"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 04, 2015

Acabou a Graça

O buraco em que a Petrobras foi metida pelas escolhas do PT e as barbeiragens de Dilma obrigam a rediscussão do modelo de negócios adotado para o setor de petróleo desde 2007

A impropriedade de manter Maria das Graças Foster na presidência da Petrobras era flagrante há meses. Mas Dilma Rousseff, com sua peculiar inaptidão, a preservou no cargo, sangrando ainda mais a empresa. É mais uma das irresponsabilidades cometidas pela presidente da República contra a estatal, pelas quais ela terá logo, logo que responder.

A saída de Graça do comando da Petrobras - e, segundo algumas versões, também do resto da diretoria e de todo o conselho de administração - pode representar novo alento para a empresa. Mas a simples substituição da presidente e da direção não dará jeito no descalabro que levou a companhia a erigir uma dívida de R$ 331 bilhões e a perder, em apenas cinco meses, R$ 205 bilhões, ou 2/3, de seu valor de mercado.

A Petrobras está vergada sob o peso da corrupção, de um modelo de negócios falido e do fardo regulatório que lhe embaça os horizontes. Dona de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, não tem capacidade para extraí-lo - segundo Graça, com a crise em que a estatal se meteu, a exploração terá de ser reduzida "ao mínimo necessário".

Sob a direção de Graça e o controle direto de Dilma, a Petrobras tem desempenho sofrível perto de suas concorrentes. Desde que as cotações de petróleo mergulharam em todo o mundo, as petroleiras têm tido dificuldades, mas nada que se compare com a empresa brasileira.

Segundo o CBIE, entre setembro e o fim de janeiro, o barril havia caído 44% (nos últimos dias, ensaiou uma recuperação), enquanto a Petrobras perdera 55% de seu valor. Suas principais concorrentes globais resistiram: 
Exxon, Shell e Chevron encolheram, em média, apenas 13%. 
Ou seja, mais do que à crise global, a Petrobras sucumbe a seus próprios erros e aos equívocos da política local.

O fundo do fundo do poço em que a Petrobras foi metida pelas escolhas do PT e as barbeiragens de Dilma suscitam a necessidade de se rediscutir o modelo de negócios adotado para o setor de petróleo no Brasil desde 2007. Não basta apenas profissionalizar a gestão da companhia.

É preciso também acabar com a obrigatoriedade de a estatal participar de todos os consórcios de exploração do pré-sal e ser a operadora única dos poços de águas ultraprofundas. Menos recomendável ainda é perseverar no modelo de partilha e na política de conteúdo nacional que torna os negócios de petróleo no país ainda mais custosos.

Em seu discurso de posse, Dilma Rousseff disse que a Petrobras é vítima de "predadores internos" e "inimigos externos". 
A presidente não precisa dar sequência à sua teoria conspiratória.
 Basta que não faça com o resto do país o que tem feito com a estatal: 
esperar que ela chegue, degringolada, à beira do abismo antes de tomar alguma atitude.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

Recomeça a barganha

Ameaças, por um lado, e acenos com cargos no segundo escalão do governo, por outro, não foram suficientes para evitar a vexaminosa derrota do PT na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados. Mas os inquilinos do Palácio do Planalto só conhecem esse modo de fazer política e, agora, é a vez de exercer pressões e prometer benesses para recompor a tão famosa quanto frágil base de apoio no Parlamento.

A ironia dessa história é que, comprovada acima de qualquer dúvida a influência do deputado fluminense Eduardo Cunha sobre os outros membros da Casa disponíveis para um acordo com o governo, serão agora ele próprio e seu grupo dentro do PMDB que certamente mais se beneficiarão com a distribuição de prebendas com as quais a presidente Dilma Rousseff pretende amenizar as agruras de sua convivência com a Câmara dos Deputados. O PT e a presidente da República, definitivamente, não vivem seus melhores momentos.

Ao aparecer com cara de poucos amigos na solenidade de reabertura dos trabalhos do Congresso Nacional na segunda-feira, o principal arquiteto do desastrado plano de jogar toda a pressão do governo Dilma sobre os deputados para evitar a vitória de Eduardo Cunha, o ministro Aloizio Mercadante, da Casa Civil, anunciou: "A partir deste momento começam as negociações com os partidos para definir o segundo escalão e buscar combinar o critério técnico com o critério político do apoio parlamentar no Congresso".

Explicou ainda o ministro-chefe da Casa Civil que essa nova etapa será realizada "sob o comando da presidente Dilma, ela que vai evidentemente decidir essa distribuição de cargos". Colocada nesses termos a coisa até parece normal. Mas não é.

A articulação política e a formação de alianças fazem parte do jogo democrático. E, embora sejam perfeitamente admissíveis acordos pontuais, a ideia implícita no princípio da aliança política é que ela se construa sobre programas e propostas de governo. Conquistar apoios na base da troca de favores, o chamado toma lá dá cá, como é o caso da distribuição de cargos que Mercadante anuncia, tem outro nome: fisiologismo.

O governo petista, de qualquer modo, já deixara explícita sua intenção, reiterada agora pelo chefe da Casa Civil, de reservar os cargos do segundo escalão para o toma lá dá cá, ao anunciar, em janeiro, que isso seria feito após eleitos os presidentes do Senado e da Câmara. Ou seja, o governo pretendia, como o fez, intervir em questões do Legislativo, tentando aliciar entre os deputados, em troca da promessa de nomeações para cargos públicos, eleitores para seu candidato à presidência da Câmara, o deputado paulista Arlindo Chinaglia.

O ministro Aloizio Mercadante vem agora, sem corar, com a conversa de que o segundo escalão do governo será montado mediante a combinação do "critério técnico da competência com o critério político do apoio parlamentar no Congresso". Como se o que menos tem interessado ao governo da sua chefe Dilma Rousseff - que preside um desastre econômico e administrativo iniciado há mais de quatro anos e parece continuar - não venha sendo a competência técnica dos funcionários que nomeia.

Com a intenção ainda de conferir uma aura de respeitabilidade ao troca-troca, Mercadante garantiu que a operação será realizada "sob a condução" de Dilma. Mais uma vez, não é bem assim. É claro que ela tem a palavra final sobre as nomeações. Mas trata-se de centenas de escolhas que, por mais centralizadora que seja, Dilma não conseguiria fazer sozinha. O que significa que terá de confiar nas indicações de ministros e assessores.

E da presidente em exercício não se deve esperar mais do que ela já demonstrou ser capaz de dar nos últimos quatro anos. Se tentou livrar-se de maus auxiliares no início do seu governo, logo desistiu da "faxina". O padrão administrativo da sua gestão é representado pelo desastre das contas públicas e dos índices econômicos. O padrão ético está sendo revelado no "petrolão".

O Estado de S.Paulo

A indústria arrasada


Devastada no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, a indústria produziu no ano passado menos do que em 2011, quando ela iniciou seu governo, e menos até do que em 2010, último ano de seu antecessor e inventor de sua candidatura. Com a produção deprimida nas fábricas, o setor de energia emperrado e a Petrobrás destroçada pela corrupção e pelos erros administrativos, a economia brasileira entra em 2015 muito enfraquecida e com baixíssimo potencial de crescimento. 

Só em março deverão ser conhecidos os números finais do Produto Interno Bruto (PIB) de 2014, mas os dados da produção industrial já proporcionam uma boa ideia do desastre. O setor ainda é a alavanca principal de dinamismo econômico do Brasil e a fonte mais importante de empregos decentes. Quando fraqueja, como nos últimos quatro anos, o ritmo geral dos negócios é afetado e a economia perde qualidade.

No ano passado, a produção geral da indústria diminuiu 3,2%, segundo informou ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Houve recuo em todas as grandes categorias - bens de capital, bens intermediários e bens de consumo de todas as classes. O desempenho do setor oscilou ao longo do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, mas prevaleceu a tendência de enfraquecimento.

Em 2011, a produção foi 0,4% maior que em 2010. Recuou 2,3% em 2012, cresceu 2,1% em 2013 e voltou a diminuir em 2014. Feito o balanço dos avanços e recuos, a indústria produziu no ano passado 3,05% menos que em 2010. Não foi um acidente, mas o desdobramento normal de um processo de enfraquecimento.

Nesses quatro anos a indústria perdeu mais do que impulso. Perdeu também potencial de crescimento e capacidade de competir. Não foi apenas um período de conjuntura adversa, embora a presidente Dilma Rousseff tenha insistido, o tempo todo, em atribuir os problemas brasileiros à crise internacional. Entre 2011 e 2014, o setor se debilitou por insuficiência de investimento, como também mostram os números divulgados pelo IBGE.

A fabricação de bens de capital - máquinas e equipamentos - aumentou 5% em 2011, diminuiu 11,2% em 2012, cresceu 12,2% em 2013 e encolheu 9,6% no ano passado. Resultado da oscilação: em 2014, o segmento de bens de capital produziu 5,43% menos que em 2010, último ano do segundo mandato do presidente Lula.

Em todos os trimestres a produção de bens de capital para a indústria foi menor que a de um ano antes. Os recuos foram de 3,8%, 8,4%, 3,1% e 1,1%, na comparação de cada período com o trimestre correspondente do ano anterior. Ao longo do ano também diminuiu a fabricação de máquinas e equipamentos para agricultura, transporte, energia, construção e uso misto. Isso se reflete na redução geral do investimento, já indicada nos cálculos do PIB até o terceiro trimestre de 2014.

O quadro se completa com os dados de importação. No ano passado foram gastos US$ 47,71 bilhões com bens de capital importados. Esse valor foi 7,6% menor que o de 2013, pela média dos dias úteis.

O cenário geral da economia brasileira é, portanto, de enfraquecimento. Algum segmento poderá ter tido um desempenho melhor, mas o quadro mais amplo é negativo. O investimento tem sido baixo há muito tempo e a nova queda, em 2014, apenas agravou a tendência à perda de produtividade.

No ano passado, a exportação de manufaturados, no valor de US$ 80,21 bilhões, foi 13,7% menor que a do ano anterior. Parte dessa queda é explicável pela crise argentina, mas a excessiva dependência do mercado argentino também resulta de um erro político.

A balança comercial brasileira de certa forma resume dois conjuntos de erros. Os de estratégia comercial e de diplomacia econômica foram cometidos entre 2003 e 2014. Os de política industrial e de crescimento econômico ocorreram em todo o período petista, mas agravaram-se nos primeiros quatro anos da presidente Dilma Rousseff, com a insistência nos incentivos e nos favores a grupos selecionados. 

Os números da indústria são a prova mais visível do fracasso dessas políticas.

O Estado de São Paulo