"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 17, 2013

Irresponsabilidade Fiscal e Truques com o Custo Fiscal do PSI: o que você sempre quis saber e ninguém lhe contou.


Acho que o governo tem todo o direito de dar subsídios e seguir o seu plano de governo desde que o aumento do gasto esteja aprovado no orçamento. Mas no Brasil “transparente” de hoje, o governo está tomando um conjunto de medidas que a meu ver vai contra ao espírito da Lei de Responsabilidade Fiscal, apesar de sua legalidade (os truques fiscais estão amparados por legislação).

Um dos truques que me assusta é a postergação dos pagamentos de subsídios no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) do BNDES. Vou agora explicar essa maluquice e a tentativa de esconder o custo do programa. Resolvi fazer isso porque acho que a própria equipe econômica não sabe muito o que fez.

Primeiro, quando o PSI começou, em 2009, o volume de empréstimos do BNDES que poderia ter algum tipo de subsídio estava limitado a R$ 44 bilhões. Mas, em 2010, com a economia crescendo e com a demanda por crédito subsidiado explodindo, inventaram a Medida Provisória 487 de 26 de abril de 2010 baseada em uma justificativa sem sentido. 


Era algo mais ou menos assim:
 como a demanda por crédito subsidiado está muito grande e superou a oferta, teremos que aumentar o volume de crédito subsidiado e também ampliar o prazo do programa. 

Não acreditam? 
Olhem o post que escrevi em 2010 sobre isso (clique aqui). 
E no mesmo mês, abril de 2010, o BACEN aumentou a taxa de juros SELIC em 0,75 ponto.

Agora, o volume de empréstimos passível de subsídios na linha do PSI passou de R$ 44 bilhões, em 2009, para R$ 312 bilhões (MP 594 de 6 de dezembro de 2012 convertida na Lei 12.814 de 16 de maio de 2013). O Gráfico abaixo mostra o crescimento dos limites.

Volume de Crédito do BNDES (direto e indireto) passível de subsídio orçamentário no PSI – 2009-2013 – R$ bilhões correntes


Vamos supor que toda essa montanha de crédito tenha uma equalização de juros média de 1,5%. Assim, o custo anual da equalização seria por volta de R$ 4,7 bilhões (1,5% * R$ 312 bilhões). Mas pode apostar que a equalização é MUITO maior. O mínimo que o BNDES pode emprestar é TJLP+1% ao ano = 6% ao ano. 

Mas as taxas do PSI-FINAME para caminhões em, 2012, chegaram a ser de apenas 2,5% aa e, em 2013, as taxas do PSI-FINAME para compra de caminhões, ônibus, máquinas e equipamentos foram de 3% ao ano, no primeiro semestre, e agora de 3,5% ao ano.

Ou seja, a equalização é muito superior a 1,5% e o prazo médio da maior parte das operações é de 10 anos. Isso é uma conta que vai pressionar a despesa primária pelos próximos dez anos, mas vai pressionar mais os próximos governos e não este como explico a seguir.
O segundo problema com o PSI é que o governo federal, como é sempre “bem intencionado” e não quer atrapalhar a meta do primário, resolveu dar um calote temporário no BNDES. Mas é possível fazer tal absurdo? Não só é como já foi feito por meio da Portaria nº. 357, de 15 de outubro de 2012 do Ministério da Fazenda (clique aqui). 

Olhem o que diz o incido III do Art. 7o dessa (irresponsável) portaria:
 
Art. 7o……..
I – ………
II – ……….
III – os valores apurados das equalizações a partir de 16 de abril de 2012, relativos às operações contratadas pelo BNDES, serão devidos após decorridos 24 meses do término de cada semestre de apuração e atualizados pelo Tesouro Nacional desde a data de apuração até a data do efetivo pagamento.


O que isso significa? 
Bom, os subsídios antigos não foram ainda pagos (estão inscritos em restos a pagar) e, desde o ano passado, o governo passou a ter autorização legal para iniciar o pagamento dos novos subsídios (equalização de juros) depois de dois anos, i.e. joga a conta para frente, quase toda para o próximo governo, pois os subsídios de julho a dezembro de 2012 só passarão a serem devidos depois de dezembro de 2014.

Achou um absurdo? 
Pois se prepare que tem mais e se possível pegue um chá para se acalmar. Um outro problema é que o inciso III acima fala que “serão devidos depois de dois anos”, não significa que serão necessariamente pagos. Isso pode atrasar ainda mais. 

Assim, podemos falar com certeza que: 
(1) as equalizações de juros do PSI apuradas a partir do segundo semestre de 2012 só serão pagas depois de 2014, ou seja, pelo novo governo, 
e (2) há chance desses pagamentos “devidos” serem ainda atrasados depois de dois anos.

DROGA! 
Agora finalmente acabou? 
Infelizmente não. 
Há mais um truque dos magos de plantão. 
O que acontece se você cidadão atrasar um pagamento com a Receita Federal? Bom, nesse caso a sua dívida é corrigida pela taxa básica de juros, a Selic. Mas o mesmo não vale para o governo. A atualização da conta de equalização de juros para os 24 meses posteriores (2 anos) quando passará a ser devida é feita pela TJLP que hoje é de 5% ao ano, menor que a inflação, e sempre uma taxa muito menor do que a Selic (clique aqui para ver a formula de correção especificada na Portaria 357 do Min. da Fazenda).

Ou seja, além de atrasar o pagamento, o governo ainda faz um truque para comer parte do valor real de sua conta de subsídios para reduzir o seu impacto na despesa primária e, logo, no superávit primário. E quem fica com o prejuízo? O credor que é o BNDES. Banco Privado não toma prejuízo e, assim, desconfio que, no caso dos bancos privados, eles estejam sendo pagos pelo BNDES que concentra todo o crédito a receber do Tesouro no seu balanço. 

P.S: Como seria bom se o contador do BNDES tomasse um porre e abrisse o jogo para gente!!!! 

DROGA, DROGA! CHEGA! ACABOU?
 Infelizmente não. 
Tem outro ponto. 
É claro que o Tesouro não vai querer matar a “galinha dos ovos de ouro” e, assim, uma das formas de evitar perdas elevadas para o BNDES é fazendo o seguinte. Quando o Tesouro empresta novos recursos para o BNDES, o que o Tesouro faz é emitir títulos para o BNDES que fica com os títulos em carteira até emprestar rendendo Selic e com uma dívida junto ao Tesouro sendo corrigida por TJLP. Hoje, essa diferença é de 3,5% aa.

Ou seja, até emprestar o dinheiro, o BNDES fica lucrando (3,5%) com o carregamento dos títulos e isso deve compensar, em parte, a perda que o banco tem com a fórmula de correção artificial da conta de equalização de juros – que é uma conta do ativo do BNDES.

POR FAVOR, ME DIGA QUE ACABOU? 
Ainda não. 
Eu desconfio que, apesar de tudo que foi dito acima – atraso de dois anos no pagamento (que pode atrasar ainda mais) do custo de equalização de juros do PSI e correção desse custo a uma taxa menor do que a inflação (TJLP) – lá na frente o governo poderá ainda sentar com o BNDES na mesa e fazer um encontro de contas. Por exemplo, “BNDES você me deve R$ 500 bilhões e eu te devo R$ 50 bilhões. Pega dos R$ 500 bi que você me deve e abate esses R$ 50 bilhões”.

Se isso acontecer, no momento desse encontro de contas a Divida Liquida do Setor Público (DLSP) vai aumentar na mesma magnitude. Eu não tenho dúvidas que isso vai ocorrer no futuro. Se fosse hoje, R$ 50 bi, por exemplo, seria pouco mais de 1% do PIB.

Ainda querem alguma prova da falta de transparência da conta de subsídios do PSI, um programa que permite que R$ 312 bilhões dos empréstimos do BNDES sejam subsidiados e que a conta seja jogada para os próximos governos?

O que não posso afirmar é se tudo isso que descrevi acima foi pensado por apenas um ou vários “feiticeiros” que gostam de fazer truques fiscais. Mas tudo isso nos faz lembrar muito as maracutaias da década de 1970. 
Pra Frente Brasil! ou seria, Pra Frente Sucupira!

Foto retirada de miltonmarchioli.com.br

Transcrito do original :