"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 24, 2011

"VALE TUDO" NA OBSESSÃO POR ASSENHOREAR : É A BURGUESIA PETRALHA A TODO VAPOR.

Há algumas semanas, começou a circular no noticiário a informação de que o Palácio do Planalto quer apear Roger Agnelli da presidência da Vale. Soube-se agora que o emissário da causa é nada menos que o ministro da Fazenda de Dilma Rousseff. A mão peluda do Estado glutão está sendo estendida sobre a maior empresa do Brasil.

A participação direta de Guido Mantega na operação veio à tona ontem, divulgada por O Estado de S.Paulo. Desenvolto, ele procurou o presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro Brandão, para capturá-lo para o pleito do governo. O banco detém 21% de participação na Valepar, holding que controla a Vale. Somada às fatias dos fundos de pensão e do BNDESPar, permitiria ao grupo fazer o que bem entendesse na empresa.

"O governo quer na Vale alguém mais alinhado com seus interesses e disposto a seguir uma programação planejada por Brasília", informou o jornal. Em suma, quer transformar a maior produtora de minério de ferro do mundo e segunda maior mineradora do planeta num feudo do Estado, como era no passado. Um abismo separa a empresa de outrora da atual.

A Vale foi privatizada em 1997. De lá para cá, viveu uma trajetória de mão única: para o alto e avante. Tome-se o lucro da companhia como exemplo do que ocorreu desde então: saiu de R$ 500 milhões em 1996 para R$ 30,1 bilhões no ano passado. O número de empregados da empresa mais que triplicou nestes 15 anos.

Nos 53 anos anteriores à sua privatização, ou seja, desde sua fundação, em 1943, até 1996, a então Companhia Vale do Rio Doce investiu, em média, US$ 481 milhões. Privatizada, o patamar médio saltou para US$ 6,1 bilhões anuais. Só neste ano de 2011, a Vale pretende investir US$ 24 bilhões no Brasil e no exterior.

Além dos empregos gerados, o retorno direto da Vale privatizada para a sociedade brasileira vai além: desde 1996, o recolhimento de impostos passou de US$ 31 milhões para US$ 1,1 bilhão por ano. No mesmo período, as exportações da companhia saltaram de US$ 1,1 bilhão para os US$ 24 bilhões verificados no ano passado - sozinha, ela gera superávit comercial maior do que o brasileiro.

O pretexto dos petistas para intervir na Vale é que ela não seguiu as vontades de Lula, que queria vê-la investindo em siderurgia no país. Se tivesse seguido os conselhos do sábio ex-presidente, a mineradora teria ido para o buraco: o país tem hoje capacidade ociosa em aço, tendo chegado a desligar seis altos-fornos em 2009. Ao mesmo tempo, há mercado abundante no mundo para matérias-primas como o minério de ferro e outros minérios produzidos pela Vale.

Na realidade, o governo do PT quer fazer a Vale voltar a ser algo parecido com o que são hoje os Correios, a Eletrobrás, a Petrobras e outras tantas estatais transformadas em capitanias políticas. "Se o governo for bem sucedido no primeiro momento, depois virão os outros cargos, as chefias intermediárias e aí a Vale vai se tornar um bom e apetitoso pasto para os indicados políticos como são algumas estatais brasileiras", comenta Miriam Leitão.

Dos Correios, uma das caixas-fortes do mensalão nem vale a pena falar. Na Petrobras, o custo das incertezas e da ingerência política tem se refletido diretamente no valor de mercado da companhia: desde o anúncio do novo marco legal do setor, em agosto de 2009, o preço das ações só fez cair e alguns bilhões de reais evaporaram.

Já a Eletrobrás teve expansão acelerada no governo Lula, dentro da mesma ótica de gigantismo estatal que leva agora a gestão Dilma a avançar sobre a Vale. A consequência é que, conforme revela a Folha de S.Paulo em sua edição de hoje, a companhia já identifica "um quadro de descontrole 'preocupante' sobre as suas participações societárias em projetos de geração e transmissão de energia e em outras empresas". Hoje, a Eletrobrás participa, junto com suas subsidiárias, de 88 projetos, entre os quais as problemáticas hidrelétricas de Jirau, Santo Antônio e Belo Monte.

Em 2009, o deputado Ivan Valente, do PSOL, apresentou proposta para realização de um plebiscito para discutir a "retomada do controle acionário da Vale pelo Poder Executivo". A proposta foi rejeitada numa das comissões da Câmara com parecer contrário do deputado José Guimarães, do PT do Ceará.

É o seguinte o que ele escreveu sobre a proposta:

"(A privatização da Vale) Foi passo fundamental para estabelecer uma estrutura de governança afinada com as exigências do mercado internacional, que possibilitou extraordinária expansão dos negócios e o acesso a meios gerenciais e mecanismos de financiamento que em muito contribuíram para este desempenho e o alcance dessa condição concorrencial privilegiada de hoje. De fato, pode-se verificar que a privatização levou a Vale a efetuar investimentos numa escala nunca antes atingida pela empresa".

Os petistas adoram demonizar as privatizações e amam alimentar o conflito entre Estado e iniciativa privada. Já tiveram oito anos para, caso quisessem, reverter este exitoso processo. Mas teriam de fazer isso às claras, consultando a sociedade. Mas jamais o fizeram, a despeito das várias oportunidades para tanto. Este processo não tem mais volta. Não se retrocede uma conquista tão grande para o país na calada da noite.

Fonte: ITV

O DESCRÉDITO DAS CONTAS FISCAIS : "NÃO SERÁ A CURIOSIDADE A MATAR O GATO, MAS A ESPERTEZA".OBSCURANTISMO!

Tem sido alvo de críticas a gestão criativa aplicada às finanças públicas federais. Mais especificamente, a compra de ações da Petrobras pelo governo federal, tendo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como intermediário, o que serviu para encobrir despesas fiscais no valor de R$ 25 bilhões.

Esse estratagema não tem sido o único na deturpação do sentido econômico das contas públicas. A gestão dos Restos a Pagar tem tornado ilegíveis os valores de déficit e superávit.

As ações de governo não pagas no exercício são registradas para serem pagas em anos posteriores. Por isso, a denominação de Restos a Pagar. Deve se esclarecer que os pagamentos são efetuados com os recursos arrecadados no exercício fiscal em curso.

Um exemplo do problema.
No caso de ações orçamentárias executadas em 2011, que não venham a ser pagas, dois eventos simultâneos ocorrem. Todos os efeitos macroeconômicos se desenvolvem.
E tudo terá sido financiado pelos fornecedores, com capital próprio ou de terceiros.

Em 2010, as despesas voluntárias empenhadas totalizaram R$ 186,5 bilhões (5,1% do PIB). Se esse montante viesse a ser integralmente registrado como Restos a Pagar, nenhum pagamento seria feito. Como o Tesouro Nacional só registra despesas que tenham passado no "caixa", os 5,1% do PIB seriam considerados como poupança primária. Ou seja, ajudariam a encorpar o superávit primário, por ausência de despesa.

Segundo, os Restos a Pagar - também denominados Dívida Flutuante -, no valor de R$ 186,5 bilhões, deveriam ser captados pelos registros que compõem o cálculo do déficit, na qualidade de novo passivo público federal. Se assim fosse, o cálculo do primário feito pelo Banco Central (abaixo da linha) apontaria a elevação da dívida em 5,1 pontos de percentagem do PIB, corrigindo as contas de "caixa" feitas pelo Tesouro.

Mas isso não ocorre.
Parte dos Restos a Pagar é, de fato, registrada como dívida no balanço patrimonial da União (os classificados como "não processados" não são, sequer, dívida). Contudo, Restos a Pagar não caracterizam dívida financeira e, portanto, não são captados no cálculo do déficit. Consequência: pressão de demanda, associada a possíveis tensões inflacionárias, sem que as estatísticas fiscais indiquem as causas do fenômeno.
(...)
A consequência prática do não reconhecimento das variações da dívida flutuante na apuração dos resultados fiscais do Governo Central tem sido a superestimação de superávits primários, que é o que parece vir ocorrendo desde 2007 com os aumentos recorrentes dos saldos de Restos a Pagar.
Em média os superávits primários registrados pelo Banco Central teriam sido 0,7 pontos percentuais do PIB superiores aos respectivos valores efetivos se computadas as variações da dívida flutuante.

Os saldos são brutos (valores processados e não processados). Por isso, seria necessária investigação detalhada para isolar-se aquilo que de fato tem características genuínas de dívida flutuante. Em suma, nossos números de dívida flutuante estão superestimados. Isto, entretanto, não invalida o exercício, que evidencia a crescente opacidade das estatísticas fiscais e a dificuldade de sua interpretação.

O outro problema se refere ao "orçamento paralelo" que emerge de Restos a Pagar vultosos, uma vez que a sua liquidação financeira se faz com a arrecadação do exercício em que são efetivamente pagos. Um valor é aprovado no orçamento de 2011. Entretanto, a tabela mostra que há R$ 128,7 bilhões de saldo de Restos a Pagar que potencialmente podem vir a ser pagos ao longo de 2011, ou pelo menos uma parcela deles.

Não há regras objetivas a serem atendidas, mas certamente parte dos recursos arrecadados em 2011 custeará uma fração daqueles R$ 128,7 bilhões, que não se sabe qual é; a execução orçamentária de 2011 por sua vez postergará para exercícios subsequentes o pagamento de ações de 2011.

Deve-se mencionar que a média anual dos valores efetivamente pagos nos últimos quatro exercícios alcançou o montante não desprezível de 1,33% do PIB.
Conclui-se com uma preocupação.
A "criatividade" na gestão das contas públicas oblitera o significado econômico dos resultados fiscais.
Pelo desenrolar da modernidade, pode-se substituir o ditado:
não será a curiosidade a matar o gato, mas a esperteza.


Carlos Eduardo de Freitas e Felipe Ohana são economistas
Valor Econômico