Quem lê a proposta orçamentária para 2012, encaminhada ontem pelo governo ao Congresso Nacional, pode achar que o Ministério do Planejamento não está conversando com o Ministério da Fazenda.
Dois dias antes, o ministro Guido Mantega tinha anunciado a decisão do governo de elevar a meta de superávit primário deste ano em R$ 10 bilhões e de manter, no próximo ano, uma política fiscal sólida, com o objetivo de ajudar o Banco Central a reduzir a taxa de juros.
Menos estímulo fiscal e mais monetário, passou a ser o discurso de Mantega.
A proposta orçamentária, no entanto, fala uma outra linguagem e aponta na direção de uma explosão dos gastos públicos em 2012.
As despesas primárias (não considera o pagamento dos juros e as amortizações das dívidas) deverão aumentar 15,9% no próximo ano, em comparação ao previsto para este ano, segundo a apresentação feita pela ministra Miriam Belchior.
Esse crescimento é superior à expansão nominal do Produto Interno Bruto (PIB) prevista pelo governo para 2012, de 10,4%. Isso significa que os gastos voltarão a crescer em ritmo superior ao da economia, ao contrário do que está ocorrendo este ano.
Em 2012, as despesas vão crescer em ritmo maior que o PIB
Nos primeiros sete meses deste ano, as despesas da União aumentaram 11% em comparação com o mesmo período do ano passado, abaixo do crescimento de 12,1% do PIB, segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).
Os gastos do chamado custeio restrito, sem incluir o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), cresceram apenas 7,1%. Com os gastos do MCMV, o custeio cresceu 11,6%, ainda abaixo da expansão da economia.
Esse é o ponto central do ajuste deste ano, que é compatível com a estratégia de fazer com que a política fiscal ajude no controle da demanda agregada da economia e, por conseguinte, da inflação.
Há duas questões que tornam este cenário ainda mais difícil. A primeira é que algumas despesas da União no próximo ano não foram incluídas na proposta orçamentária ou foram subestimadas, o que aponta para um Orçamento ainda mais expansionista quando ele sair do Congresso.
A despesa da União com a compensação aos Estados pela desoneração da chamada Lei Kandir, de R$ 3,9 bilhões, por exemplo, não consta da proposta.
A despesa com pagamento de pessoal aumenta apenas R$ 1,6 bilhão no próximo ano por conta das reestruturações de carreiras, não incluindo reajustes para os servidores do Judiciário, do Ministério Público e nem para o teto salarial, que é a remuneração do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
É provável que essa conta seja refeita por senadores e deputados.
A outra questão é o aumento da receita da União projetada na proposta orçamentária para 2012. Ela crescerá 12,8% em relação a 2011 - ritmo maior do que o crescimento do PIB.
O governo trabalha com a hipótese de que a receita líquida (das transferências constitucionais para Estados e municípios) chegue a R$ 911,7 bilhões ou 20,09% do PIB.
Este ano, a previsão é de que a receita líquida ficará em 19,72% do PIB.
Essa receita foi estimada com base na expectativa de crescimento de 5% da economia brasileira em 2012, mesmo com a economia mundial à beira de uma recessão.
Alguns bancos e analistas do mercado já estão projetando expansão inferior a 3% para o PIB brasileiro, no próximo ano. Se essa desaceleração mais forte vier a ocorrer, o governo terá ainda maior dificuldade para fechar as contas do Orçamento em 2012 e, obviamente, a meta de superávit primário poderá ser sacrificada, como ocorreu em 2009.
Todos sabem que a peça orçamentária que vale é o decreto que a presidente Dilma Rousseff vai editar, em fevereiro do próximo ano, definindo a programação financeira e orçamentária do governo em 2012.
O Orçamento no Brasil é apenas autorizativo, embora ninguém saiba dizer onde essa determinação está expressa na Constituição. Em fevereiro, a presidente dirá o que vai efetivamente gastar do montante autorizado pelo Congresso.
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A ministra Miriam Belchior garantiu ontem que o governo vai cumprir integralmente a meta de superávit primário de R$ 139,8 bilhões para o próximo ano. "Nosso horizonte é fazer a meta cheia", disse.
Não haverá, portanto, desconto dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso significa que o Orçamento do próximo ano já nasceu, como todos os outros, sob o signo do contingencimento, pois o governo utilizou R$ 25,6 bilhões do PAC para reduzir a sua meta de superávit.
Ele podia ter reduzido até R$ 40 bilhões.
É preciso esclarecer que, nas propostas orçamentárias anteriores, o governo descontou todo o PAC. A proposta para 2011 previa um desconto de R$ 32 bilhões e a de 2010, de R$ 22,5 bilhões.
Sem o desconto, a proposta orçamentária não fecha.
O problema deste ano foi que o discurso a favor de uma política fiscal mais sólida fez crer que a peça orçamentária seria mais realista e elaborada na perspectiva de contenção das despesas.
Não foi.
Essa missão ficará para o decreto de contingenciamento, se, até lá, a disposição do governo neste sentido permanecer.
Ribamar Oliveira é repórter especial em Brasília e escreve às quintas-feiras
Valor Econômico
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