"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 03, 2015

Loucuras com o Dinheiro Público

Nunca antes na história o país gastou tanto recurso público para se endividar. O meu, o seu, o nosso dinheirinho foi usado e abusado para reeleger Dilma Rousseff

O governo petista promoveu uma verdadeira farra do boi no ano passado com recursos públicos. O meu, o seu, o nosso dinheirinho foi usado e abusado para reeleger a presidente Dilma Rousseff. O exame dos resultados fiscais revela o tamanho da loucura e da irresponsabilidade.

Comecemos pelo aumento astronômico da dívida bruta do governo, melhor parâmetro para indicar a saúde financeira de um país. Em apenas um ano, a alta foi de 6,7% do PIB. O percentual, porém, diz menos que a cifra correspondente: a dívida cresceu incríveis R$ 504,4 bilhões em apenas 12 meses. Não é assustador?

Considerando os quatro anos do primeiro mandato, a dívida bruta saiu de 53,4% para 63,4% do PIB. Em termos nominais, subiu R$ 1,24 trilhão. A questão que fica é: onde foi parar toda esta dinheirama?

A escalada não deve parar aí: 
segundo o próprio governo, a relação entre dívida bruta e PIB deve subir para 65,2% até o fim deste ano, em função de um monte de esqueletos fiscais que estão sendo tirados dos armários onde foram guardados pela contabilidade criativa de Dilma e seus economistas de segunda linha.

As contas públicas fecharam o ano passado no vermelho, pela primeira vez desde que o país passou a adotar regras mais rígidas de responsabilidade fiscal. Com isso, o déficit nominal atingiu 6,7% do PIB. A maior parte do rombo deve-se a dinheiro gasto para pagamento de juros: em apenas um ano, foram R$ 311,4 bilhões, o maior valor da história.

Só com desonerações tributárias, o governo abriu mão de R$ 104 bilhões. A medida seria até bem-vinda num país de carga tributária recorde. Mas ninguém sabe, ninguém viu aonde foram parar estes benefícios, já que nem mais emprego nem mais renda produziram.

Tudo no desempenho fiscal da petista nos últimos anos é de amargar. Há R$ 226 bilhões lançados em restos a pagar no Orçamento da União para este ano. Ou seja, é como se houvesse um orçamento para o ano e outro vagando paralelo na estratosfera. Contas assim não fecham nunca.

Este verdadeiro descalabro administrativo e financeiro teve sua razão de ser: 
o governo abriu as torneiras dos gastos públicos para manter artificialmente políticas e programas destinados a gerar dividendos eleitorais na campanha pela reeleição de Dilma. A recessão de agora paga a gastança de outrora. 
É assim que governa o PT.

É preciso dar um basta a isso e começar a impor limites mais rígidos ao gasto público e ao endividamento do governo. A propaganda oficial pode até querer convencer a população de que ela sai ganhando quando a despesa aumenta. Mas no fim das contas é o contrário: 
o que sobra para o cidadão é a conta, e cada vez mais salgada.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

A trindade 'impossível' de 2015

O ano começou bem desafiador para a economia brasileira. Normalmente diríamos que estamos diante de uma tempestade perfeita. Mas isso literalmente seria bom se a tempestade viesse com chuvas que enchessem os nossos reservatórios. Digamos apenas que os vários riscos para a economia brasileira se estão materializando.

A economia deve enfrentar escassez de água, racionamento de luz, um legado pior nas contas externas e públicas, o impacto das investigações da Operação Lava Jato e dificuldades políticas. Não por coincidência, as perspectivas de crescimento para o primeiro trimestre e para o ano de 2015 já se encontram em terreno negativo. Com esse começo pior, o que muda nas perspectivas para o ano? 

Certamente torna mais difícil implementar simultaneamente os vários ajustes necessários na economia brasileira. E não são poucos: retomar a credibilidade da política fiscal, atingir o centro da meta de inflação, realinhar os preços administrados, diminuir o déficit externo, eliminar outras distorções existentes e conquistar a confiança para a retomada do crescimento.

Os ajustes são custosos no curto prazo. A retomada da credibilidade fiscal exige aumento da poupança pública, ou seja, corte de despesas ou aumento de impostos; o realinhamento em direção ao realismo tarifário deve elevar a inflação para acima do teto da meta; e a melhora nas contas externas requer uma taxa de câmbio mais depreciada, que afeta a inflação. Sem falar que direcionar a inflação para o centro da meta no ano que vem pode exigir juros maiores.

Nada que não deva (e possa) ser feito. Afinal, o custo no presente é mais do que compensado por ganhos futuros, com a recuperação da credibilidade, o aumento de investimento e a retomada do crescimento. Mas os ajustes econômicos precisam de convicção e apoio político. E quanto maior a dificuldade econômica no curto prazo, mais escassos eles se tornam.

Arrisco dizer que estamos diante de uma trindade impossível na economia brasileira este ano. Talvez não impossível, mas bem desafiadora. A trindade "impossível" consiste em 1) atingir plenamente a meta fiscal, 
2) apertar a política monetária para atingir o centro da meta de inflação no ano que vem e 3) manter o apoio político às medidas econômicas. 
A previsão é de que uma das três não venha a ser cumprida.

As trindades ditas impossíveis têm tradição em economia. São combinações de políticas que os economistas não acreditam que possam ocorrer simultaneamente. Um exemplo clássico é a ideia de que países não podem simultaneamente controlar sua taxa de juros, ter câmbio fixo e liberdade de movimentação de capitais. Quando o câmbio é fixo e o capital é livre para se movimentar entre países, a taxa de juros acaba sendo determinada pelas condições internacionais.

A trindade "impossível" brasileira decorre das condições iniciais piores do que o esperado. O déficit de 0,6% do produto interno bruto (PIB) no ano passado só foi divulgado bem depois de anunciado o compromisso com a meta de superávit primário de 1,2% para este ano. O duro ajuste fiscal de 1% do PIB agora precisa ser de 1,8% para atingir a mesma meta. E a alternativa de não cumpri-la é pior. 

Com a dívida pública bruta alcançando 63,4% do PIB e o déficit nominal em 6,7% (um dos maiores do mundo), é necessário recuperar a credibilidade fiscal e evitar a perda do grau de investimento determinado pelas agências de risco, com o consequente aumento substancial do custo de financiamento do Brasil.

Se o ajuste necessário é mais duro que o projetado, a economia está mais frágil do que era esperado. A fraqueza da economia em dezembro tem impacto no primeiro trimestre deste ano. Com a confiança dos empresários ainda em baixo patamar, a confiança dos consumidores em seu menor nível histórico e os estoques altos na indústria, não há sinais de recuperação no primeiro trimestre deste ano.

Outros fatores contribuem negativamente. No setor de petróleo, os cortes em investimento e a redução na projeção de crescimento da produção vão impactar a atividade econômica. As dificuldades envolvendo algumas construtoras impactarão o ritmo de execução de suas obras de infraestrutura no curto prazo.

Somando tudo, projeta-se uma queda do PIB este ano de pelo menos 0,5%.

E há ainda riscos de racionamento de água e energia para a frente. A fraqueza das chuvas durante janeiro pode levar à necessidade de cortes adicionais no uso de água em importantes centros do Sudeste. Além disso, há o risco de racionamento de energia elétrica. Um racionamento conjunto de água e energia elétrica teria um efeito adicional sobre o crescimento do PIB de pelo menos -0,5 ponto porcentual.

Nesse contexto de atividade fraca, o objetivo da política monetária é outro desafio. O compromisso de fazer o que for necessário para atingir o centro da meta de inflação de 4,5% já no ano que vem é louvável e desejável. Mas pode exigir um aumento ainda maior de juros este ano, enfraquecendo ainda mais a atividade.

A fraqueza da economia não sinaliza necessariamente uma perspectiva favorável na inflação, ao menos na parte da alta que decorre de choques de oferta e aumentos de preços regulados. É provável que a inflação de administrados ultrapasse 10% este ano, levando a inflação para acima do teto da meta. É claro que devemos observar uma desinflação de preços de serviços, mas talvez não na magnitude desejada.

Em condições iniciais piores, o desafio é ter apoio político aos ajustes necessários na economia tanto pelo lado fiscal quanto monetário. Faz todo o sentido o apoio a ajustes que levem a uma recuperação mais rápida. Mas não me surpreenderia se, ao longo do ano, algum ajuste fosse adiado, como o de atingir o centro da meta de inflação já no ano que vem. Aí não seria mais a trindade "impossível".

ILAN GOLDFAJN 

Ilan Goldfajno é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco

Uma enxurrada de aumentos

Com o poder de compra já erodido pela inflação do ano passado, o consumidor teve de enfrentar no começo de 2015 uma enxurrada de aumentos de preços administrados. Represados por longo tempo, alguns por dois anos, esses preços começaram a ser liberados já em 2014, mas a abertura da comporta ainda se prolongará por algum tempo. O efeito da liberação, especialmente sensível no mês passado, está refletido nos primeiros indicadores de preços. O Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S), elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, subiu 1,73% no mês passado e 7,66% em 12 meses. 

O IPC-S cobre um período equivalente a quatro semanas e é atualizado semanalmente. Metade da variação, 0,85 ponto porcentual, foi produzida pelos aumentos de tarifas de ônibus, contas de eletricidade, cigarros e custos de escolas formais. Em 12 meses, a inflação dos administrados chegou a 17,49%, como observou o coordenador das pesquisas de preços da FGV, o economista Paulo Picchetti.

A presidente Dilma Rousseff recorreu amplamente ao represamento de preços administrados na metade final de seu primeiro mandato. Foi uma forma de disfarçar as pressões inflacionárias - truque semelhante ao usado na maquiagem das contas públicas, a chamada contabilidade criativa. A contenção política das tarifas de energia elétrica foi um dos truques mais notórios. Mas o represamento foi bem mais extenso. Já era usado - e continuou em vigor - para os preços dos combustíveis, causando sérios danos ao fluxo de caixa da Petrobrás. 

Além disso, foi estendido, por meio de pressão política, às tarifas de transporte público, administradas por prefeitos e governadores. Um aumento dessas tarifas deveria ter ocorrido em São Paulo em 2013, mas foi adiado depois de protestos e da intervenção da presidente da República. Só recentemente as passagens foram reajustadas.

Em janeiro, o custo da alimentação, o mais importante na formação do IPC-S, variou menos que outros componentes. Entre a primeira e a última quadrissemana do mês, a alta de preços dos alimentos passou de 1,41% para 1,64%. A da habitação, onde se inclui o custo da eletricidade, foi de 1,21% para 2,01%. A de transportes, de 0,8% para 2,39%. A de educação, leitura e recreação, de 0,79% para 4,15%, refletindo a forte correção de contratos sujeitos à indexação.

A inflação oficial, medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), será divulgada na sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O IPCA subiu 0,78% em dezembro e 6,41% no ano passado. No mercado financeiro, a mediana das expectativas para o resultado de janeiro ficou em 0,97% na sexta-feira passada, segundo a pesquisa Focus, realizada semanalmente pelo Banco Central (BC). A pesquisa foi divulgada ontem.

A projeção do mercado é pouco pior que o aumento efetivo registrado nas duas primeiras semanas do mês e mostrado pelo IPCA-15, uma prévia do indicador oficial. A alta nas quatro semanas encerradas em 15 de janeiro ficou em 0,89%. O maior impacto foi provocado pelo aumento de 1,45% dos preços de alimentação e bebidas. O efeito dos preços administrados será provavelmente mais sensível na formação do número final do mês, como no caso do IPC-S.

Na pesquisa Focus, a mediana das projeções para a alta dos preços administrados ficou em 9% na última semana. Quatro semanas antes, estava em 7,85%. Também os dirigentes do BC projetam uma forte elevação desses preços nos próximos meses, como foi indicado na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), responsável principal pelo combate à inflação.

Segundo a pesquisa Focus, o IPCA deve subir 7,01% neste ano, bem acima do limite de tolerância, de 6,5%. Essa expectativa poderá justificar novos aumentos de juros pelo Copom. Além disso, a evolução dos preços dependerá em parte da arrumação das contas do governo. Combinados, o aperto monetário e o ajuste fiscal poderão limitar o contágio dos aumentos de preços administrados e deixar a economia mais preparada para o retorno ao crescimento.

O Estado de S.Paulo