"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 05, 2014

TÁ NO FINANCIAL TIMES : A olímpica tristeza da Copa no Brasil

O jornal britânico "Financial Times" comparou a presidente Dilma Rousseff aos irmãos Marx em editorial publicado ontem. Com suas trapalhadas, o grupo de comediantes americanos fez sucesso no teatro, no cinema e na TV a partir da década de 1920.

Entre as "trapalhadas" de Dilma, o diário financeiro cita os preparativos para a Copa do Mundo e a Olimpíada, o risco de desabastecimento de energia e a deterioração do cenário econômico.

O editorial :

Pobre Dilma Rousseff. A presidente do Brasil projeta a tediosa aura de eficiência de Angela Merkel, mas fala como se fosse os irmãos Marx.

O atraso nos preparativos para a Copa do Mundo já causou embaraços ao país, enquanto os da Olimpíada de 2016 são "os piores" já vistos pelo Comitê Olímpico Internacional (COI).

A economia também está em queda. O Brasil, até recentemente o queridinho dos mercados, caiu em desfavor junto aos investidores. O país precisa de um choque de credibilidade. Se Rousseff não conseguir promovê-lo, a eleição presidencial de outubro o fará.

O governo dela enfrenta três desafios imediatos. O primeiro é o escândalo de corrupção na Petrobras. Em 2006, a estatal de petróleo pagou um total de US$ 1,3 bilhão por uma refinaria no Texas que a empresa vendedora havia adquirido por apenas US$ 42,5 milhões um ano antes. Já que Rousseff era, então, presidente da Petrobras, a transação prejudica sua suposta reputação como gestora capacitada, competente para dirigir o país.

O segundo é o crescente risco de escassez de energia. A rede elétrica do Brasil funciona essencialmente com energia hidrelétrica, e as turbinas acionadas por combustível, cuja operação é mais cara, só são ativadas em caso de necessidade.

O problema é que uma seca prolongada drenou muitas das represas brasileiras, em um período no qual o governo está subsidiando a eletricidade a fim de elevar o consumo. Como resultado, a rede está operando em plena capacidade, mas apenas graças ao uso dos geradores mais dispendiosos.

Há verdadeiro risco de blecaute. 
Porque Rousseff foi ministra da Energia, isso prejudica ainda mais sua imagem como tecnocrata.

COPA DO MUNDO

Nenhum desses problemas ressoou fortemente no eleitorado, até agora. 
Mas o terceiro, a Copa do Mundo, que começa dia 12 de junho, certamente pode fazê-lo.

A inquietação generalizada no ano passado diante do custo elevado do torneio, se comparado ao estado precário dos serviços públicos, causou tumultos com um milhão de manifestantes nas ruas ("queremos hospitais padrão Fifa, também", era um dos lemas ouvidos comumente nos protestos). Existe forte chance de novos protestos - talvez não em escala suficiente para estragar um evento que certamente será esplêndido, mas ainda assim eles serão vistos em todo mundo pelos milhões de pessoas que acompanharão a copa pela televisão.

Seria ainda pior para Rousseff se a seleção brasileira se sair mal. Os brasileiros podem perdoar os custos do torneio caso vençam, mas não se seu time não apresentar desempenho respeitável - chegando no mínimo às semifinais, digamos.

De outra forma, o custo e as perturbações causadas pelos jogos terão sido para nada. E pela metade de julho, quando o futebol acabar, a campanha presidencial estará ganhando força.

Os investidores e muitos brasileiros estão cada vez mais incomodados com esse estado de coisas. Ainda que Rousseff por enquanto seja a favorita para vencer a eleição de 5 de outubro, há gente até mesmo em seu partido que faz lobby para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja candidato em lugar dela. Rousseff é renomada por mais falar que ouvir, mas existem sinais de que está começando a considerar as críticas que recebe.

Na semana passada, ela elevou os pagamentos de bem-estar social e reduziu os impostos, a fim de estimular a economia. Boa ideia, mas o que o Brasil precisa são de políticas no supply side que reforcem a eficiência, e não de ainda mais medidas na ponta da procura que elevem a inflação já alta.

Contra isso, porém, existem rumores de que ela pode conceder independência formal ao banco central (originalmente uma ideia da oposição) em seu segundo mandato. Ela também pode promover o presidente do banco central, Alexandre Tombini, ao posto de seu desafortunado ministro da Fazenda, Guido Mantega. As duas coisas viriam bem.

Determinar se Rousseff, com seu jeito de Merkel e oratória dos irmãos Marx, é de fato a pessoa certa para recolocar o Brasil nos trilhos é assunto diferente.

Afinal, seu primeiro mandato foi uma decepção. 
Mas ao menos existem sinais de que os mercados políticos do país estão funcionando como deveriam, transmitindo preocupações crescentes e generalizadas. Isso agora começa a conduzir o debate político em uma direção simpática aos investidores. O que certamente é positivo.

Um governo para ricos

Desde Lula, os governos petistas têm sido uma mãe para os ricos. 
Eles contam com financiamentos em condições para lá de camaradas nos bancos oficiais, engordam seus investimentos com a mais alta taxa de juros do mundo e dispõem de desonerações tributárias negociadas nos balcões de Brasília. Aos pobres, sobra um dia a dia cada vez mais dificultado pela omissão do Estado e o papel de figurantes nas luxuosas propagandas do PT na TV.

Bastou as pesquisas de opinião confirmarem o esfacelamento da candidatura à reeleição da presidente Dilma Rousseff para o PT assacar suas armas de sempre. A estratégia é dividir o país entre nós e eles, entre ricos e pobres, entre patriotas e entreguistas. O difícil, porém, é saber onde exatamente os governos petistas se encaixam.

Se há quem tenha menos motivos para sentir-se insatisfeito com o Brasil atual são os mais ricos. Desde Lula, o governo tem sido uma mãe para eles: 
nunca ganharam tanto dinheiro, nunca receberam tratamento tão privilegiado nos balcões oficiais, nunca foram tão paparicados pela área econômica. 
Dilma manteve a escrita.

O Brasil é hoje a pátria dos rentistas. 
Paga as mais altas taxas de juros do mundo. 
Por esta razão, muito dinheiro de todos os cantos do globo tem vindo se locupletar aqui – e não é de pobres... Vale registrar: 
o governo brasileiro caminha para gastar 6% do PIB com juros da dívida neste ano, enquanto despende menos de 0,5% do PIB com o Bolsa Família.

O BNDES foi convertido num spa de grandes grupos empresariais, tratados a pão de ló com financiamentos à base de taxas de juros subsidiadas e inalcançáveis para a maioria dos mortais. Trata-se de estratégia que elevou a dívida pública bruta em nove pontos percentuais do PIB desde 2007 – ou alguma coisa como R$ 450 bilhões – sem que resultasse em qualquer benefício para os mais pobres.

A política de desonerações tributárias posta em marcha por Dilma também teve caráter discricionário e regressivo, ou seja, beneficiou os amigos do rei e da rainha, gente com poder de pressão suficiente para seduzir Brasília para seus pleitos. Será esta a “elite” que desgosta do PT, conforme disse Lula no encontro petista deste fim de semana? 
Não parece.

A massa da população continua pagando uma das mais altas cargas tributárias do mundo – e a que menos retorno rende aos cidadãos na forma de serviços públicos prestados. Insatisfeito, o governo acena com a possibilidade de aumentar ainda mais os tributos sobre bens de consumo, a fim de conseguir cumprir suas metas fiscais, como anunciou Guido Mantega a’O Globo no domingo. 
Será este o governo que cuida bem dos pobres?

Será o governo que supostamente cuida dos pobres o mesmo que não entrega atendimento público de qualidade na educação, que não zela pela saúde, que descumpre todas as suas promessas em termos de melhoria da qualidade do transporte público que subtrai horas preciosas da vida dos brasileiros todos os dias?

Será patriota o governo que reduz o patrimônio público a pó em estatais como a Petrobras, que ora produz escândalos demais e petróleo de menos, e a Eletrobrás, que gerou R$ 13 bilhões de prejuízo em dois anos? Ou que torra bilhões do dinheiro pago pelo contribuinte para cobrir rombos criados por iniciativas tomadas ao sabor de conveniências eleitorais?

Estratégias eleitorais tendem a ser simplistas, mas devem guardar proximidade com a realidade. O PT tem conseguido vencer eleições insuflando mitos, incutindo medo nos cidadãos e distorcendo a realidade. Cada vez mais, os eleitores dão mostra de que não engolem mais este engodo.

A realidade é que Dilma e os petistas fazem um governo que agrada os ricos e esfola a classe média. Um governo que se importa bastante em assegurar privilégios e em abrir espaços na máquina do Estado para seus apaniguados. 
E reserva aos pobres o papel de figurantes em suas luxuosas e bem produzidas propagandas na TV. Pobreza para o PT é só um meio de vencer eleição.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela