"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

janeiro 03, 2012

NUNCA A REPÚBLICA TEVE TANTOS SALAFRÁRIOS E GOVERNANTES PATIFES.

Tão regulares quanto os dias de um calendário, as tragédias decorrentes das chuvas de verão voltam a se repetir no Brasil. Todo começo de ano é assim, a despeito das reiteradas promessas das autoridades de que, "desta vez", a prevenção chegará antes da reconstrução.

Neste 2012 que se inicia, as sirenes de alerta voltaram a soar na região serrana do Rio de Janeiro. Teme-se a repetição da catástrofe do ano passado, que matou mais de 900 pessoas. Em Minas Gerais, já são dezenas as cidades sob estado de calamidade.

Por incrível que possa parecer, as chuvas torrenciais, por mais previsíveis que sejam, pegam novamente as populações desprevenidas, desprotegidas, desamparadas. O muito que poderia ter sido feito ao longo do ano revela-se um nada diante dos riscos que voltam a assombrar os moradores.

Em janeiro de 2011, no auge do verão passado, o governo federal prometeu ações sem precedentes para evitar que as calamidades voltassem a assustar os habitantes de áreas mais vulneráveis. Muito, muito pouco foi feito, porém.

Menos de um terço das verbas destinadas no Orçamento Geral da União do ano passado para "prevenção e preparação para desastres" foi investida: foram autorizados R$ 508 milhões e pagos apenas R$ 155 milhões.

Ou seja, nada menos que R$ 353 milhões ficaram guardados no cofre, como se as populações deles não necessitassem para preservar suas vidas.

Trata-se, contudo, de padrão recorrente. Nos últimos oito anos, as dotações autorizadas pelo Congresso para esta rubrica somaram R$ 2,8 bilhões, mas apenas R$ 695 milhões foram aplicados.

"Em outras palavras, de cada R$ 4 previstos em orçamento, apenas R$ 1 foi gasto", escreve Gil Castello Branco, da ONG Contas Abertas, n'
O Globo de hoje.

O PT de Lula e Dilma Rousseff prefere remediar a prevenir. Desde 2003, o país aplicou sete vezes mais em "resposta a desastres e reconstrução" - R$ 5,9 bilhões - do que em ações de "prevenção e preparação para desastres" - os R$ 695 milhões citados acima.

O mal é que, para muitos, o remédio acaba, infelizmente, vindo tarde demais, sem mais nenhuma valia.

Muitas das providências anunciadas nos últimos anos - como a implantação do Centro Nacional de Gerenciamento de Riscos e Desastres, cogitada desde 2004, mas hoje funcionando em condições de improviso e precariedade - só chegarão a tempo do verão de 2013, se é que chegarão.

Além disso, há o padrão nefasto das liberações politicamente endereçadas. Enquanto o Ministério da Integração Nacional foi ocupado por um político baiano na era Lula, a maior parte das verbas foi para a Bahia. Agora, o titular é um pernambucano e 90% das verbas vão para a terra do frevo e do maracatu.

Dos gastos autorizados e pagos em 2011, Pernambuco recebeu 14 vezes mais do que o segundo colocado, o Paraná, onde chuvas fortes provocaram enxurradas e deslizamentos no ano passado", relata hoje O Estado de S.Paulo, em manchete.

O berço político do atual ministro - provável candidato a prefeito de Recife - recebeu R$ 25,5 milhões dos R$ 28,4 milhões pagos em obras autorizadas em 2011 para prevenção de desastres naturais.

Como se não bastasse, também com a regularidade de um relógio suíço, as imprevidências da gestão federal atingiram, novamente, as férias e o descanso de milhões de brasileiros que usaram, ou tentaram usar, os aeroportos para se deslocar nas festas de fim de ano.

Ontem, o dia foi de caos em alguns terminais, em especial o Santos Dumont e o Galeão, no Rio.

Segundo balanço da Infraero, dos 2.339 voos domésticos programados para até as 19h desta segunda-feira, 560 atrasaram (24%) e 146 foram cancelados (6%). (Nesta madrugada, 23% dos voos - tanto domésticos quanto internacionais - atrasaram ou foram cancelados

O ano, infelizmente, começa com a repetição de exemplos de descaso das autoridades federais pela vida e pelo bem-estar dos brasileiros. Seria muito bom se 2012 marcasse uma mudança radical neste tipo de ocorrências. É difícil crer, mas não custa tentar.

Calamidades que se repetem
Fonte: Instituto Teotônio Vilela

EM 2011 : Déficit da indústria cresce 37% e passa de US$ 43 bilhões

O déficit da balança comercial da indústria de transformação aprofundou-se no ano passado e deve manter a mesma tendência para 2012. De janeiro a novembro de 2011, o saldo negativo dos segmentos industriais atingiu US$ 43,68 bilhões, um aumento de 37% sobre 2010.

No mesmo período do ano anterior, o déficit era de US$ 31,86 bilhões. Os dados são da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex).

Neste ano, dizem economistas, o déficit da indústria deve aumentar ainda mais, com perspectivas de maior dificuldade para exportar, em função da tendência de retração dos mercados detonada pela crise na zona do euro.

Em compensação, a perspectiva de crescimento econômico do Brasil, mesmo com desaceleração, deve manter o nível de importação relativamente alto.

Para os especialistas, porém, as medidas do governo federal contidas no Plano Brasil Maior para estimular vendas ao exterior não serão suficientes para gerar maior competitividade ao manufaturado brasileiro.

A elevação do déficit da indústria em 2011 deve-se a um crescimento das importações em ritmo mais acelerado que o das exportações. De janeiro a novembro, as vendas ao exterior da indústria somaram US$ 137,9 bilhões, alta de 20,4% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Na mesma comparação, os desembarques da indústria totalizaram US$ 181,6 bilhões, com aumento de 24,5%.

Dentre os 22 segmentos de atividade especificados pela Funcex, apenas seis apresentaram superávit: alimentos e bebidas, fumo, couros e calçados, produtos de madeira, papel e celulose e metalurgia básica.

Entre os setores que mais contribuíram com saldo negativo para a balança total estão os de produtos químicos, coque, refino de petróleo e combustíveis, máquinas e equipamentos e material eletrônico e de comunicações.

Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, diz que a balança comercial reflete a competitividade maior do país em alguns segmentos específicos, como o da agroindústria, por exemplo.

"Esse é um setor no qual o Brasil tem clara vantagem competitiva, com tecnologia avançada e capacidade de produção", diz. De acordo com dados da Funcex, o setor de alimentos e bebidas foi a que mais contribuiu com saldo positivo para a balança da indústria.

De outubro a novembro de 2011, esse segmento fechou com superávit de US$ 35,7 bilhões. No mesmo período do ano anterior, o saldo do setor foi de US$ 30,2 bilhões.

"O déficit grande em setores como aparelhos elétricos e material eletrônico e de comunicações não surpreende porque não há no país especialização ou capacidade competitiva para exportação", diz Campos Neto.

Ao mesmo tempo, lembra, mesmo com a desaceleração, o mercado doméstico continuou relativamente aquecido, o que resultou em aumento de importações, principalmente em segmentos para os quais a indústria doméstica não tem condições de fornecer, o que ajuda a elevar ainda mais o déficit.

José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), acredita que em 2012 o cenário de déficit crescente da balança da indústria deve ter continuidade.

"Com cenário de crise, os mercados irão se contrair. Para evitar déficits ou queda brutal de superávits, a tendência dos mercados é se fechar, com medidas protecionistas", diz ele. Isso deve dificultar ainda mais a exportação.

Castro acredita que essa tendência também será seguida pelos países da América Latina, destino importante de manufaturados brasileiros. "Esses países adquirem manufaturados importados com a receita gerada pela exportação de commodities", explica.

Com a tendência de queda de preços das commodities e a perspectiva de um menor crescimento da China, a receita de exportação da região deverá ser reduzida, acredita Castro.

"Um exemplo é a Argentina, que já deu claros sinais de que deverá adotar medidas ainda mais protecionistas para a sua indústria."

Rafael Bistafa, economista da Rosenberg e Associados, acredita que o câmbio poderá ser um fator mais positivo em 2012 do que foi no ano passado. A estimativa da consultoria é que ao fim deste ano o dólar esteja em R$ 1,9, enquanto a média de 2011 foide de US$ 1,66.

O problema da balança comercial da indústria, porém, é mais estrutural, diz Bistafa. Para revertê-lo, seria necessário uma mudança mais profunda para redução ou eliminação de gargalos conhecidos, como carga tributária alta, infraestrutura ineficiente, e custo elevado de mão de obra, diz ele.

Nesse contexto, acredita Castro, as medidas recentes do governo federal para estimular a importação, incluindo as do chamado Plano Brasil Maior, são insuficientes.

"O Reintegra dá só 3% ao exportador de manufaturados. Isso poderia dar alguma vantagem ao exportador brasileiro se os mercados internacionais estivessem com demanda aquecida. Mas, em crise, o exportador precisa ter algo a mais para oferecer."

Castro refere-se ao programa pelo qual o governo federal deve conceder como crédito valor equivalente a 3% do faturamento com vendas ao exterior de manufaturados.

Outra tentativa do governo federal de estimular a exportação é por meio da desoneração de folha para setores com mão de obra intensiva. Segmentos como o de calçados e vestuário, por exemplo, estão livres da contribuição previdenciária sobre a folha de salários e passarão a pagar valor equivalente a 1,5% sobre faturamento.

Para Campos Neto, o efeito dessas medidas é marginal. "A mudança estrutural demanda medidas estratégicas, olhando para o país para daqui a dez, 20 ou 30 anos.

As medidas adotadas pelo governo são muito pontuais, com efeito de curto prazo", diz. "O Plano Brasil Maior é cheio de boas intenções. As medidas ajudam, é verdade, mas não serão capazes de reverter o cenário para 2012."

Marta Watanabe | De São PauloValor Econômico