"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 29, 2012

Pau na máquina

Há um fio de meada que liga o julgamento que ocorre no STF ao que está sendo revelado na CPI do Cachoeira. Ele mostra que, mesmo depois de descoberto o mensalão, o PT continuou a praticar ilegalidades e a investir sobre os cofres públicos para financiar seu projeto de poder.

Usar a máquina do Estado em benefício eleitoral é algo inerente à prática política petista.


Na sessão de ontem, a CPI do Cachoeira ouviu o depoimento de Luiz Antonio Pagot, ex-diretor-geral do Dnit (Departamento Nacional de Infraestrutura Rodoviária).
A certa altura das quase oito horas de explanação, ele admitiu o que todo mundo já desconfiava:
o órgão foi usado para levantar dinheiro para a campanha que elegeu Dilma Rousseff em 2010.


Pagot contou que foi procurado, naquele ano, pelo tesoureiro da campanha petista, José di Filippi. Durante e depois da eleição, o deputado lhe pediu que investisse sobre umas 30 a 40 empresas que prestavam serviços ao Dnit para obter delas contribuições financeiras para a candidata petista.

Pagot arremeteu sobre as contratadas do gigantesco órgão e retirou delas R$ 6 milhões para o PT.


O então diretor do Dnit teve a pachorra de pesquisar se as empresas achacadas de fato pagaram. "Algumas enviaram boletos comprovando que doaram para a campanha. Outras eu constatei depois que também contribuíram", disse aos parlamentares da CPI, segundo o Correio Braziliense.

É a corrupção com certidão e papel passado.


O caixa do Dnit é um dos mais bem fornidos da Esplanada - seu orçamento para este ano soma R$ 15,4 bilhões. A investida sobre o polpudo cofre do órgão por parte da infantaria petista era tão acintosa que Filippi instruiu Pagot a não se ocupar dos peixes mais graúdos:
dos maiores prestadores de serviço, a própria campanha cuidaria.

Não foi apenas a campanha presidencial que avançou sobre o butim do Dnit. A hoje ministra Ideli Salvatti e o então ministro Hélio Costa também tentaram tirar uma lasquinha.

Segundo Pagot, não levaram, o que teria deixado a catarinense "bem contrariada" e feito o mineiro ameaçar tirá-lo do cargo tão logo virasse governador de Minas, o que não se consumou.


O Dnit é um dos mais vistosos casos de assalto ao bem público perpetrados pelo PT, mas está longe de ser o único. O partido de Lula, Dilma e José Dirceu continua a investir sobre o patrimônio dos cidadãos para empregá-lo em proveito próprio, em nome de uma causa política.

Está acontecendo, de novo, nas atuais eleições.


Ontem, a (Folha de S.Paulo) mostrou mais um destes casos.
Do alto de um palanque, o secretário-geral da Presidência, Gilberto Carvalho, prometeu aos eleitores de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, multiplicar por cinco os investimentos federais na cidade caso o candidato do PT à prefeitura seja eleito em outubro.

Chantagens parecidas estão sendo levadas ao ar em capitais como São Paulo, Belo Horizonte e Recife. Nestes casos, a propaganda exibida pelo PT no rádio e na TV não é tão explícita, mas a mensagem é a mesma: vencedoras as candidaturas petistas, o governo federal irá despejar dinheiro em obras e sabe-se lá no que mais.

Ou seja, recursos que devem servir aos cidadãos indistintamente e serem repartidos segundo preceitos constitucionais são usados pelo PT para tentar comprar a consciência dos eleitores.

Em suas quinze sessões iniciais, o julgamento do mensalão já serviu para deixar esclarecido, de uma vez por todas, que o PT desviou dinheiro público. Também colaborou para sepultar, definitivamente, teses cínicas lançadas pelos líderes petistas para tentar justificar o uso de recursos recolhidos dos contribuintes no financiamento do projeto de poder do partido.

É preciso, contudo, que a Justiça vá além. Parece mais que evidente que bastou a sensação de impunidade ter voltado a reinar entre os petistas para que o PT tocasse pau na máquina, transformando, sem pudor, o bem público em benefícios privados.

O julgamento do mensalão também precisa servir para frear farras como as que ocorreram no Dnit e continuam a acontecer pelo país afora.


Fonte: Instituto Teotônio Vilela
Pau na máquina

"O que se deseja de um juiz não é uma aula de Direito, mas uma decisão clara, reta e curta. Culpado ou inocente. Se inocente, rua e vida. Se culpado, as penas da lei e cadeia."


Recebi ontem uma carta assinada pelo meu amigo, o famoso embora aposentado brasilianista, Richard Moneygrand.

Aproveito o julgamento do mensalão para manifestar o que penso como estudioso e apaixonado pelo Brasil. Sendo um marginal relativamente ao universo brasileiro, enxergo com mais clareza aquilo que vocês apenas veem. E ver, como dizia o nosso velho professor Talcott Parsons, é ter uma angulação especial.

Daqui do velho Norte, onde tudo se faz ao contrário - estou, imagine, com o meu ar-condicionado ligado ao máximo e não sei se o meu fundo de pensão (estourado na infame bolha financeira descontrolada por Bush e seus asseclas) vai segurar a conta - quero, data venia, e com o devido respeito, dar minha pobre opinião.

Primeiro, uma consideração sobre a organização do vosso STF.
Ele aposenta seus ministros após 70 anos, o que dissocia de modo negativo a pessoa do papel numa área onde isso não deveria ocorrer.

Numa democracia igualitária cuja tendência é a anarquia organizada, como dizia Clifford Geertz, os juízes são como os antigos sacerdotes: o seu papel de julgadores do mundo não pode ser limitado pelo tempo. Eles têm que ser juízes para a vida e por toda a vida.

O papel não pode ser esquecido e deve ser um fiel e simultaneamente uma faca permanente na cabeça de quem o indicou e do comitê legislativo que aprovou o seu nome.


A vitaliciedade tira do cargo essa bobagem brasileira de uma aposentadoria compulsória aos 70 anos, o que, num mundo de idosos capazes, faz com que o presidente pense muitas vezes antes de indicar um indivíduo para esse cargo.

Aquilo que é vitalício e só pode ser abandonado pela renúncia simboliza justamente a carga do cargo. Tal dimensão - a vitaliciedade - é mais coercitiva do que a filiação a um partido ou a crença numa religião.

É exatamente isso que, no caso americano, faz com que ser um membro da Suprema Corte seja algo tão sério ou sagrado, tal como ocorre com o papado ou a realeza.

Vejam como vocês são curiosos.
No campo político, os personagens e partidos menos democráticos lutam e tudo fazem para obter a vitaliciedade no cargo, não é isso que está em jogo neste caso?

Daí as vossas ditaduras.

Mas quando essa vida com e para o cargo é positiva, vocês o limitam.

O resultado são juízes cujas decisões podem ser parciais e um tribunal sempre desfalcado, a menos que vocês decidam nomear juvenis para um cargo tão pesado quanto uma vida.

Um outro ponto para o qual desejo chamar a atenção - pedindo desculpas se promovo em você alguma antipatia, porque, afinal de contas, eu não sou brasileiro e, para vocês, até bater em filho e mulher é coisa que ninguém deve meter a colher, ou seja, só cabe à família - é dizer que aqui os julgamentos e os processos criminais começam enormes e acabam pequenos.

O que se deseja de um juiz não é uma aula de Direito, mas uma decisão clara, reta e curta. Culpado ou inocente. Se inocente, rua e vida.
Se culpado, as penas da lei e cadeia.


Ora, o que vemos neste vosso julgamento é uma novela.
Na minha fértil imaginação, desenvolvi uma teoria e passei a entender por que vocês não sabem fazer cinema ou o fazem tão mal ou tão raramente produzem um cinema de primeira qualidade.


Desculpe meu intrusivo palpite, mas eu penso que uma Justiça democrática é como um filme - depois de hora e meia a narrativa invariavelmente termina.

Mas a Justiça nesse vosso país patrimonialista e democrático é como uma novela:
o caso demora décadas para entrar em julgamento e, quando entra em cena, sofre um atraso de uma gestação para ser resolvido.


Na vossa etiqueta jurídica, que, como diziam meus mestres de Direito, reproduz as vossas retóricas sociais, é impossível não ter uma divisão do trabalho barroco com relatores e revisores e, assim, com réplicas, tréplicas, e votos repetitivos, como se o mundo tivesse o mesmo tempo de um Fórum romano da época do nobre imperador Augusto.

Finalmente, e como último ponto, quero dizer algo sobre a opinião pública, claramente desconsiderada como inoportuna por um dos vossos juízes supremos,
o dr. Lewandowski.

É óbvio que nada, a não ser a consciência e o saber, deve pautar os juízes.
Mas ele não julga para marcianos ou para o paraíso.Ele julga para o mundo e, num universo democrático, a opinião pública representa o poder da totalidade.
Uma espécie de termômetro de tudo o que passa pela sociedade.

Embora essa opinião apareça na mídia, ela é isso mesmo:

um meio complexo e difuso, sem dono e com todos os donos, pelo qual os limites e os abusos se exprimem.

Como disse, ninguém, muito menos um juiz do Supremo, deve ser pautado por ela, mas, mesmo assim, ela vai segui-lo, pautá-lo e, se for o caso, dele cobrar o que ela achar que ele deve à sociedade.

Caso o sistema tenha como algo democrático.

O juiz deve ser soberano, mas a opinião pública também tem sua soberania porque, como ensina o Tocqueville que vocês não leram, numa democracia ela conta muito mais do que nas aristocracias, porque ela existe antes da política e vai além dela.


Nas democracias, mesmo os que não sabem se igualam aos que sabem; e, pela mesma ousadia, os não ricos se igualam aos ricos, e é por causa disso que a igualdade aparece quando ela é desejada. Penso que esse é o caso do Brasil que vocês vivem neste momento.

Porque o que está em julgamento neste mensalão não é apenas um ponto de vista político no sentido trivial da palavra, mas o valor da crença da igualdade perante a lei. O que está em jogo é a questão de fazer política e de exercer o poder com responsabilidade e transparência.No fundo, disputa-se o resgate de fazer política partidária com dignidade.

Receba o meu abraço e boa sorte para o vosso Brasil,
Richard Moneygrand.

DaMatta, O Globo

Uma carta, talvez uma decisão

CEZAR PELUSO : NA DESPEDIDA UM VOTO "OBITER DICTUM" ?


A quatro dias de se aposentar compulsoriamente, o ministro Cezar Peluso deverá proferir hoje seu último voto com ministro do STF. Diferentemente do que pretendia, ele só deverá votar no caso do mensalão nos itens do processo já abordados pelo relator, Joaquim Barbosa.


Mas Peluso, segundo pessoas próximas a ele, também poderá abordar outros tópicos da denúncia, sem contudo dar veredicto sobre os crimes imputados aos demais réus.

Esta alternativa seria o que em Direito se chama de Obiter dictum, expressão em latim que se refere aos argumentos acessórios apresentados pelo magistrado para fundamentar seu raciocínio na decisão. Até agora, só foram abordadas as acusações contra os réus João Paulo Cunha, Henrique Pizzolato, Marcos Valério e seus dois ex-sócios.

Perguntado ontem sobre o que fará hoje, Peluso brincou:

- Não estraguem a surpresa .

O ministro gostaria de adiantar seu voto integralmente, mas a proposta esbarrou na forte reação de Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio, entre outros ministros. Ao fazer uma explanação geral sobre o processo, Peluso deixaria um registro de sua visão do caso, sem atropelar o relator e o revisor. No primeiro dia do julgamento, ficou acertado que Barbosa e Lewandowski apresentariam votos fatiados, de acordo com cada grupo de acusados.

Os demais ministros seguiriam na mesma linha e votariam apenas sobre os crimes já apreciados por relator e revisor.

Peluso, que se aposenta no dia 3 de setembro, foi homenageado ontem pelos colegas na Segunda Turma do STF, da qual participou pela última vez.
Gilmar Mendes,
Celso de Mello
e Lewandowski elogiaram Peluso, apontado como homem correto e juiz brilhante.
Até Barbosa, que teve vários embates com Peluso, participou da homenagem.

- Quero desejar muita paz, descanso e felicidade - disse Barbosa.

- Nós, neste momento, certamente com uma ponta de tristeza, deploramos esse instituto da aposentadoria compulsória, que faz com que alguém com plena vitalidade tenha que nos deixar - lamentou Gilmar Mendes.

O Globo

"No caso de João Paulo Cunha, deu no que deu." A Viúva e as 'assessorias-photoshop'

O presidente Richard Nixon nunca entendeu por que satanizaram-no por gravar as conversas que mantinha no Salão Oval da Casa Branca. Ele sabia que Lyndon Johnson grampeava seus próprios telefones (salvo aquele em que tratava de negócios); John Kennedy gravava audiências e reuniões; Franklin Roosevelt usava um aparelho do tamanho de um frigobar.

O deputado João Paulo Cunha nunca entenderá por que ministros do Supremo duvidaram da lisura do contrato que assinou com uma empresa privada de comunicação para assessorar a Câmara dos Deputados. Desprezando-se as traficâncias do comissário com o doutor Marcos Valério, o que ele fez muita gente faz.

O ministro Joaquim Barbosa classificou de "prática enviesada, ilícita" a contratação de uma empresa privada para cuidar de um assunto de natureza pública como a comunicação de uma casa legislativa. Deu até o exemplo da assessoria do Supremo Tribunal Federal, que funciona perfeitamente, chefiada por uma funcionária de nível DAS.

A comunicação social da Câmara, de um ministério ou de uma autarquia a cargo de uma empresa privada é uma girafa. Cria portas giratórias e situações em que uma mesma companhia assessora o ministro e grandes fornecedores da pasta.

Ao tempo do tucanato, essa situação era também anárquica. Num ministério, a assessoria privada de comunicação era paga à prestadora de serviços de informática. Quase sempre a colaboração derivava de apêndices de contas de publicidade. Em 2003 a Secretaria de Comunicação da Presidência de Lula era servida por uma empresa privada. Algo como a Petrobras contratar uma distribuidora de combustível.

Eliminou-se o disfarce e hoje esses trabalhos são contratados por meio de licitações específicas.A comunicação social é um serviço público e deve ficar a cargo de funcionários do Estado.Campanhas de publicidade podem ser licitadas, mas a assessoria de imprensa de um ministério, não.

Muitas vezes, a comunicação social privatizada cuida basicamente da imagem do ministro, numa canhestra operação de photoshop político.


Em muitos ministérios, as assessorias oficiais são raquíticas, com salários relativamente baixos, se comparados com os do mercado, mas serviço público não é negócio.
Se um servidor ganha R$ 8 mil dirigindo uma assessoria paga pela Viúva, outro, terceirizado, pode ganhar o triplo. Mais que um ministro, como bem lembrou a ministra Cármen Lúcia no caso do contrato que João Paulo Cunha assinou.

Não se resolve um problema criando outro, maior no custo e pior na qualidade. Admitindo-se que em geral os contratos de "assessoria-photoshop" custem em torno de R$ 10 milhões anuais, um ministério pode gastar mais com a terceirização do que com a máquina pública. Ademais, a assessoria do Estado é estável e preserva a memória da instituição. Nela, é falha funcional passar informações indevidas adiante.

Já a terceirizada tem compromisso apenas com a administração que a contrata e lhe é extremamente difícil erguer um muro que separe o atendimento ao ministro das informações que interessam aos fornecedores.

Tanto os ministros como as empresas contratadas sabem quando o dinheiro da Viúva é gasto em projetos políticos e glorificações pessoais.

No caso de João Paulo Cunha, deu no que deu.


Elio Gaspari O Globo

PERFIL DOS PRÓXIMOS MINISTROS A VOTAR NESTA PRIMEIRA PARTE DO JULGAMENTO!




Colado do Blog :
TÔ VENDO TUDO

O PRECEDENTE QUE PREOCUPA O ZÉ CASSADO


O Supremo Tribunal Federal (STF) já condenou um político acusado de um crime sem que houvesse prova cabal da ocorrência. Levou em conta apenas evidências indiretas e a Teoria do Domínio do Fato invocada pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, no processo do mensalão para apontar a responsabilidade do ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu.

Foi o que ocorreu em setembro do ano passado quando o plenário, por maioria, considerou culpado de compra de votos, formação de quadrilha, estelionato e esterilização irregular o deputado federal Asdrúbal Bentes (PMDB-PA). O parlamentar acabou condenado porque seria o beneficiário de um esquema pelo qual 13 mulheres haviam sido recrutadas para fazer cirurgias gratuitas de laqueadura.

Bentes concorreu a prefeito de Marabá (PA), em 2004, e os crimes envolveram pessoas de sua relação próxima: a mulher, a enteada, o genro e um amigo. Na condição de candidato, ele seria beneficiado eleitoralmente por ter proporcionado o benefício. O deputado terá de pagar apenas pelo crime de esterilização irregular, uma vez que as mulheres fizeram a cirurgia num hospital não credenciado e sem atender às regras legais.

Por esse crime, Bentes foi condenado a três anos, um mês e 10 dias de prisão em regime aberto, além de multa de um salário mínimo. As demais acabaram suspensas porque o STF reconheceu a prescrição. A defesa do parlamentar alegou justamente o que os advogados têm sustentado no processo do mensalão:
não há provas diretas de participação nos crimes descritos pelo Ministério Público.


Para o procurador-geral, não houve como colher provas da participação de Dirceu porque, como suposto mentor dos crimes, ele organizava as ações "entre quatro paredes", mas não deixou digitais ou rastros.

Vencido

Asdrúbal Bentes não é médico, não acompanhou as cirurgias e os depoimentos das vítimas não atestavam a participação dele no episódio. O STF, no entanto, considerou que, em algumas situações, não há como obter evidências relacionadas diretamente aos réus, o que não significa falta de vínculo e participação nos ilícitos.

Foi essa a conclusão do relator do processo, o ministro Dias Toffoli:
"Ainda que não haja comprovação de que o réu tenha feito pessoalmente qualquer oferta às eleitoras e que, sob o crivo do contraditório, nenhuma das testemunhas tenha afirmado haver sido pessoalmente abordada pelo denunciado na oferta para a realização de cirurgias de esterilização, o conjunto de depoimentos coligidos aponta nesse sentido, indicando que o réu foi o principal articulador desse estratagema".

Toffoli teve a concordância do revisor, Luiz Fux, seguidos pelos ministros :
Cármen Lúcia,
Ricardo Lewandowski,
Ayres Britto,
Gilmar Mendes,
Celso de Mello e Cezar Peluso.


O ministro Marco Aurélio Mello foi a única voz dissonante.

Ele votou contra a condenação de Asdrúbal Bentes, deputado no sexto mandato, mas pouco conhecido fora do Pará. O argumento de Marco Aurélio foi justamente o de que não havia provas diretas que envolvessem o parlamentar no crime de esterilização ilegal, previsto no artigo 15 da Lei nº 9.263/96.

Além do aliciamento de mulheres, o deputado foi responsabilizado por estelionato, uma vez que os médicos responsáveis pelas laqueaduras realizaram as cirurgias em hospital não credenciado e as lançaram como outro tipo de procedimento para efeito de ressarcimento do Sistema Único de Saúde.

Marco Aurélio discordou:
"Será que é possível assentar que tinha conhecimento de que o hospital, para lograr o reembolso, utilizava uma fraude por não ser credenciado para a intervenção cirúrgica? Não o é, a não ser que se presuma a prática criminosa, que deve ser demonstrada de forma cabal". Na sustentação oral, como no processo do mensalão relacionado a Dirceu, Gurgel disse que os crimes foram dissimulados e por esse motivo torna-se impossível colher prova direta de sua autoria.

Gurgel, então, sustentou a Teoria do Domínio do Fato, segundo a qual é autor do crime quem tem o poder de decisão sobre o fato. Assim o deputado seria o chefe da quadrilha que contava com pessoas próximas. Segundo o procurador-geral da República, a certeza da autoria deve ser extraída do contexto probatório e da análise conjunta de todas as provas colhidas.

Para Toffoli, não é possível que Asdrúbal Bentes não soubesse o que ocorria. E ressaltou:
"Não se pode admitir que o denunciado desconhecesse tal realidade, até porque, se efetiva concorrência não houvesse, certamente, logo que viesse a tomar conhecimento desses fatos, teria condições de determinar a imediata cessação dessas condutas".

O que foi dito

Confira trechos da discussão do caso do deputado Asdrúbal Bentes (foto), no Supremo

"O delito de corrupção via de regra permite que seus autores, mercê da falta de suficiente lastro probatório, escapem pelos desvãos, em manifesta apologia ao fantasma da impunidade, e com sério e grave comprometimento do processo eleitoral. Bem por isso, vem se entendendo que indícios e presunções, analisados à luz do princípio do livre convencimento, quando fortes, seguros, indutivos e não contrariados por contraindícios ou por prova direta, podem autorizar o juízo de culpa do agente"
Trecho da decisão que condenou o deputado federal Asdrúbal Bentes (PMDB-PA) por corrupção eleitoral, esterilização cirúrgica irregular, estelionato e formação de quadrilha

"Ainda que não haja comprovação de que o réu tenha feito pessoalmente qualquer oferta às eleitoras e que, sob o crivo do contraditório, nenhuma das testemunhas tenha afirmado haver sido pessoalmente abordada pelo denunciado na oferta para a realização de cirurgias de esterilização, o conjunto de depoimentos coligidos aponta nesse sentido, indicando que o réu foi o principal articulador desse estratagema, visando à captação ilegal de votos em seu favor no pleito que se avizinhava, no qual pretendia, como de fato ocorreu, concorrer ao cargo de prefeito municipal"
Ministro Dias Toffoli, relator da ação penal

"Será que é possível assentar que tinha conhecimento de que o hospital, para lograr o reembolso, utilizava uma fraude por não ser credenciado para a intervenção cirúrgica? Não o é, a não ser que se presuma a prática criminosa, que deve ser demonstrada de forma cabal"
Ministro Marco Aurélio Mello, vencido no julgamento ao absolver o deputado por considerar que contra ele não havia prova direta

Data venia/Teoria do domínio do fato

É uma análise da responsabilidade quando não há uma prova direta relacionada ao mentor do crime. Trata do autor intelectual que dá os meios para a concretização do ilícito, controla a ação, sem praticar nenhuma atividade diretamente. Para que tal conduta seja analisada, é necessário avaliar um conjunto de indícios que apontam a autoridade do réu sobre quem pratica as ações criminosas e os benefícios obtidos com o crime.

Ato de ofício

É um ato praticado por funcionário público dentro de suas atribuições que, em geral, provoca algum efeito. Por exemplo, uma multa aplicada por um guarda de trânsito; a liberação de recursos ou assinatura de um contrato por parte de um gestor; a liberação de um alvará de funcionamento pelo administrador. Se a prática ou omissão desse ato for motivada por algum interesse escuso, em troca de vantagem, é caracterizado o crime de corrupção.

Dosimetria da pena

É o cálculo das penas a serem aplicadas em caso de condenação. Leva em conta os prazos mínimos e máximos estabelecidos para cada crime no Código Penal e as circunstâncias do fato, além do grau de culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente e as consequências do crime.

Concurso material

Ocorre quando uma pessoa é condenada a mais de um crime, idênticos ou não. Essas condutas provocam mais de um resultado. Nesse caso, as penas aplicadas são somadas. Na denúncia do mensalão, a Procuradoria Geral da República pediu que o processo seja analisado sob essa ótica, de forma que cada situação seja considerada isoladamente. As penas deverão ser somadas. Exemplo:
Marcos Valério foi denunciado por 65 ações de lavagem de dinheiro.
Em caso de condenação na pena mínima, de três anos, a conta final seria de 195 anos.

Crime continuado

Ocorre quando uma pessoa, por meio de uma ação, pratica dois ou mais crimes relacionados, sendo que um é a continuação do outro. Nesse caso, aplica-se a pena de um dos crimes, se forem iguais, ou a do mais grave, com aumento de um sexto a dois terços. Levando-se em conta o exemplo de Marcos Valério com a imputação de 65 atos de lavagem de dinheiro: com pena mínima, o resultado final seria 3 anos e seis meses. É o que esperam os advogados de defesa no processo do mensalão.

ANA MARIA CAMPOS Correio Braziliense
O precedente que preocupa Dirceu