"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

maio 05, 2015

O ARROCHO VAI A VOTO


No pacote petista, sumiu o efeito fiscal e sobraram só as maldades contra trabalhadores e brasileiros que dependem de benefícios sociais. O arrocho de Dilma é rudimentar

Começam a ser votadas hoje no Congresso as medidas provisórias que compõem a espinha dorsal do arrocho recessivo imposto pelo governo do PT aos brasileiros. Caberá ao partido de Lula e da presidente Dilma aprovar, junto com sua base aliada, o pacote de maldades que ceifa direitos trabalhistas e reduz benefícios sociais.

Ao longo das últimas semanas, as duas MPs foram abrandadas por força da resistência imposta pelos parlamentares. A 665, que endurece as regras para concessão do seguro-desemprego e do abono salarial, recebeu 233 emendas e, na semana passada, foi aprovada em comissão mista por 12 votos a 7. Deverá ser a primeira a ser votada em plenário hoje.

As duas MPs foram editadas no apagar das luzes do primeiro mandato de Dilma. Representam a revogação explícita do compromisso que a então candidata petista assumiu com trabalhadores em setembro do ano passado, durante a campanha eleitoral: "Não mudo direitos na legislação trabalhista nem que a vaca tussa".

No caso da MP 665, o tempo mínimo de trabalho para ter direito a receber o seguro-desemprego será agora de 12 meses - hoje não há e o governo propusera que fossem 18. A carência para o pagamento de abono salarial passa a ser de três meses - hoje é um, e Dilma queria seis. O prazo para concessão de seguro-defeso voltou a ser de um ano, e não de três, como queria o governo.

Com as mudanças feitas nas duas medidas no Congresso, a economia fiscal prevista para este ano desabou. Caiu de R$ 18 bilhões para algo entre R$ 7 bilhões e R$ 8 bilhões, segundo estimativas publicadas pela Folha de S.Paulo na semana passada.

Ou seja, no pacote petista praticamente sumiu o efeito fiscal e sobraram só as maldades contra os trabalhadores e os brasileiros que dependem de benefícios sociais providos pelo Estado.

O arrocho fiscal posto em marcha por Dilma e pelo PT - e abençoado por Lula - é rudimentar. Resume-se, na prática, ao corte de benefícios e direitos, ao aumento de tributos e à elevação brutal de tarifas públicas - apenas as de energia já subiram 36% neste ano.

É no bolso dos brasileiros que o ajuste está de fato pesando: de cada R$ 10 da conta do arrocho, os contribuintes pagam R$ 9. De reforma estrutural que remodele e reoriente a atuação do Estado, iniciativa alguma se viu. Sobraram só tesouradas grosseiras: os investimentos sociais desabaram e o dinheiro para educação, como o do Fies, secou.

Não há por que dizer sim a uma política com estas características. A consequência mais visível do arrocho posto em marcha pelo governo petista é a recessão, que apenas começa a se revelar com todas as suas cores dramáticas neste início de ano. Este Mateus foi o PT quem pariu; ele que o embale.


Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

Anestesia sem cirurgia - A crise destrói o país e muda nossas mentes e corações

Ando pelas ruas em busca de entendimento. 
Vejo que as pessoas não massacradas pela miséria estão pensando em alguma saída para o tornado de escândalos que se abateu sobre nossas cabeças. A crise destrói o país e muda nossas mentes e corações. Cada um leva consigo uma forma de melancolia. É a grande neurose nacional do “que fazer?”. E diante de todos se ergue o mistério da solução remota.

Um dos grupos mais comuns é a turma do “precisamos”. 
Eles estão em botequins, em universidades, em jornalistas e comentaristas de TV, em táxis e passageiros. Eles dizem sem parar: “Precisamos de...”

“Precisamos mudar a realidade do país!” — mas ninguém sabe como. Ficou tão visível nosso entulho histórico que “precisamos” fazer alguma coisa. Fazer o quê? Diante da muralha de impossibilidades, como destrinchar o sarapatel de crimes que se emaranham em um nó cego? Como dar conta das chicanas do Judiciário, dos cabelos implantados, das cabeças acaju ou asa-da-graúna; quem vai dar conta do cafajestismo dos donos do poder, quem punirá os conluios públicos e privados, quem vai dar dentes à população, quem vai destrinchar os aditivos de contratos, os ajustes fiscais negados por interesse pessoal, quem vai impedir os assaltos aos fundos de pensão? 

Quem fará? Ninguém sabe, mas nos abrigamos nessa esperança vã.

Andando, vejo que mais adiante estão os “lamentosos,” primos da turma dos“precisamos”. Os lamentosos choram pela grandeza imaginada e perdida, choram pelos sonhos que tinham para um país melhor. Sentem-se traídos pela história política, pela vida. E têm nisso um pequeno lucro: consideram-se bons, dignos sofredores, vítimas de uma grande conspiração invencível. Choram por si mesmos.

Na outra esquina, encostam-se os “pessimistas de carteirinha”. São consolados por uma sabedoria desencantada, pois acham que as vacas já foram para o brejo, que já pulamos da beira do abismo e que “essa porra não tem mais jeito, não”. E afundam em deliciosa depressão.

Nos restaurantes e em apartamentos com vista para o mundo, gargalham os“profetas felizes”, a turma do “eu não disse?”. “Sempre falei isso e ninguém ligava; agora, esta bosta explodiu mesmo!”. A zona geral lhes permite posar de profetinhas. E com desdém, com sorridente desgosto, pedem mais um uísque, felizes, orgulhosos por sua clarividência premonitória.

Nos bancos de praça e nos meios-fios, encolhem-se os “fatalistas” com amarga paralisia conformada: “tinha de ser assim, é assim que é, Maktub”, é a vida, o destino, o que fazer? Tudo estava escrito. E eles suspiram, aliviados pela paz da submissão.

Em cantos escuros e becos, em beiras de calçadas, estão os descabelados, de olhos em pânico, ameaçados pela chuva ácida das notícias. São os que sofrem do “delírio de ruína”, onde tudo que era sólido se desmancha no ar. Caem pedras, caem cometas, caem horrores, caem o PCC, a fome, o Estado Islâmico, as cabeças degoladas, os homens-bomba, as mudanças climáticas — tudo se soma numa massa informe de problemas insolúveis. E ficam desesperados em meio aos escombros: “Estamos perdidos; o mundo acabou logo agora que eu estava melhor de vida. Só falta a Terceira Guerra Mundial!”.

E, por cima deles, nos colóquios, nos seminários, nas universidades, flutuam os discursos de análise política límpidos, a sociologia infalível, a orgulhosa ostentação da verdade. “Nós sabemos a verdade: podemos simplificar tudo em fórmulas quase matemáticas. Está tudo claro em nossas teses de doutorado. O problema é que o Brasil não se curva às nossas teses...”.

Temos uma nova raça também: os “neoantipetistas”, os caras que já sacaram que Dilma virou Judas em sábado de aleluia, querem sair fora e faturar uma neo-oposição para ganhar prestígio entre os que, antes, eles chamavam de“neoliberais.” Os pais desse movimento que se espraia são os dois presidentes do Congresso, tranquilos, apesar de acusados pela Justiça. É a maravilhosa tropa de ratos pulando do navio.

E o “pavilhão dos narcisistas”? Acham que a crise é contra eles. “Sabe o que mais? Não quero saber dessa merda toda, vou me fechar em mim mesmo, curtir a vida, graças a Deus tenho uma graninha para ir para Miami. Poluíram meus sonhos de plenitude; o país estaria salvo se fosse igual a mim...”.

Temos, principalmente na Academia, o bando dos“hegelianos do barulho”, que proclamam que tudo de ruim que acontece não passa de uma “contradição negativa” que nos levará a uma síntese de harmonia. Todos os crimes são o prenúncio de uma era de vitória do “geist”, do fim da História, da qual eles se acham os agentes. Não sabem que tudo que é real é irracional. São felizes — para eles, a desgraça é a véspera da luz.

Temos também os “saudosos de porrada”, que clamam pela volta da ditadura. Anseiam pelo simplismo verde-oliva, a solução na base do “bota para quebrar, tem mais é que fuzilar essa putada corrupta!”. Comum em motoristas de táxis e milionários indiciados pela Justiça.

Temos os corruptos indignados:
 “que país é esse?”, sem esquecer os “enojados e os entediados”. Reclamam: “Ai, que horror, não consigo nem ver essa lama escrota, esse chiqueiro” Ou: ”Ai, que saco, não aguento mais denúncias de corrupção… coisa chata... nem leio mais jornais”.

Outra maravilha psíquica são os pelotões dos meio-intelectuais meio de esquerda, meio artistas que veem toda a catástrofe em volta, mas continuam crendo nos slogans e delírios dos neobolivarianos. É a multidão do autoengano, que não muda de opinião, a turma do “mesmo assim”:
 “Sei que está tudo uma bosta, mas, mesmo assim, continuo crendo na ideologia do‘lulo-socialismo’”. É a fé: “Creio porque é absurdo”.


E temos o perigo da “pizza da sociedade”. Por causa do congestionamento dos escândalos, tantos que parecem uma enchente sem foz, a sociedade pode vir a se acostumar com nosso eterno erro histórico e, congregando os biótipos relatados acima, podem formar a intragável pizza da sociedade. Ou seja, como disse uma vez M.H. Simonsen, se essas neuroses permanecerem, seremos para sempre um país “com anestesia, mas sem cirurgia”.

Arnaldo Jabor

O ASQUEROSO ! Luiz Inácio e as elites - " Luiz Inácio Lula da Silva é hoje um homem rico, um destacado membro da elite brasileira ".

Luiz Inácio Lula da Silva é hoje um homem rico, um destacado membro da elite brasileira - se se definir assim pessoas de posses que dedicam boa parte de seu tempo a voos de primeira classe ou jatinhos executivos, hospedagem em hotéis de luxo ou, para o lazer, em mansões de amigos -, fruidor, entre outras coisas, de apartamento tríplex no Guarujá e aprazível e bem equipado sitio em Atibaia. Mas os tempos andam difíceis para tudo o que Lula representa politicamente. Então é hora de exercitar o velho discurso de ataques às "elites", da qual fazem parte a imprensa livre e quem mais ouse mostrar que o rei está nu.

Lula exerceu dois mandatos presidenciais e é inegável que nos seus oito anos de governo o País obteve importantes conquistas sociais e econômicas. Um chefe de governo não faz nada sozinho, sem o apoio e a cooperação da sociedade. 
Lula teve o mérito de conduzir o processo.
Lula tem responsabilidade também sobre o que veio depois dele. 
E depois dele vieram a incompetência de Dilma Rousseff e, principalmente, os efeitos negativos de uma política econômica populista e o escancaramento - a Petrobrás que o diga - das práticas políticas nefastas que implantou e estimulou em nome da "governabilidade". Em português claro: 
a corrupção endêmica. Ninguém pratica a corrupção sozinho. 
Lula teve o demérito de assistir ao processo.
Os próprios petistas e seus apoiadores sabem disso.
 Não o admitem explicitamente, mas escudam-se no argumento falacioso de que é impossível governar sem fazer concessões a um "sistema" que é essencialmente corrupto. Então, a verdadeira opção do PT diante da corrupção foi aderir a ela e não combatê-la "sem tréguas", como repetem Dilma Rousseff em seus discursos e o PT em sua propaganda. Lula nem se dá ao trabalho.

É nesse cenário que se encaixa a retórica maniqueísta de que o País se divide entre o bem e o mal, "nós" e "eles". E como o partido do "nós" está precisando de um salvador da Pátria, em sua arenga comemorativa do 1.º de Maio Lula não se encabulou de colocar sutilmente a questão de sua volta à Presidência: 
"O que me deixa inquieto é o medo que a elite brasileira tem que eu volte à Presidência. É inexplicável, porque eles nunca ganharam tanto dinheiro na vida quanto no meu governo". 

Nem todo mundo, é claro, mas quem ganhou, ganhou para valer, como a sucessão de escândalos está aí para comprovar.

E como o País precisa de alguém com grande valentia para domar a atual crise, Lula expôs, como de hábito, suas credenciais:
 "Estou quietinho no meu lugar, mas estão me chamando para a briga e sou bom de briga. Eu volto para a briga". Está, como se vê, obcecado pela ideia da "volta". Quanto à sua criatura, Dilma Rousseff, que não teve coragem de gravar o tradicional pronunciamento presidencial do Dia do Trabalho, Lula foi compreensivo: 
"A gente tem que ter paciência com a Dilma, como a mãe da gente tem com a gente. Ela foi eleita para governar quatro anos. Esperem o resultado final do governo". Quer dizer: fiquem todos bem comportados, como um rebanho de ovelhas, que tudo se resolve. Se não, ele volta e dá um jeito.

Os argumentos de palanque de Lula são tão falsos quanto uma nota de três reais. Assim o são também aqueles expostos na propaganda partidária do PT veiculada na mídia eletrônica. Por exemplo, o de que o atual governo colocou mais gente importante na cadeia do que qualquer outro. Não é verdade. Quem investiga e pune criminosos não é o governo do PT, são as instituições do Estado. 
O governo do PT tem é fornecido um monte de criminosos importantes.

Alegam ainda os petistas que seu governo possibilitou, a quem antes não podia, viajar de avião, comprar carro, morar em casa própria. De fato, a política econômica populista focada no crédito fácil para o consumo produziu de imediato efeitos positivos. Mas foi uma das responsáveis pela gastança desenfreada do governo, que descuidou do controle de suas contas e de administrar as prioridades de investimentos de infraestrutura em benefício do bem comum. 

O resultado é que a economia brasileira está à beira do abismo e, pressionada pela queda do nível de emprego, dos salários e da crescente inadimplência, a classe média começa a despertar do sonho efêmero das prestações mensais a perder de vista. Nem todos da perversa elite são culpados por isso.

O Estado de São Paulo