"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 08, 2013

Temores em torno do déficit comercial


Ser governante é se tornar um militante do otimismo. 

Haja o que houver. 

Como, agora, diante dos déficits na balança comercial, algo que há muito tempo não ocorria com o Brasil.

O resultado negativo de abril, de US$ 994 milhões, foi o pior da história neste mês, sendo que, em março, fora contabilizado um superávit de US$ 161 milhões. Mas, nos primeiros quatro meses do ano, o saldo está no vermelho em US$ 6,15 bilhões, quando, no mesmo período de 2012, havia sido alcançado um superávit de US$ 3,29 bilhões. 


A troca de sinal da balança de comércio externo parece avassaladora, mesmo que o déficit tenha encolhido para US$ 5,7 bilhões, considerada a primeira semana de maio.

Coerente com sua função de presidente, Dilma Rousseff minimiza a safra de maus resultados comerciais - "só oscilações". Mais uma vez uma autoridade voltou a se referir à crise mundial, explicação clássica de governos para todos os males internos.

Melhor que assim seja, pois, se a acumulação de déficits pode equacionar questões referentes ao câmbio, ele tem o poder de projetar preocupantes incertezas à frente, caso os saldos negativos se devam a problemas graves internos. 


E caso o comércio exterior brasileiro tenha de fato "virado o fio" por sérias fragilidades da própria economia, nem as reservas de US$ 378 bilhões poderiam garantir tranquilidade absoluta.

A causa da perda de dinamismo do comércio exterior do país não é a agroindústria. Esta continua dinâmica. O desafio às autoridades é o setor industrial. 


Dados publicados pelo GLOBO, segunda, sobre o saldo de trocas comerciais de diversos setores são dramáticos: 
há déficits que, nos últimos sete anos, deram saltos astronômicos. 

O do segmento de têxteis e confecções aumentou 1.834%, de US$ 275 milhões para US$ 5,3 bilhões; em produtos químicos, de US$ 8,5 bilhões para US$ 28 bilhões, mais 229%. Em eletroeletrônicos, outra enormidade: um crescimento de 200%: de US$ 10 bilhões para US$ 30 bilhões.

Toda a indústria, de 2006 ao ano passado, deve ter gerado um déficit mastodôntico de US$ 100 bilhões. Os produtos primários (alimentos e minérios) vinham mais que compensando a sangria. Mas como nem mesmo o petróleo - em que a comemorada autossuficiência não aconteceu - ajuda, abriu-se um ciclo de déficits.

Na radiografia da atividade identificam-se, como dificuldades, aumentos salariais acima da produtividade - esta, em baixa -, além dos já clássicos gargalos de infraestrutura, e ainda empecilhos tributários - apesar de desonerações. 


Há, também, a sabida falta de mão de obra qualificada. Assim, mesmo que haja uma recuperação mundial, há um razoável entulho interno a ser removido, para a indústria recuperar competitividade.

 Neste caso, deverá ser lenta a volta dos superávits em níveis tranquilizadores. O Brasil sabe da dureza de uma crise cambial e seus subprodutos (inflação, desemprego).

O Globo

Direita & esquerda


Hoje vou começar com espinhos - com uma dualidade que define o nosso mundo. 
 
Qual é o ponto central da oposição entre esquerda e direita - esse dualismo que levou tanta gente (de um lado e do outro) para a prisão, para a tortura, para o exílio, o abandono, a rejeição e a morte? 
 
Qual é o rumo desses lados?

Penso que a pior resposta cairia na decisão de ancorá-los num fundamentalismo: 
numa oposição com conteúdo definitivo. 
 
Uma sendo correta e a outra errada já que sabemos que direita e esquerda admitem segmentações infinitas, pois toda esquerda tem uma esquerda mais à esquerda; do mesmo modo que toda direita também tem a sua direita extremadamente direitista. 
 
No plano religioso somos ainda dominados pelo sagrado (situado à "direita" do Pai); mas no plano político ninguém - pelo menos no Brasil - é de "direita". Como ninguém é rico ou poderoso.

Deus e o Diabo seriam os avatares dessa dualidade? 
Mas as dualidades não tendem a sumir quando delas nos aproximamos? 
 
Ademais, não seriam os dualismos, como sugere um antigo texto de Lévi-Strauss, modos de encobrir hierarquias porque um equilíbrio perfeito jamais existe, e a dualidade mistifica com perfeição as múltiplas diferenças entre grupos e pessoas, juntando tudo de um lado ou do outro?

O ministro presidente do STF, Joaquim Barbosa - depois de fazer diagnóstico impecável de nossa hierarquia e do nosso personalismo que realizam a indexação de pessoas, tirando-as da universalidade da lei; essas dimensões centrais do meu trabalho de interpretação do Brasil -, disse que os principais jornais do país se alinhavam para a direita. 
 
 Joaquim Barbosa seria meu candidato definitivo à Presidência da República, e estou certo que ele venceria no primeiro turno, mas ao exprimir tal opinião eu acho, com devida vênia, que ele perdeu de vista o contexto sociopolítico do Brasil.

Os jornais estão à "direita" porque todo o governo (e com ele quase todo o Estado brasileiro) está englobado numa "esquerda" de receitas estatizantes que recobre o dualismo político inaugurado com a Revolução Francesa. A razão para o Estado figurar como o nosso personagem político mais importante e decisivo revela um fato importante. 
 
 A crença segundo a qual a nossa sociedade malformada, mestiça e doente (destinada, como diziam Gobineau e Agassiz, a extinção pelas enfermidades da miscigenação) teria que ser corrigida por um "poder público" centralizador, autoritário, aristocrático que varreria seus costumes primitivos, híbridos, intoleráveis e atrasados.

A "esquerda" sempre teve como central a ideia de que somente um "estado forte" poderia endireitar as taras, como dizia Azevedo Amaral, da sociedade brasileira. 
 
 Essas depravações - carnaval, 
comida, 
sensualidade, 
dança, 
preguiça, 
música popular... - de origem. 
 
 Taras que um Estado devidamente "tomado" por pessoas bem preparadas (a honestidade não vinha ao caso porque não se tratava de uma questão de "moral", mas de "política") iria mudar por meio de decretos.

Não é por acaso que a esquerda tem sofrido de estadofilia, 
estadomania e estadolatria. Daí a sua alergia a tudo o que chega da sociedade e dos seus cidadãos. 
 
 Coisas tenebrosas como meritocracia, 
lucro, 
ambição,
 mercado, 
competição e eficiência. 
 
Tudo o que afirma um viés não determinista do mundo.

Vivemos, graças à Procuradoria Geral da República e ao STF, um momento especial porque a "esquerda" foi posta à prova e, ato contínuo, foi implacavelmente desnudada. Posta à prova definitiva do poder, ela revelou-se incapaz de honrar com os papéis sociais cabíveis na administração pública e de dizer não aos seus projetos mais autoritários. 
 
 O resultado tem sido uma reação no sentido de modificação por decreto de mecanismos que buscam arrolhar a imprensa, o judiciário e o ministério público. O ideal, o vejo como reação, seria uma aristocratização total dos eleitos, tornando-os em seres inimputáveis. 
 
Seria isso algo de esquerda ou de direita?

Uma das forças da democracia é, como viu Tocqueville, a educação continua do seu estilo de vida. A própria divisão de poderes demanda empatia e não antipatia entre eles. Do mesmo modo, a democracia leva a uma visão para além do econômico, do político, do religioso e do jurídico. 
 
 É justamente o esforço de uma visão de conjunto que obriga as sociedades abertas a se redefinirem continuamente por meio do bom-senso que Joaquim Barbosa tem de sobra.

Ora, isso é o justo oposto de quem deseja que esquerda e direita sejam termos balizadores finais quando o que o momento demanda é que esse poderoso dualismo seja como as nossas mãos. 
 
Esses maravilhosos órgãos que nos tornam humanos e que podem ser usadas de modo diverso porque, como sabem os liberais, ambas têm um uso alternado e são importantes na nossa vida pessoal e coletiva.
 
Roberto DaMatta O Globo 

PAÍS RICO É PAÍS SEM POBREZA(DELES) ! E NA CASA DOS EMBUSTEIROS : Senado além da conta



Na era dos computadores portáteis, celulares inteligentes e terminais de autosserviço, ficou ainda mais fácil efetuar o registro de passageiro antes de embarcar num avião. 
Bastam poucos cliques para confirmar uma viagem, e isso até pode ser feito com alguns dias de antecedência. 

Os senadores brasileiros, no entanto, julgam necessário manter no aeroporto de Brasília nove servidores de prontidão. 

São os "funcionários do setor de serviços aeroportuários". 
Ou, em linguagem mais direta, auxiliares de check-in.

A função deles é simples: 
trata-se de ajudar os senadores a fazer o embarque e despachar as malas. Para isso, esses auxiliares recebem uma remuneração líquida entre R$ 14 mil e R$ 20 mil. Não é demais lembrar que esses recursos saem do bolso do contribuinte.

A lista de mordomias aeroportuárias não se esgota nesse absurdo. Senadores contam com sala especial para aguardar o embarque e têm direito a cinco passagens aéreas mensais de ida e volta para seu Estado. 

 
Coroa esses gastos despropositados o serviço de "apoio operacional" no Rio de Janeiro, resquício de quando a cidade era a capital federal.

Vê-se que não vai longe a propalada disposição de Renan Calheiros (PMDB-AL) para reduzir as despesas da Casa. 

 
Eleito presidente do Senado sob protesto da opinião pública, ele anunciou cortes anuais de R$ 262 milhões (num orçamento de R$ 3,4 bilhões). 
Mas a tesoura preservou os congressistas.

Por exemplo: 
foi extinto o atendimento ambulatorial gratuito para servidores; senadores, porém, mantiveram o reembolso ilimitado de gastos médicos (extensivo a cônjuges e dependentes até 21 anos).

Isso para nada dizer da equipe de 32 pessoas que zelam pelas residências oficiais dos senadores como se marcenaria e instalações sanitárias, entre outros serviços, fossem um problema de Estado.

Além da remuneração de R$ 26,7 mil, cada senador ainda dispõe de quase R$ 170 mil mensais para contratar até 55 auxiliares de gabinete.
Nessa atmosfera de descaso com a coisa pública, não é à toa que Renan Calheiros se permite pagar R$ 11,3 mil líquidos para ter um mordomo. 
 
 Alguém precisa assumir a culpa por tamanha prodigalidade. 

Folha