cuspir na cara dos trabalhadores do resto do mundo.

A grande maioria desfruta de momentos de conversação amena nos locais de trabalho, vigiando a massa de imigrantes não sindicalizados que de fato trabalham.

Os déficits e dívidas monstruosos de vários governos europeus são o que se poderia esperar da falta de competência e coragem - na Grécia, na Espanha, em Portugal, na Itália e onde mais - de resistir aos vorazes comensais das pizzas orçamentárias: aposentados; funcionários públicos; assalariados de empresas públicas; mutuários e beneficiários de benesses governamentais especiais criadas pelos mais diversos títulos; máfias de empreiteiros e de empresas de equipamentos militares; bancos de investimento - enfim, a imensa clientela dos orçamentos públicos (sem esquecer, é claro, dos corruptos de diversos calibres).

Os governos da Europa que 50 anos atrás eram padrão mundial de higidez financeira e fiscal se transformaram na cornucópia de uma derrama praticamente sem limites a desafiar qualquer cálculo atuarial.

A ponto de não poder saber por onde começar para consertar alguma coisa. E a moeda única, o euro, ainda por cima opera como uma espécie de vírus disseminador do quebra-cabeças.

Se juntarmos à desordem financeira a crise maior, que é a da liderança política europeia atual, em que nenhum dos fantoches em movimento exibe o menor perfil do que antigamente se chamava de estadista - e mais se parecem, todos, com anões de jardim -, é fácil prever que essa crise terá longuíssima duração, e nada garante que não se aprofunde ainda mais.

Voltemos ao Brasil.

A população está satisfeita porque está podendo consumir mais e viver melhor. O governo está satisfeito porque está arrecadando mais e dispõe de um colchão de reservas cambiais e bancárias para usar em caso de baque na economia.

O empresariado está menos otimista do que quando o ano começou, mas ainda aposta em melhorias. Os políticos cuidam da sua especialidade, que consiste em encher os bolsos e a paciência do público.

Mas a queda do PIB de outubro foi um sinal de que a "marola" está chegando às nossas praias e em 2012 a economia brasileira enfrentará muito mais rampa.

Marco Antonio Rocha O Estado de S. Paulo