"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

janeiro 18, 2012

DA NADA E COISA NENHUMA : EM EQUIPE QUE ESTÁ ROUB..., DIGO, 'GANHANDO', MUDAR PRA QUÊ?

A reforma ministerial que a presidente Dilma Rousseff fará a partir da semana que vem com a transferência de Aloizio Mercadante (Ciência e Tecnologia) para a Educação vai se resumir a cinco mudanças pontuais.

A configuração política da Esplanada dos Ministérios e a chave do cofre serão mantidos tais como estão para evitar desconfianças no mercado e desequilíbrio na aliança de sustentação ao governo.

Guido Mantega, da Fazenda, fica onde está. Além da saída de Fernando Haddad da Educação, para disputar a Prefeitura de São Paulo, a presidente vai trocar o comando do Ministério das Cidades, sem tirá-lo do PP, devolver o Trabalho ao PDT e substituir Iriny Lopes (Secretaria das Mulheres), que deixa a pasta para concorrer à Prefeitura de Vitória.

"Farei apenas um ajuste na equipe. Reforma só existe na cabeça da imprensa", afirmou Dilma, ontem, a interlocutores.

A primeira nomeação será a de Mercadante, já anunciada pelo próprio petista. Para o lugar dele, na Ciência e Tecnologia, a presidente quer um técnico. O favorito é o atual presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Marco Antonio Raupp, sem filiação partidária.

Ele já presidiu a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). Dilma acha que o ministério está indo bem e que Raupp é o técnico que pode dar continuidade ao trabalho de Mercadante.

No Ministério das Cidades a presidente vai fazer uma troca mais por imposição do PP, do que por vontade própria. A rejeição ao ministro Mário Negromonte dentro do partido é tão grande que a presidente já foi avisada de que a bancada do PP na Câmara aceita até a volta do ex-ministro Márcio Fortes, nome da preferência de Dilma.

Os deputados gostariam mesmo é de ver o colega Márcio Reinaldo (MG) no lugar de Negromonte, que voltará à Câmara. Mas eles sabem que esse é um pleito mais difícil de ser atendido. Por isso, conformam-se com a escolha pessoal da presidente.

Ajustes.
Depois da saída ruidosa do presidente nacional do PDT, Carlos Lupi, do Trabalho, o ajuste na equipe é a oportunidade de reincorporar um indicado do partido no ministério, desde dezembro sob o comando do interino Paulo Roberto Pinto. Dilma decidiu que o novo ministro será pedetista. Os mais cotados são os dos deputados Vieira da Cunha (RS) e Brizola Neto (RJ).


A presença do nome do vice-presidente Michel Temer na agenda oficial de Dilma ontem pela manhã deu ao PMDB a certeza de que a conversa seria simbólica.

Uma deferência ao presidente licenciado do partido, para dizer que o PMDB sairá da minirreforma do mesmo tamanho que entrou.


No bastidor da cúpula peemedebista, a frase que resumiu o sentimento de todos é de autoria do Barão de Itararé:
"De onde menos se espera é que não sai nada mesmo".

O Estado de S. Paulo

O jeitinho brasileiro em sua plenitude : "É incabível que metade do orçamento público seja executado sem licitação."

O procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico, diz que o aumento das dispensas e inexigibilidades é "o jeitinho brasileiro empregado em sua plenitude".

Para ele, elaboram-se leis rigorosas, mas são deixadas brechas para que não sejam empregadas como deveriam.


"São os casos, por exemplo, da contratação de entidades teoricamente sem fins lucrativos, como ONGs, da contratação de profissionais por notória especialização, a maioria desconhecida, de gastos supostamente sigilosos e por aí afora", exemplifica.

Ele lamenta que as brechas na lei, colocadas "inocentemente" em dispositivos que tentam estabelecer padrões de moralidade aceitáveis na atividade administrativa, "corroem espírito das leis e só servem aos propósitos de gestores desonestos, nomeados sem critérios técnicos, e, infelizmente, cada vez mais numerosos".

Coordenador de cursos de Ciências Contábeis em São Paulo, Reginaldo Gonçalves explica que as exceções foram criadas para dar margem de manobra aos gestores públicos.

Num contexto em que a lei que prevê como serão feitas as despesas é aprovada meses antes do início do ano fiscal, as dispensas e inexigibilidades existem para casos imprevistos.


Como as "emergências" têm sido usadas de forma recorrente para, por exemplo, contratação de pessoal terceirizado, muitas vezes para burlar os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, o professor criticou o aumento nos gastos sem procedimento licitatório.

"O porcentual (48%) é alto. Infelizmente, a exceção pode estar virando regra." Além de uma fiscalização mais efetiva, Gonçalves diz que cabem alterações da lei para incluir mais exigências em caso de dispensar licitações.

"É incabível que metade do orçamento público seja executado sem licitação."

Estadão/ I.D. e F.F.

"A luta acabou, mas a oligarquia detém a força. "


O cinismo está em alta na República.

A organização não governamental (ONG) Contas Abertas fez uma descoberta estarrecedora:
o ministro da Integração Nacional, Fernando Bezerra Coelho, encaminhou para seu Estado de origem, Pernambuco, 90% das verbas disponíveis no orçamento para prevenir e socorrer catástrofes naturais.

Com destaque para Petrolina, seu curral eleitoral.
Diante da estupefação natural de qualquer brasileiro com massa encefálica disponível para uso no cérebro, o governador do Estado aquinhoado, Eduardo Campos, chefão nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) por herança do avô, Miguel Arraes de Alencar, atribuiu o abuso a absurdo maior:
as verbas federais caíram no seu colo porque os técnicos pernambucanos tiveram competência para produzir projetos que justificaram o dispêndio.

Se assim fosse, 90% da competência técnica da administração pública brasileira atuaria sob suas ordens. Não é uma gracinha? Ei, não me refiro a Sua Excelência, apelidado de Dudu Beleza, mas a sua conclusão estapafúrdia.

A bazófia foi repetida por personalidades ilustres:
o presidente nacional do PT, Rui Falcão, e o líder no Senado, Humberto Costa, também pernambucano, entre outros, chamaram a atenção para o fato de não pesar contra Coelho nenhuma acusação de malversação de recursos públicos.


Faltou-lhes o mínimo de intimidade com o vernáculo, pois, na verdade, diariamente os meios de comunicação noticiam evidências de "má administração" e "má gerência" do erário praticadas pelo comparsa defendido.

E esta é a primeira definição para malversação, dada pelo linguista Antonio Houaiss no dicionário que anda fazendo falta na mesa dos maiorais deste País.


A segunda definição, aí, sim, refere-se à "apropriação indébita de fundos", a velha e malfadada corrupção. Então, pernambucanos amigos, na flor do Lácio cultivada pelo caolho Luís de Camões, má gestão e corrupção habitam o mesmo verbete nos melhores dicionários.

O senador petista foi além ao acusar a denúncia de discriminatória. Seu Estado não estaria sendo criticado por ter ficado com quase toda a verba do ministério do bom filho que ama tanto seu torrão, mas por ficar no Nordeste.

Nordestinos ao desabrigo de mamatas e mutretas foram usados para justificá-las.

Tão absurdo quanto um Estado entre 27 abocanhar quase toda a verba destinada a prevenir ou reparar desastres causados por intempéries naturais foi constatar que a Nação tomou conhecimento do despautério pelo trabalho independente de uma ONG do bem - enfim, uma ONG do bem no noticiário.

Mas, meu Deus, que presidente da República é a sra. Dilma Rousseff se não dispõe de instrumentos de informação capazes de dar-lhe conta em tempo real de como um ministro que nomeou para cuidar de integrar a Nação entrega quase toda a verba disponível para acudir a famílias que tiveram todo o seu patrimônio carregado pelas enxurradas de verão para cevar a própria capitania partidária, na perfeita definição do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), parentes e afins.

A desfaçatez da justificativa técnica para o privilégio e a desculpa sórdida da discriminação regional, acompanhada de comentários estúpidos do gênero "ninguém amaldiçoou um Estado do Sudeste por isso", como se já tivesse sido registrado "antes na História deste país" (como diria o chefão de todos, Lula) algo sequer similar a tais despropósitos, manifestam um velho vezo de arrogância.

Essa arrogância tem origem na mentalidade oligárquica que prevalece na condução política brasileira desde que ela começou a existir.

A Coroa portuguesa inventou as capitanias hereditárias e, depois, apelou à força da imposição da língua da metrópole pelo marquês de Pombal para garantir seu domínio sobre rincões distantes de um território imenso e hostil.

Também para conservar a integridade territorial, incomum no subcontinente sul-americano, o Império distribuiu patentes de coronel da Guarda Nacional a latifundiários do interior.


Os militares que erigiram a República remexendo no lixo de destroços de nosso trono nativo absorveram o sistema de domínio recorrendo ao semifeudalismo que deu certo e entregando baraço e cutelo nos ermos da Pátria a oligarquias locais.

O mando dos Coelhos em Petrolina, depois estendido a Pernambuco inteiro, data da Primeira República, assentada nas bases do pacto do café com leite, que instituiu o rodízio de presidentes paulistas e mineiros até a Revolução de 1930, deflagrada para pôr fim ao poder oligárquico.

Só que, ao bel-prazer do caudilho Getúlio Vargas, esta fortaleceu as oligarquias substituindo os oligarcas.

A historiadora americana Linda Lewin constatou num estudo a sobrevivência oligárquica no Brasil ao ilustrar na saga da família Pessoa, de Umbuzeiro, na Paraíba, a sobrevivência às mudanças de regimes na sucessão dos governadores daquele Estado:
até publicá-lo, em 1975, todos os governadores paraibanos vinham de famílias com membros na primeira Constituinte do Brasil independente.

Os Pessoas, protagonistas da Revolução de 1930 e de Politics and Parentela in Paraíba, de Lewin, não mandam mais no País nem no Estado como no tempo de Epitácio e João. Mas os Coelhos confirmam que a força oligárquica descrita pela professora de Berkeley continua.
O clã sobreviveu ao destronamento das oligarquias pela Revolução de 1964 e ao projeto socialista do Partido dos Trabalhadores (PT) hoje.

E os Coelhos não estão sós:
o chefão socialista Eduardo Campos descende da família Alencar, de José, não o vice de Lula, mas o romancista de Iracema.

O que Dilma Rousseff tem com isso?
Afinal, ela pegou em armas para pôr fim aos velhos vícios patrimonialistas que sequestram o Estado brasileiro desde sempre.
E entrou no PT para "acabar com tudo o que está aí".
Mas serve aos oligarcas de antanho a pretexto de empregá-los em seu projeto de poder.

A luta acabou, mas a oligarquia detém a força.

José Nêumanne O Estado de S. Paulo

O SORRISO DO LAGARTO


Janeiro de 2013.
Sobe para 22 o número de mortos em Sapucaí, depois que o Corpo de Bombeiros conseguiu localizar mais dois moradores soterrados por um novo deslizamento de terra.

A chuva não dá trégua à região há 11 dias e agora são 87 as cidades em situação de emergência. Nova Friburgo, Teresópolis, Petrópolis, Sumidouro e São José do Rio Preto registram 14 mortos por soterramento e a equipe dos bombeiros prossegue as buscas por mais pessoas desaparecidas.

Notícias como essas foram escritas no passado, estão sendo editadas agora e poderão ainda ser lidas por longo tempo, enquanto as autoridades permanecerem à sombra da inércia das ações de prevenção e reconstrução de infraestruturas destruídas pelos temporais que se abatem sobre os estados das regiões fragilizadas pela ausência de iniciativas dos governantes.

A verdade é que não dá para aceitar facilmente a indiferença do poder diante de uma população sofrida, sem defesas, sem apoio do Estado, que ano a ano luta para melhorar suas vidas.

Não dá para aceitar facilmente ver a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, afirmar que o governo agiu em tempo hábil para minimizar os efeitos das inundações e deslizamentos de terra que derrubam casas — causam centenas de mortes e desabrigam milhares de pessoas.

Muito menos dá para engolir o sorriso cínico do ministro Fernando Bezerra Coelho, da Integração — em jornais e telejornais —, enquanto procura se defender do indefensável, por ser acusado de favorecer Pernambuco com verbas que poderiam ter sido aplicadas na construção de moradias dos habitantes que perderam suas casas em 2010 (ainda sem teto) e em obras de prevenção de desastres naturais.

Mas Bezerra aprendeu bem a lição de outros ministros que, antes de perderem o cargo por desonestidade, se escudaram na presidente Dilma, afirmando que agiram de acordo com o Planalto.

Não se tem certeza científica de que os lagartos riem, quando ensaiam um ataque ou se refestelam ao calor do sol sobre uma pedra. Mas reza a lenda que, no sorriso maléfico do lagarto, reside o símbolo da ironia, da indiferença, da maldade dos poderosos ante a fragilidade do outro.

Quem sabe, na próxima temporada de tragédias, o ministro Fernando Coelho não volte a sorrir nas primeiras páginas enquanto novas vítimas das chuvas de verão enterram seus mortos?

Carlos Tavares Correio Braziliense