"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

junho 12, 2013

A conta chegou



O nervosismo do mercado nos últimos dias, com reflexos nos segmentos de juros, câmbio e ações, mostra que chegou ao fim, pelo menos para os países emergentes, a era de experimentalismos em matéria de política econômica. 
Começa a se fechar a janela de oportunidade, propiciada pelo excesso de liquidez no mundo, para realização de reformas estruturais. O Brasil está saindo do ciclo internacional de liquidez com inflação mais alta, crescimento menor, baixa taxa de investimento, déficit externo crescente, deterioração das contas públicas e credibilidade abalada.

Nos últimos dois anos, o governo Dilma Rousseff abandonou o tripé de política econômica que regia o país havia 12 anos, sob a justificativa de que a crise nas economias avançadas teria efeito desinflacionário no restante do planeta e abriria, assim, uma oportunidade para o Brasil mudar seu equilíbrio macroeconômico. 
O país substituiria o binômio juro alto-câmbio apreciado por um bem mais vantajoso: 
juro baixo-câmbio competitivo.

Numa apresentação feita em novembro de 2011 e intitulada "Além do Consenso de Washington", o então secretário-executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, deu a senha das mudanças. Segundo ele, "uma política pró-crescimento é consistente com a estabilidade macro, desde que se evitem escolhas extremas". 
Por escolhas extremas, ele denominava aquelas que prevaleceram durante a maior parte do governo Lula, a quem também serviu - em livro publicado pela Fundação Perseu Abramo em 2010, Barbosa tachara a gestão Antonio Palocci na Fazenda (2003-2006) de "neoliberal".

Sem reforço fiscal, ajuste recairá sobre consumo das famílias

O fato é que o secretário, gozando então de grande prestígio junto à presidente Dilma, disse que, dali em diante, o tripé funcionaria da seguinte maneira: 
"Metas de inflação com redução na taxa real de juro e aceleração do crescimento; câmbio flutuante com acumulação de reservas internacionais e regulação dos fluxos de capital; metas fiscais com aumento nas transferências de renda e no investimento público".

A rigor, a taxa de câmbio passou a ser administrada, a conta de capitais foi parcialmente fechada, o superávit primário foi reduzido drasticamente e o Copom perdeu autonomia para fixar a taxa de juro, passando a viver sob forte cerco da Fazenda e do Palácio do Planalto.

A primeira perna do tripé flexibilizado já mostrava que se tratava de um manifesto político, mais do que de uma decisão econômica, afinal, quem não quer reduzir juros e acelerar o PIB?

À medida que o "novo" equilíbrio macroeconômico foi resultando inútil do ponto de vista do crescimento econômico - o PIB médio anual do período Dilma é o menor desde a gestão Collor (1990-1992) -, o governo passou a adotar uma série de medidas pontuais para estimular o consumo. Mais uma vez, os estímulos não funcionaram. 
Diante da alta da inflação e da perda de credibilidade e previsibilidade da política, sem dúvida um desincentivo ao investimento privado, a Fazenda lançou mão de um sem-número de medidas fiscais para segurar os preços - o objetivo era impedir que o BC elevasse os juros.

Essa gestão macro contaminou o que o governo Dilma tem de melhor: uma agenda para estimular o setor privado a liderar os investimentos em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos.

Em que pese uma clara má vontade dos mercados em relação aos propósitos da presidente nessas áreas, além das idas e vindas do governo na definição das regras do jogo, trata-se de algo inédito

- Dilma reconheceu, contra a vontade de seu partido, a incapacidade do Estado de tocar investimentos em infraestrutura e anunciou que o país não será socialmente justo se não tiver uma economia competitiva.

É impressionante como esse ímpeto liberalizante não combina com a gestão macroeconômica. Esta tem sido marcada por improvisos, pacotes a toda hora, 
malabarismos contábeis, 
desorganização do que estava organizado 
(o controle do endividamento dos entes federativos, por exemplo). 
Claramente, a presidente não teve sangue-frio para implantar sua agenda micro, cujos efeitos vão se dar no médio e longo prazo, enquanto assistia a um período, provavelmente temporário, de crescimento mais baixo da economia.

A conta chegou e veio puxada pela expectativa de investidores nacionais e estrangeiros de que o banco central americano acabará, antes do esperado, com a política de afrouxamento monetário iniciada em 2008.

Ao respaldar o início de um novo ciclo de alta dos juros e a decisão do BC de deixar o câmbio flutuar, o governo Dilma reconheceu que o momento é difícil e que suas políticas precisavam de correção de rumo. É o que está ocorrendo.

Falta, agora, colocar de pé uma política fiscal que dê respaldo às políticas cambial e monetária. Não faz sentido o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentar a taxa básica de juros (Selic), enquanto o governo segue expandindo os gastos públicos.

A dúvida está posta:
o Comitê está subindo os juros para frear a demanda agregada ou apenas o consumo das famílias?

Em entrevista ao Valor, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o governo não aumentará os juros dos empréstimos com fundos públicos. Isto significa que o BC terá que aplicar uma dose mais forte de juros para conter o consumo das famílias e das pequenas e médias empresas, que têm acesso reduzido ao dinheiro subsidiado do BNDES.

Para realizar a tarefa, portanto, o Copom terá que gerar mais desemprego para que as famílias consumam menos.
É isso o que a presidente quer?

As últimas pesquisas de opinião mostram que Dilma já está começando a pagar, com perda de popularidade, a conta dos equívocos da política econômica. Com mais de 50% de aprovação, ela ainda é favorita à reeleição em 2014. Mas seu eleitorado está começando a encolher.

Cristiano Romero Valor Econômico
Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

ENQUANTO ISSO ... brasil maravilha SEM O "MARQUETINGUE" DOS CANALHAS E FARSANTES : CRISE DE CONFIANÇA NO BRASIL AMEAÇA ATÉ APOSENTADORIAS. TOMBO DA BOLSA AFETA PLANOS DE PREVIDÊNCIA

A saída de investidores estrangeiros do Brasil, que apenas em junho tiraram do país US$ 4 bilhões, deixa um rastro de destruição, sobretudo para os pequenos poupadores e para as aposentadorias.

A Bolsa de Valores de São Paulo (BMF&Bovespa) levou ontem um tombo de 3,01% e fechou aos 49.769 pontos — foi a primeira vez que o indicador ficou abaixo dos 50 mil pontos desde agosto de 2011.

Com o resultado, o primeiro semestre caminha para ser o pior desde o auge da crise de 2008, quando o Ibovespa, índice que reúne as principais ações brasileiras, afundou 42,25%.

Esse derretimento pode atrapalhar ainda a aposentadoria de brasileiros que aplicaram seus recursos em fundos de previdência ancorados em ações — no ano, a perda dessa modalidade de investimento chega a 10,17%. Para quem apostou nos fundos que compram títulos do governo, o prejuízo também foi grande.

Os Fundos de Renda Fixa Índices, que são formados por papéis emitidos pelo Tesouro Nacional chamados de NTN-B, encolheram 2,30% em 2013.

Até mesmo a tradicional poupança não tem se apresentado como opção por não conseguir bater a inflação. Os brasileiros que colocaram o dinheiro do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) em ações da Vale e da Petrobras também registraram perdas — até o momento, elas chegam a 16,17%.

"A situação da BM&FBovespa está um pouco crítica", disse Pablo Spyer, diretor da Mirae Asset Securities, citando preocupações, no cenário interno, com o crescimento da economia abaixo do previsto, inflação e juros em alta, além da recente desvalorização do real. "Acho que a situação tende a piorar antes de melhorar", avaliou.

Fator externo

Para analistas, o Ibovespa pode cair ainda mais nas próximas semanas e chegar a 45 mil pontos. Além de receios em relação ao Brasil, a recuperação dos Estados Unidos tem provocado mudança nos fluxos de capitais no mundo. Quanto mais a economia norte-americana se recupera, mais investidores tiram recursos de países emergentes para colocar em títulos públicos dos EUA, considerados os mais seguros.

Essa migração de recursos para fora do país pode se intensificar ainda mais diante da possibilidade de que os principais bancos centrais do mundo comecem a retirar estímulos.

Todo esse movimento tornou a bolsa brasileira a de pior desempenho. 

No ano, a BM&FBovespa derreteu 18,35%, um contraponto ao resultado de Tóquio, que apresentou valorização de 28,11% impulsionado pelos programas de incentivo do governo japonês, que promete desaguar US$ 605 bilhões ao ano no mercado.

"No Brasil, a intensidade de queda da bolsa aumentou pela recente perspectiva negativa para o rating soberano, o que evidencia a falta de segurança do investidor com nossos formadores de políticas públicas", ponderou Marcelo Torto, analista da Ativa Corretora.

Dia turbulento
As ações nos Estados Unidos fecharam ontem em queda num pregão volátil após o banco central do Japão decepcionar os mercados ao anunciar que não irá alterar o ritmo de seu programa de estímulo. A decisão da autoridade monetária japonesa gerou turbulência em diversos mercados. Nova Iorque fechou em baixa de 0,77%, Frankfurt, por sua vez, recuou 1,03%

Rastro de prejuízos (Em % ao ano)

Investidores estão vendo o patrimônio minguar, diante da falta de credibilidade do governo

A Bovespa está na lanterna
Mercado acionário brasileiros foi o que mais perdeu em 2013

Tóquio 28,11
Buenos Aires 17,33
Nova Iorque 15,40
Zurique 12,47
Frankfurt 8,01
Paris 4,66
Milão 0,08
Madrid -0,96
Shangai -2,57
México -8,67
São Paulo - 18,35

Aposentadoria ameaçada
Várias das principais aplicações da classe média estão no vermelho 

FGTS com ações da Vale e da Petrobras -16,17
Fundo de ações Ibovespa -12,95
Fundos de previdência com ações -10,17
Fundos multimercados -7,18%
Fundo de renda fixa índices -2,30


Fonte: Mercado