"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 01, 2011

O discurso contraditório do governo na área fiscal.


Quem lê a proposta orçamentária para 2012, encaminhada ontem pelo governo ao Congresso Nacional, pode achar que o Ministério do Planejamento não está conversando com o Ministério da Fazenda.

Dois dias antes, o ministro Guido Mantega tinha anunciado a decisão do governo de elevar a meta de superávit primário deste ano em R$ 10 bilhões e de manter, no próximo ano, uma política fiscal sólida, com o objetivo de ajudar o Banco Central a reduzir a taxa de juros.

Menos estímulo fiscal e mais monetário, passou a ser o discurso de Mantega.


A proposta orçamentária, no entanto, fala uma outra linguagem e aponta na direção de uma explosão dos gastos públicos em 2012.

As despesas primárias (não considera o pagamento dos juros e as amortizações das dívidas) deverão aumentar 15,9% no próximo ano, em comparação ao previsto para este ano, segundo a apresentação feita pela ministra Miriam Belchior.

Esse crescimento é superior à expansão nominal do Produto Interno Bruto (PIB) prevista pelo governo para 2012, de 10,4%. Isso significa que os gastos voltarão a crescer em ritmo superior ao da economia, ao contrário do que está ocorrendo este ano.


Em 2012, as despesas vão crescer em ritmo maior que o PIB

Nos primeiros sete meses deste ano, as despesas da União aumentaram 11% em comparação com o mesmo período do ano passado, abaixo do crescimento de 12,1% do PIB, segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

Os gastos do chamado custeio restrito, sem incluir o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), cresceram apenas 7,1%. Com os gastos do MCMV, o custeio cresceu 11,6%, ainda abaixo da expansão da economia.

Esse é o ponto central do ajuste deste ano, que é compatível com a estratégia de fazer com que a política fiscal ajude no controle da demanda agregada da economia e, por conseguinte, da inflação.


Há duas questões que tornam este cenário ainda mais difícil. A primeira é que algumas despesas da União no próximo ano não foram incluídas na proposta orçamentária ou foram subestimadas, o que aponta para um Orçamento ainda mais expansionista quando ele sair do Congresso.

A despesa da União com a compensação aos Estados pela desoneração da chamada Lei Kandir, de R$ 3,9 bilhões, por exemplo, não consta da proposta.

A despesa com pagamento de pessoal aumenta apenas R$ 1,6 bilhão no próximo ano por conta das reestruturações de carreiras, não incluindo reajustes para os servidores do Judiciário, do Ministério Público e nem para o teto salarial, que é a remuneração do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).

É provável que essa conta seja refeita por senadores e deputados.


A outra questão é o aumento da receita da União projetada na proposta orçamentária para 2012. Ela crescerá 12,8% em relação a 2011 - ritmo maior do que o crescimento do PIB.

O governo trabalha com a hipótese de que a receita líquida (das transferências constitucionais para Estados e municípios) chegue a R$ 911,7 bilhões ou 20,09% do PIB.
Este ano, a previsão é de que a receita líquida ficará em 19,72% do PIB.


Essa receita foi estimada com base na expectativa de crescimento de 5% da economia brasileira em 2012, mesmo com a economia mundial à beira de uma recessão.

Alguns bancos e analistas do mercado já estão projetando expansão inferior a 3% para o PIB brasileiro, no próximo ano. Se essa desaceleração mais forte vier a ocorrer, o governo terá ainda maior dificuldade para fechar as contas do Orçamento em 2012 e, obviamente, a meta de superávit primário poderá ser sacrificada, como ocorreu em 2009.


Todos sabem que a peça orçamentária que vale é o decreto que a presidente Dilma Rousseff vai editar, em fevereiro do próximo ano, definindo a programação financeira e orçamentária do governo em 2012.

O Orçamento no Brasil é apenas autorizativo, embora ninguém saiba dizer onde essa determinação está expressa na Constituição. Em fevereiro, a presidente dirá o que vai efetivamente gastar do montante autorizado pelo Congresso.


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A ministra Miriam Belchior garantiu ontem que o governo vai cumprir integralmente a meta de superávit primário de R$ 139,8 bilhões para o próximo ano. "Nosso horizonte é fazer a meta cheia", disse.

Não haverá, portanto, desconto dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso significa que o Orçamento do próximo ano já nasceu, como todos os outros, sob o signo do contingencimento, pois o governo utilizou R$ 25,6 bilhões do PAC para reduzir a sua meta de superávit.

Ele podia ter reduzido até R$ 40 bilhões.


É preciso esclarecer que, nas propostas orçamentárias anteriores, o governo descontou todo o PAC. A proposta para 2011 previa um desconto de R$ 32 bilhões e a de 2010, de R$ 22,5 bilhões.

Sem o desconto, a proposta orçamentária não fecha.

O problema deste ano foi que o discurso a favor de uma política fiscal mais sólida fez crer que a peça orçamentária seria mais realista e elaborada na perspectiva de contenção das despesas.
Não foi.

Essa missão ficará para o decreto de contingenciamento, se, até lá, a disposição do governo neste sentido permanecer.


Ribamar Oliveira é repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras
Valor Econômico

ARRECADAÇÃO EM ROYALTIES : Prejuízo na conta da União .



O governo federal tenta ganhar tempo para evitar um prejuízo maior no debate sobre a divisão dos royalties do pré-sal.

Dois dias depois de a presidente Dilma Rousseff fazer um apelo aos aliados para que não criem mais despesas públicas, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral,
propôs no Senado a criação de um fundo, bancado pela União, para garantir a arrecadação de estados e municípios não produtores de petróleo, até que o novo modelo de distribuição entre em vigor.

Assustado com a ideia, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, reuniu líderes partidários e prometeu que, até a primeira quinzena de setembro, o governo federal fará uma contraproposta.

Antes, o Planalto precisa desarmar outra bomba:
a votação, no Senado, do veto presidencial que impediu a distribuição igualitária dos recursos do pré-sal por todos os estados. O veto só é defendido por Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo.

"O governo sabe que vai perder de lavada. Por isso, tem de construir uma alternativa", afirmou o governador de Pernambuco, Eduardo Campos.

Como essa alternativa ainda está sendo construída, a proposta de Mantega é adiar a votação do veto, marcada para 22 de setembro, por 15 dias.

A sugestão foi levada ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), pelos senadores Walter Pinheiro (PT-BA), Delcídio Amaral (PT-MS) e Renan Calheiros (AL), líder do PMDB na Casa.

"O encontro foi importante para que a União entre no debate. Isso finalmente aconteceu", comemorou o senador Francisco Dornelles (PP-RJ).

Em audiência conjunta das comissões de Assuntos Econômicos (CAE), de Infraestrutura e de Desenvolvimento e Turismo Regional, todas do Senado, os governadores dos estados produtores deixaram claro que não estão dispostos a abrir mão dos recursos.

"Como a União concentra as receitas da atividade de exploração do petróleo no país, recursos que serão ampliados pelo novo modelo, cabe à União destinar os recursos para um fundo de transição", pediu Cabral.

Esse fundo serviria para arrecadar recursos, a serem repassados para os estados não produtores, enquanto a camada pré-sal não começar, efetivamente, a ser explorada, a partir de 2018, e um novo modelo de distribuição entre em vigor.

Campos licitados

Cabral também deixou claro que não aceita mudanças nos contratos já licitados. "Essa alteração traria consequências imediatas para as finanças dos estados produtores", justificou.

Dados apresentados pelo governador fluminense mostram que, somente em 2006, foram arrecadados R$ 21,6 bilhões com royalties e participações especiais de petróleo. Cerca de 45% desses recursos foram destinados ao Rio.

Segundo maior beneficiado pela arrecadação de royalties do petróleo, o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande, apelou para o entendimento, para evitar um cenário de "vencedores e derrotados, algo sempre ruim na política".

Já o governador paulista, Geraldo Alckmin, disse que não há como prejudicar unidades da Federação em detrimento de outras. "Não há como, da noite para o dia, o Rio de Janeiro perder 45% de suas receitas", justificou Alckmin.

Presente no encontro como intruso — ele governa um estado não produtor de petróleo —, Campos lembrou que a postura do Supremo Tribunal Federal é uma incógnita.

Em estudo

Confira as propostas em discussão sobre a divisão dos recursos do pré-sal com os estados não produtores:

Participação especial
» Como é hoje
A União fica com 50% das chamadas participações especiais do pós-sal, os estados produtores ficam com 40% e os municípios produtores, com 10%. Em 2012, essa participação especial representará R$ 4,5 bilhões em 2020.

» Proposta do governador do Rio
Parte dos 50% destinados à União (incluindo os recursos da Petrobras) devem ser distribuídos para estados e municípios não produtores.

Cessão onerosa

» Como é hoje
A União utilizou a cessão onerosa (avaliação do valor) do campo de Franco, uma das áreas do pré-sal, para capitalizar a Petrobras. Foi estimado em US$ 8,50 o barril, o que rendeu aproximadamente R$ 73 bilhões para a estatal.

» Proposta do governador do Rio
Como o governo também terá de fazer a capitalização do campo de Libra, uma fatia — ainda não definida — desses recursos deveria ser destinada aos estados e municípios não produtores.
Fundo social

» Como é hoje
Foi aprovado pelo Congresso que parte dos recursos advindos da exploração do pré-sal devem ser destinados à saúde, educação, cultura, meio ambiente, ciência e tecnologia.

» Proposta do governador do Rio
Uma parte desses recursos — ainda em estudo — seria repassada aos estados não produtores. No caso do Ministério da Ciência e Tecnologia, por exemplo, Cabral propõe que 40% dos recursos arrecadados sejam redistribuídos (R$ 867 milhões em 2020).

Há 60 dias, o STF derrubou dezenas de incentivos fiscais dados por estados para atrair empresas. Agora, elas não sabem como contabilizar essas perdas nem quando os impostos serão cobrados, exemplificou.

Correio Braziliense