"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

janeiro 30, 2012

NO PODER E NA VAGABUNDAGEM : Conselho a Cabral


Por pouco uma tragédia não surpreende o governador Sérgio Cabral fora do Estado ou do país. Cabral voou a Paris no dia 19, retornando no dia 24, véspera da queda de três prédios no centro do Rio. A pergunta que não quer calar: por que Cabral viaja tanto ao exterior? E por que a maioria de suas viagens quase sempre é cercada de mistério?

Não, Cabral não tem o dom de abortar tragédias com a sua simples presença. Dele não se cobraria tamanho prodígio. De resto, manual algum recomenda que o bom governante esteja sempre por perto quando ocorrer uma tragédia.

Ou que visite de imediato o local onde ainda há mortos e feridos.

Lula fazia questão de manter distância de desastres de qualquer porte. Não pôs os pés, por exemplo, em São Paulo quando ali se espatifou no dia 17 de julho de 2007 o Airbus A-320 da TAM, matando as 187 pessoas que transportava e mais 12 em solo.

Na ocasião, o Comandante da Aeronáutica foi a São Paulo representando Lula.

Eis a questão de fato mais relevante neste momento: em uma democracia, o cidadão tem o direito de saber o que fazem com o seu dinheiro recolhido por meio de impostos.

É uma fatia desse dinheiro que paga os frequentes deslocamentos de Cabral e de sua comitiva. Logo, tudo que tenha a ver com o assunto nos interessa. Ou deveria interessar.

Se Cabral viaja ou viajou de graça à custa de empresários amigos, isso também importa – e como! É direito de o cidadão conhecer todos os aspectos do comportamento dos seus governantes para poder avaliá-los e fazer suas escolhas.

O homem público não tem vida privada, sinto muito. Se quiser ter que abdique da condição de homem público.

A deputada Clarissa Garotinho (PR) pediu à Assembleia Legislativa do Rio que levantasse todas as informações pertinentes às viagens de Cabral. Queria saber quantas vezes ele viajou desde que se elegeu governador; na companhia de quem; se em voo comercial ou particular; e os custos de cada viagem.

O pedido da deputada foi recusado por Paulo Melo (PMDB), presidente da Assembléia e aliado de Cabral, sob o pretexto de que o assunto é da órbita federal. Então o deputado Garotinho fez pedido idêntico à Câmara dos Deputados.

Rose de Freitas (PMDB-ES), vice-presidente, recusou o pedido. Decretou que o assunto é da órbita estadual.

Não é. Na verdade, quem pode dispor das informações requisitadas por Garotinho filha e pai é a Polícia Federal e a Secretaria de Aviação Civil da presidência da República. À Secretaria se vinculam a Agência Nacional de Aviação Civil e a Infraero, que administra os 66 aeroportos brasileiros.

Garotinho recorreu da decisão de Rose à direção da Câmara, mas perdeu. Apelou à Justiça. Seu apelo, hoje, repousa empoeirado à sombra de alguma toga.

Uma sugestão: por que Cabral não abre espontaneamente a caixa preta de suas viagens para mostrar que nada de podre se esconde ali?

Somente em uma democracia de fachada – ou uma democracia capenga – um governante pode esconder dos governados informações sobre suas viagens ao exterior e a outros Estados.

Ricardo Noblat

"Sinceramente, se o futuro chegou, ainda não me deparei com ele". É O brasil maravilha DOS DESONRADOS. ANOS DE CACHAÇADAS E "MARQUETINGUE" SALAFRÁRIO

O Brasil cresceu, em média, 4,4% nos últimos oito anos, distribuiu renda e engrossou a classe média em quase uma Argentina com 40 milhões de habitantes.

Mas para o servente de pedreiro Luiz Matias, 62 anos, algo de muito errado está acontecendo.

Ele não vê os investimentos necessários do governo e do setor privado para que o país dê o mínimo de dignidade aos mais pobres dos cidadãos.
"Sinceramente, se o futuro chegou, ainda não me deparei com ele", diz.


As palavras de Matias podem até conter um certo exagero. Mas refletem o cansaço de suas brigas para ter acesso a um serviço básico — energia elétrica — de qualidade em pleno ano de 2012.

Com endereço fixo a apenas 25 quilômetros do Palácio do Planalto, ele reclama da constante falta de luz. A mais recente delas durou seis dias e o resultado foram cinco quilos de carne apodrecidos na geladeira.

"Minha compra do mês foi para o lixo", diz o piauiense, morador de um loteamento em Ceilândia.


Como ele, milhões de brasileiros, de todas as classes sociais, são vítimas do descaso e da incapacidade do país de tirar do papel obras que garantam energia elétrica 24 horas por dia.

Em 2011, justamente pelos frutos do crescimento econômico, o Brasil passou o maior tempo no escuro — foram 20 horas de apagão. Não à toa, o sinal de alerta dos especialistas foi ligado.

Eles indagam:
se o país com os maiores recursos hídricos do planeta não conseguiu, até agora, mesmo com toda a propaganda governamental, universalizar o fornecimento de energia elétrica e evitar transtornos à população, conseguirá dar conta de realizar dois dos maiores eventos esportivos do mundo, a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, sem passar por vexames?


Apesar do temor de fracasso, a maior parte dos analistas prefere dar um voto de confiança. Mas assinalam que os investimentos pelos quais o Brasil tanto anseia vão além dos eventos esportivos. O país precisa recuperar o atraso dos últimos 20 anos em áreas vitais, de estradas a aeroportos.

"País desenvolvido é aquele que consegue transferir a renda para seus cidadãos e garantir serviços públicos de qualidade. É preciso transportar o sucesso econômico para o bem-estar da sociedade", alerta Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib).

"Somos grandes, mas ainda injustos, inclusive no que se refere à reversão dos impostos pagos pela sociedade em forma de bons serviços", endossa a professora Margarida Gutierrez, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).


Não há dúvidas de que as cobranças são por aeroportos modernos e distantes do caos que se viu nos últimos anos e estradas bem pavimentadas e sinalizadas. O consumidor quer ainda internet veloz de verdade.

Exige tarifa barata para o telefone e não admite mais os caladões. O Brasil pujante que desponta como potência econômica também precisa superar carências de serviços básicos, como água e esgoto tratados.

Só recentemente, os investimentos em saneamento começaram a ganhar vulto — passaram de R$ 3,5 bilhões para quase R$ 8 bilhões entre 2003 e 2010.


Extremos
A expectativa é grande. Mas o Brasil ainda é uma nação de extremos. Tende a se tornar um dos maiores polos de produção e exportação de petróleo graças à tecnologia de prospecção nas águas ultraprofundas do pré-sal.

A Abdib calcula que o país está recebendo investimentos de quase
R$ 150 bilhões ao ano em áreas como transportes, petróleo, energia elétrica, telecomunicações e saneamento. Contudo, diante dos anos de atraso, essa cifra não tem sido suficiente para atender às necessidades do país.
O ideal seria elevar os gastos a R$ 200 bilhões anuais, estima Godoy.


Tal insuficiência pode ser medida pela taxa de investimento, que não passa dos 20% do Produto Interno Bruto (PIB). Os emergentes asiáticos aplicam mais que o dobro.

Na China, 40% de toda a riqueza acumulada anualmente vão para obras e novos projetos. Na Índia, são 32%. A média mundial gira em torno de 23%, informa a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).


O problema brasileiro ainda é de onde tirar dinheiro para financiar o progresso. Ao contrário dos orientais, por aqui governo e cidadão não têm tradição de economizar. A taxa de poupança interna gira em torno de 19% do PIB.

E, quando não se tem recursos para bancar o próprio crescimento, o risco é a dependência de investimentos externos, que tendem a secar em tempos de crise.

Nas turbulências de 2008 e 2009, a falta de verbas foi compensada, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas, para isso, o Tesouro Nacional teve de se endividar em mais de R$ 300 bilhões para capitalizar a instituição.


"Que Deus olhe por nós", pede a vendedora Alcinda Pereira de Almeida, 37 anos. Para ela, já passou da hora de o governo fazer o possível e o impossível para atender as necessidades dos trabalhadores.

O que Alcinda mais quer é, sempre que possível, deixar a modesta casa às margens da DF-095 e visitar, de avião, a família no Piauí. "Sei dos constantes atrasos nos aeroportos do país. Já sofri com eles. Mas não vou desistir", avisa.

JORGE FREITAS Correio Braziliense