"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 20, 2011

O CARA LEGAL E O SEU SHOW DOS MILHÕES.


Continuam a pleno vapor as revelações sobre o espetáculo do crescimento do patrimônio de Antonio Palocci. Soube-se hoje que a Projeto, sua firma de consultoria agora convertida em administradora de fortuna, faturou uma bolada ao mesmo tempo em que ele coordenava a campanha de Dilma Rousseff à presidência da República. Que tipo de prestação de serviço milionária terá sido esta?

A Folha de S.Paulo revela que o faturamento da Projeto ultrapassou R$ 20 milhões no ano passado. A proficiência da empresinha - afinal, tinha apenas um único funcionário conhecido - é ilustrada pelo salto nos negócios: quatro anos antes, quando foi aberta, a consultoria arrecadara R$ 160 mil com a prestação de serviços.
É o show dos milhões.


Fazendo uma conta rápida, deduz-se que a multiplicação dos peixes na cesta de Palocci foi muito mais prolífica do que se sabia até agora. Se, em 2006, o patrimônio declarado do ministro não chegava a R$ 400 mil e se, na pior das hipóteses, em toda a sua meteórica existência a Projeto só tiver faturado os R$ 20 milhões de 2010, o salto terá sido de 50 vezes - e não 20, como se falava até agora, já com suficiente espanto.

Palocci continua recusando-se a revelar para quem a Projeto trabalhou, o que fez e quanto recebeu enquanto ele dava expediente como deputado no Congresso. Quanto mais escorrega, mais corre risco de tombar.

Enquanto ele se mantém calado, a imprensa vai cuidando de descobrir não só que os valores praticados eram astronômicos, mas também que a carteira de clientes da Projeto era rechonchuda.

Informa O Estado de S.Paulo que pelo menos 20 empresas, incluindo bancos, montadoras e indústrias, contrataram a firma de Palocci. Em documento que deve enviar à Procuradoria-Geral da República, segundo o jornal, o ministro explica que "boa parte dos pagamentos foi concentrada entre novembro e dezembro do ano passado quando anunciou aos clientes que não mais atuaria no ramo de consultoria".

Naquela altura, pelo menos 70% dos serviços de consultoria e análises de mercado já estariam concluídos, o que explicaria os altos montantes recebidos nesse período. Para a Projeto, assessorada agora por marqueteiros dedicados a "gestão de crises", nada mais "natural" do que o crescimento dos contratos em 2010.
Será?


A firma do ministro está se revelando uma gigante de mercado e um extraordinário case de sucesso no mundo das consultorias econômicas. Maior até do que concorrentes vistosas do ramo. Também a Folha informa que "o faturamento da empresa de Antonio Palocci está no mesmo patamar do das maiores consultorias econômicas do país, empresas com dezenas de funcionários, especializados em diferentes áreas".

O jornal cita duas: a LCA Consultores (o LC da sigla é associado a Luciano Coutinho, atual presidente do BNDES) e a Tendências, do ex-ministro Maílson da Nóbrega. Embora líderes de mercado, não chegam nem perto da produtividade da Projeto e seu faturamento obtido com um único funcionário.

"A Folha apurou que a LCA Consultores, líder do mercado, fatura pouco mais de R$ 20 milhões por ano. Sua equipe é de mais de cem pessoas e atende quase cem empresas. A segunda maior, Tendências, fatura de R$ 13 milhões a R$ 15 milhões, tem cerca de 70 funcionários e cem clientes".

Igualmente profícua é a lista de temas sobre os quais a Projeto dava consultoria aos que a procuravam. Um investidor na Ásia contratou Palocci para "para opinar sobre a viabilidade financeira de negócios na região e estabilidade da moeda no respectivo país", informa o Estadão.

Outro cliente da lista, revela Mônica Bergamo na Folha, a empresa de planos de saúde Amil o contratou para palestras de prevenção na época do surto da gripe suína. Mas Palocci não disse que o que "proporciona uma experiência única que dá enorme valor no mercado" foi sua passagem pelo Ministério da Fazenda? Ah, de quebra, a Amil também pagou por aconselhamento para expansão dos seus negócios no Nordeste. Está explicado...

Completa a lista de clientes conhecida até agora o grupo WTorre, que, entre 2006 e 2010, fez negócios avaliados em R$ 1,3 bilhão com fundos de pensão de estatais (Previ e Funcef) e com a Petrobras. Logo, logo vai se ficar sabendo que a Projeto também esteve por trás, digamos, da criação do estado da Gurgueia...

Com carteira tão extensa e com tanto dinheiro em caixa, também entende-se agora porque a empresinha que só tem um funcionário na sua lista de empregados contratou a gestora de recursos de um bancão para cuidar de sua fortuna. A Projeto já se mostrou, por si só, uma instituição financeira.
(...)
Por tudo o que se soube até agora, não conseguiu nem uma coisa nem outra. O homem que já se viu enredado em ervilhas superfaturadas, lixo mafioso e humildes sigilos devassados está longe de conseguir livrar-se das suspeitas sobre suas faraônicas pirâmides de dinheiro.

Fonte: ITV

PALOCCI E A MULHER DE CÉSAR.


Por volta do ano 60 antes de Cristo, Júlio César era um nome em ascensão.
Já ocupava postos de destaque na República romana e todos - inclusive o próprio - acreditavam que, com o seu prestígio e a sua popularidade, seria tentado a sagrar-se imperador.
Na verdade, sua ambição era ainda maior. Quando andava pelas ruas e o povo o chamava de rei, ele invariavelmente respondia:
"Não sou rei, sou César".

Mas o que importa, aqui, é o conceito de vida pública que ele cultivava. Quando Pompeia, sua esposa, se envolveu num escândalo, Júlio César imediatamente se divorciou dela. Quando perguntado sobre o porquê de tão drástica atitude, uma vez não havia provas concretas contra ela, ele teria respondido:
"A esposa de César tem de estar acima de suspeitas". Nasceu aí o popular conceito sobre "a mulher de César". Ou seja, não lhe basta ser honesta; tem, também, de parecer que o é.

Dois milênios passados, aqui, nos nossos trópicos, vem à tona o caso do ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República, Antônio Palocci.
Será que continua valendo o mesmo princípio?

Sim e não.

Há que levar em conta que, na nossa invulgar República, não existe uma oposição competente. E, para agravar o quadro, o partido que está no poder não costuma dar prioridade ao problema da corrupção.
O que vale é a identidade ideológica.
A justificação se dá pela fé.
(...)
Agora, com relação ao presente escândalo envolvendo o nome do ministro, as reações de Palocci têm servido apenas para reforçar as suspeitas que pairam sobre ele.
"Se tem cara de boi, berro de boi e chifre de boi, então é boi!" - essa é a conclusão a que chega a opinião pública.

"Ou, então, é o capeta!"
Tratar-se-ia, no caso, de um demônio sonso.
Bem ao estilo da "companheirada".
Palocci, no presente governo, tem sido a figura principal - na falta de uma principal figura.

Quando a imprensa levantou dúvidas sobre a recente prosperidade do ministro, as suas respostam levantaram ainda mais dúvidas. Os imóveis não pertenceriam a ele, mas, sim, a uma empresa de consultoria.
E a quem pertenceria essa empresa?
A ele.
Quem seriam os profissionais que trabalham na dita empresa?
Somente ele.
E quanto aos seus clientes, quem seriam?
Ele não pode dizer, porque a informação é confidencial...

É como na fábula. Cadê o queijo?
O rato comeu.
Cadê o rato?
O gato engoliu.
Cadê o gato?
Foi para o mato.
Cadê o mato?
O fogo queimou... E desse jeito a história nunca termina.

É um caso raro de alguém que chega à desgraça por esforço próprio.
Geralmente isso acontece com a ajuda dos inimigos. Mas quem é inimigo de Palocci? A oposição não é.
No ninho dos tucanos, José Serra e Aécio Neves - os seus mais conhecidos representantes - trataram logo de defender o ministro.
Alegaram, para tanto, o benefício da dúvida.

Bem que no interior de São Paulo - à época em que a ave foi adotada como símbolo da social-democracia - os mais antigos já alertavam:
"Isso não vai dar certo. O tucano é conhecido como um pássaro que tem bico longo e voo curto". Quem, então, está querendo derrubar Palocci?
Pelo jeito, são os seus pretensos amigos.
E - como já foi dito - ele próprio.

Um dos principais mandarins do Palácio do Planalto - depois de apresentar algumas desculpas nada convincentes - aproveitou o momento para dar ainda mais um impulso à polêmica:
decretou que a questão estava "encerrada"! Podia estar para ele. Para a opinião pública, estava apenas começando.

É típica dessa gente, que se acredita "de esquerda", a atitude de pretender arbitrar a natureza das coisas. E também a de reivindicar indulgência plenária para todos os pecados que eles mesmos cometem. Entendem que, como a sua causa é nobre, tudo o que fizerem se justifica.

Os liberais - que eles reputam ser da "direita" -, ao menos, são mais humildes. Por aceitarem a natureza humana como ela é, renunciam à ideia de que é possível reformá-la. Contentam-se em cultivar a ética e a integridade como virtudes pessoais. E, no mais, que cada um cuide de si.

Os esquerdistas não são assim.
Por acreditarem estar do lado do povo - uma entidade que se torna a cada dia mais abstrata -, eles entendem que jamais fazem nada de errado. As atrocidades cometidas pelos regimes da direita são indesculpáveis, porque inerentes ao sistema iníquo que ela defende.

Já as barbaridades verificadas nos regimes ditos de esquerda são meros "acidentes de percurso". E plenamente justificáveis, porque, afinal, o que eles buscam é o bem da humanidade...

Só que o "povo" não pensa assim.
O "povo" entende que não basta aos homens públicos serem honestos.
Eles precisam também parecer honestos.
E quando surgem dúvidas, demonstrar que o são de verdade.

João Mellão Neto O Estado de S. Paulo

UMA MÃO SUJA A OUTRA E TODOS FICAM CONTENTES. SÓ O PAÍS PERDE.


Uma lista de 120 nomes de companheiros de partido desempregados - porque perderam as eleições ou não sabem fazer nada - para ocupar cargos bem pagos no governo e em estatais não é só uma afronta a 120 profissionais de alto nível, concursados que estudaram, trabalharam, dedicaram sua vida à carreira e se tornaram os melhores em suas áreas. É um prejuízo incalculável ao país.

Os que sabem mais, os mais competentes, que conhecem mais as estruturas e os problemas da área, serão atropelados pela ignorância e a voracidade dos dirigentes partidários e preteridos, na melhor hipótese, por incompetentes, e, na pior, pelos corruptos de sempre, que apodrecem a máquina estatal por dentro.

Como o partido vai falar em democracia, justiça social, direitos humanos, ética, cidadania, igualdade de oportunidades, sem provocar risos e constrangimentos? Encurralados pela evidência dos danos morais e materiais que essa política faz à nação e às instituições, sem argumentos além das "causas" do partido, eles repetem Lula justificando o mensalão: todo mundo faz.


Dizem que Dilma flambou a lista com as labaredas que saíam de sua boca, com adjetivos que não ficavam nada a dever aos piores de Lula. Companheiros, tremei.

É bom demais para ser verdade, ou para durar, mas o suficiente para alegrar os corações democráticos. O provável é que, pressionada, ameaçada e acuada pelo partido, ela acabe cedendo, ao menos em parte, pela governabilidade. Mas já terá sido um avanço para a ética e a eficiência. Dá-lhe, Dilmão!

O aparelhamento partidário do Estado na era Lula provocou novos comportamentos oportunistas entre funcionários de carreira, que se filiaram aos partidos na expectativa de se beneficiarem de cargos e promoções.

Assim, quando eles são indicados aos melhores salários e atropelam colegas mais competentes, podem ser apresentados publicamente como funcionários de carreira.

Instituir a meritocracia em todos os níveis da administração pública é muito mais barato e viável, mas muito mais difícil do que acabar com a miséria no Brasil.

Nelson Motta O Globo