"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

julho 22, 2012

O TEMPO É SENHOR DA RAZÃO II ! GERENTONA? CADÊ?

Não deu outra:
o governo produziu um surto grevista no serviço público federal. Estão paradas, há dois meses, 56 universidades federais, e há funcionários em greve em pelo menos 15 repartições de 26 estados. Chegou-se a essa situação porque a doutora Dilma e seus comissários acharam que podiam enfrentar as reivindicações com onipotência e embromatina.

O surto começou em junho com a greve dos professores de universidades federais. Era uma paralisação parcial, e o governo disse que o problema deveria ser negociado no Ministério do Planejamento, onde a comissária Miriam Belchior informava que não trataria com grevistas. Era o Modelo Scania. Em 1978 ele produziu um surto grevista no ABC de São Paulo e dele emergiu um sujeito chamado Lula.

Ao escolher esse caminho, a doutora Dilma cometeu uma imprudência semelhante à do industrial que, diante de uma greve, manda o assunto para uma discussão entre o sindicato e a diretoria financeira da empresa. De lá, só sai uma resposta: não há dinheiro. A onipotência ruiu numa sexta 13, quando a comissária Belchior apresentou uma proposta aos grevistas. Em quase todos os casos, além de aumentos salariais, os servidores querem planos de carreira prometidos e jamais apresentados.

O comissariado do Planalto quer a coisa (acabar com a greve) e seu contrário (preservar a incolumidade política dos ministros cujas áreas são afetadas pelo movimento).

Aí entra a embromatina.
O ministro da Educação sumiu.
O da Saúde emudeceu, com servidores da Anvisa parados e com a Funasa parcialmente paralisada.
O do Trabalho não se sabe onde está.
O comissário dos movimentos sociais, Gilberto Carvalho, passou por perto, afastou-se e reapareceu, falando em "equacionar as contas", sem que se saiba o que isso quer dizer.

Com as greves espalhadas pelas agências reguladoras, pelo Incra, pelo IBGE e em pelo menos seis ministérios, somando algo entre 150 mil servidores, segundo o governo, e 500 mil, segundo os grevistas, o Planalto soltou o espantalho da crise econômica refletida no pibinho. É um truque velho. Generaliza o problema com o propósito de não discutir a pauta específica.

A crise europeia nada teve a ver com o engavetamento dos planos de carreira dos professores universitários brasileiros. Se um servidor do Judiciário está sem aumento há três anos ou espera pelo plano de carreira há outros tantos, essa argumentação chega a ser desrespeitosa. Ele pode até discordar da extensão das reivindicações do sindicato, mas não quer ser tratado como bobo.

Foi Miriam Belchior quem travou as negociações?
Mercadante ficou longe?
Padilha se manteve calado?

Tudo isso é verdade, mas só aconteceu porque a gerentona Dilma Rousseff desenhou uma estratégia cataléptica que estimulou as greves e acrescentou um desnecessário elemento de tensão. Dificilmente Lula tomaria esse caminho, parecido com o dos generais ou com a severidade de Fernando Henrique Cardoso na greve dos petroleiros de 1995.

Na última opção preferencial pela embromatina, o Planalto ameaça cortar os salários dos grevistas. Nem Ronald Reagan, o exterminador de sindicatos, seria capaz de deixar 55 mil professores sem dois meses de salários. Se a ameaça fosse séria, teria eficácia em junho. É uma parolagem sempre repetida, jamais cumprida.

Exatamente por isso, as greves no serviço público são duradouras e no setor privado são breves.

Élio Gaspari O Globo

O TEMPO É SENHOR DA RAZÃO ! EIS A "PRIVATARIA PETRALHA" OU SEJA : SAINDO DO ARMÁRIO.

Primeiro foram os aeroportos, depois os portos e refinarias. Agora vem um pacote para aprofundar o processo de concessões para o setor privado e ressuscitar o PAC.
Depois de um surto intervencionista, o governo percebeu que é impossível crescer de forma sustentada sem investimentos em infraestrutura e muito menos sem capital privado.


Finalmente o PT rendeu-se ao óbvio e abraçou a agenda das privatizações de vez. O problema é que o faz de forma encabulada, tentando fingir que não faz o que faz, e nisso acaba fazendo malfeito.

A verdade é que a privatização nunca foi abandonada. Mudou de forma e foi redesenhada, refletindo circunstâncias econômicas e preferências governamentais, mas nunca deixou de acontecer ao longo dos últimos 20 anos.

A desestatização começou em setores industriais, para depois incluir concessões públicas possibilitando o país cumprir uma agenda de investimentos que o Estado, por falta de recursos e restrições institucionais e políticas, não podia fazer sozinho.

As formas de venda também variaram ao longo do tempo:
moedas de privatização foram aceitas no início, depois veio a participação do BNDES e dos fundos de pensão.

Em muitos casos a privatização foi integral, em outros, empresas estatais mantiveram participações minoritárias nas empresas privatizadas. O fato é que, de Collor a Dilma, o reposicionamento do Estado na atividade econômica nunca parou.


Acontece que o governo petista ficou por muito tempo aprisionado por um discurso eleitoral que satanizava as privatizações. Demorou a sair do armário e mesmo assim continua envergonhado de um processo que só traz benefícios ao país.

O grave, no entanto, não é a retórica da política, mas as falhas efetivas da privatização petista.


Primeiro, o processo de privatização petista peca por falta de planejamento.
Vende concessões isoladamente sem pensar no setor, como nos aeroportos. Não há um plano de setor aeroportuário, apenas uma venda de ativos premida pela necessidade de melhorar a infraestrutura até a Copa do Mundo.

Processo oposto ao das telecomunicações, quando toda a prestação do serviço foi redesenhada através de uma Lei Geral e uma agência reguladora específica foi criada.

O setor de petróleo foi redefinido sem a análise e o debate necessários, embarcando em um modelo de exploração do pré-sal que, combinado com a política de conteúdo local, deixa a Petrobras numa armadilha e paralisada.


Segundo, erra na falta de critérios para qualificar os participantes dos leilões.
O próprio governo tentou pressionar pela mudança dos consórcios já nos dias seguintes à privatização em Belo Monte. Se o consórcio não era sólido o suficiente para ganhar o leilão, por que não foi impedido de participar na pré-qualificação?


Terceiro, ficou refém do populismo.
Muitas concessões de rodovias feitas no governo Lula não tiveram seus compromissos de edital realizados porque o pedágio não cobre os custos. E aí volta a velha prática de aditivos e ajustes no contrato.

No setor elétrico, o baixo custo obtido nos leilões, apregoado como vitória política, é compensado por um elevado financiamento público, cujos critérios mudam a cada leilão, para não falar de mudanças do combustível original e dos titulares dos contratos, em completo desacordo do que se espera de um processo de licitação impessoal e transparente.

Aos poucos este governo vai tomando consciência que o barato sai caro.
Não há almoço grátis:
ou paga o usuário ou paga o contribuinte.


Quarto, o governo petista politizou as agências reguladoras e tirou do Cade o poder de avaliar riscos à competição nas licitações públicas.
Por fim, a expressiva participação de estatais para disfarçar a privatização, como a Infraero, não permite um choque na gestão nem ganhos fiscais.


Para dar mais competitividade à indústria o melhor a fazer, além de redução de impostos e juros, é melhorar a infraestrutura do país. Para isso, é preciso sair do armário de vez:
planejar a privatização dos setores de infraestrutura, aprimorar os critérios de qualificação dos consórcios e fortalecer as agências reguladoras.

E claro, governar com a realidade e não com a ideologia dos palanques.
Ou seja, acabar com os malfeitos.


ELENA LANDAU é economista e advogada.

EM REPÚBLICA TORPE... UM MUNDO OBSCURO

A Petrobras sozinha investe mais do que todo o governo federal. E ela é apenas uma das estatais brasileiras. Seus investimentos não são informados através de nenhum portal, mas sim, de uma portaria, que sai sempre com atraso.

Uma zona de sombra também cobre as decisões do BNDES, que virou uma espécie de orçamento paralelo sem transparência e que não passa pelo Congresso.
É mais fácil acompanhar gastos do governo do que de suas empresas.

A Lei de Diretrizes Orçamentárias vinha informando, nos últimos anos, que a sociedade civil tinha direito de ter acesso ao Siafi, Sicomv e Siest. Essas três siglas cobrem as despesas da administração direta, os convênios feitos e os gastos das estatais.

Apesar dessa declaração, os que buscavam informações não tinham acesso fácil, mas, pelo menos, estava lá escrito na LDO. Este ano, a frase sumiu. O governo argumentou que a Lei de Acesso à Informação dá automaticamente esse direito.

Parece retrocesso.
E é.
Por isso, o senador Cristovam Buarque incluiu, de novo, a frase que tinha sido suprimida. Segundo Gil Castello Branco, do site Contas Abertas, ela é fundamental, porque o acesso a determinados dados tem sido difícil. Sem a frase, seria pior.

Com base na Lei de Acesso à Informação, Castello Branco pediu dados do Programa de Dispêndios Globais da Petrobras até abril. Por escrito, a estatal respondeu que essa informação não está dentro do rol do que ela tem que informar pela lei.

Curiosamente, o Ministério do Planejamento forneceu o PDG da Petrobras, quando foi acionado. A cultura da obscuridade sobre os gastos feitos pelos vários braços do Estado é antiga e vai demorar a mudar.

- Eu posso saber o que a presidência da República comprou ontem, mas não sei, no fim de julho, quanto as estatais investiram durante o primeiro semestre - disse Gil.

O BNDES vive hoje de dinheiro do governo, fruto do endividamento.
Por isso, a preocupação da transparência e do cuidado no uso dos recursos deveriam ser dobrados. O jornal "Valor Econômico" mostrou quanto seria a perda do banco, se vendesse hoje suas participações em três frigoríficos: R$ 2,5 bilhões.

As ações da BR Foods se valorizaram, as quedas foram no JBS e na Marfrig, sendo que o primeiro abocanhou 80% dos R$ 10 bilhões usados pelo banco na compra das ações. Isso sem falar nos empréstimos.

Na conta feita pelo "Valor" não entrou o que o banco perdeu ao virar sócio do Independência, que faliu meses depois.

A perda calculada pelo jornal é hipotética, claro, porque só se realizaria se as ações fossem vendidas hoje, mas o prejuízo pode até ser maior se calcularmos o custo de oportunidade. E se esses R$ 10 bilhões, em vez de serem usados para comprar participação em frigorífico ou financiar compra de frigoríficos no exterior, fossem usados em projetos com retorno para toda a sociedade?

Mesmo quando investe em infraestrutura, pairam dúvidas sobre as escolhas e a forma de comunicar as liberações. Dias atrás escrevi que só com a invocação da Lei de Acesso, apresentada pela International Rivers, o BNDES contou que havia dado um segundo empréstimo-ponte para a Norte Energia, construtora de Belo Monte, de R$ 1,8 bilhão.

Publiquei o fac símile de um trecho do documento do Ministério Público ao Banco Central sobre esse crédito, no qual o MP considera que não foi feita a devida análise de risco.

A Norte Energia enviou uma carta ao jornal, protestando contra a coluna. A carta foi publicada. Nela, a empresa dizia que as concessões dos empréstimos "seguiram as boas práticas de transparência e publicidade e foram, oportunamente, divulgadas em jornal de grande circulação nacional".

E que isso talvez "pudesse eliminar a necessidade de a jornalista se pautar por informação de uma ONG internacional". A propósito, como esclareci abaixo da carta, recebi as informações de autoridades brasileiras.

O curioso é que o empréstimo foi concedido em fevereiro, mas o "oportunamente" da Norte Energia só ocorreu em 7 de julho, num comunicado publicado no "Valor Econômico" em letra miúda de quebrar olhos. Quem for, com lupa, encontrará escondida na linha 71 do comunicado a informação de que a empresa recebeu "colaboração financeira" do BNDES de R$ 1,8 bilhão.

É fundamental uma mudança de atitude das estatais e de suas sócias que usam dinheiro público. Para completar o quadro de opacidade, esta coluna perguntou ao Ibama na segunda-feira sobre a multa, de R$ 7 milhões, aplicada em fevereiro à Norte Energia por descumprimento do Projeto Básico Ambiental.

O BNDES afirma ter por norma só emprestar para quem está com suas obrigações ambientais em dia. O Ibama não respondeu. Insistimos por escrito na quinta-feira pela manhã. Queríamos saber se a empresa havia sanado o problema ambiental que levou à aplicação da multa.

Eles disseram que a "solicitação estava com a área técnica".
E até sexta, nenhuma resposta.

O BNDES dá uma "colaboração financeira" de R$ 1,8 bilhão a uma empresa multada pelo Ibama por descumprimento de projeto ambiental, e o Ibama não consegue dizer se o problema foi resolvido ou não.

É um mundo obscuro.

Míriam Leitão O Globo