"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 15, 2014

Os verdadeiros cupins da Petrobras e Torturando os números

Dilma Rousseff finalmente falou sobre os escândalos na Petrobras. 
E o fez como um boneco teleguiado, instruída pelo seu tutor e orientada pelo marketing. Ela deveria ter apontado o dedo acusador para os verdadeiros culpados: os cupins que o PT instalou na estatal e que vêm carcomendo suas entranhas. Deveria ter prestado contas sinceras, ao invés de falsear números até que eles confessem o que quer o governo – como tem se tornado praxe na atual gestão.

Depois de semanas de silêncio, Dilma Rousseff resolveu ontem falar sobre a Petrobras. Sob orientação de seu tutor, apontou seu dedo acusatório para a direção errada: os culpados pelo desmonte da empresa estão lá dentro, instalados pelo PT. A presidente falseou informações e, seguindo uma tônica da gestão petista, torturou números.
 Esta cantilena não cola mais.

Dilma seguiu as ordens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que se recusa a desencarnar do cargo que ocupou por oito anos. Instruída pelo marketing, a petista ressuscitou velhos estratagemas petistas, como a divisão da sociedade entre “nós”, os bonzinhos, e “eles”, os malvadões. 
Esta história já deu.

Em Pernambuco, Dilma fez as mesmas acusações levianas de sempre, dizendo que aos críticos da Petrobras interessa ver a empresa privatizada, embora seu governo tenha tido que socorrer-se de idênticas soluções em diversas áreas da infraestrutura para evitar naufragar de vez – e a oposição jamais tenha cogitado vender qualquer naco da petrolífera. 
Este papo já cansou.

Os dados da realidade são sempre contrários ao que afirmam os petistas: 
Paulo Roberto Costa preso, na primeira vez na história em que um ex-diretor da Petrobras vai para a cadeia; Nestor Cerveró demitido por um erro que cometeu oito anos atrás, também quando ocupava uma diretoria na empresa; André Vargas fora da Câmara dos Deputados por envolvimento com o mesmo doleiro que está no vértice da roubalheira na estatal... 
São fatos.
Serão estes a quem Dilma acusa de “ferir a imagem da empresa”?
Batidas policiais na sede da Petrobras, 
documentos e mais documentos apreendidos comprovando que a estatal foi usada para desviar dinheiro público, 28 pessoas indiciadas pela Polícia Federal sob suspeita de participar de crimes como evasão de divisas,
 desvio de recursos públicos, 
fraude em licitações, 
corrupção ativa e passiva, 
formação de quadrilha e financiamento ao tráfico de drogas, num esquema que pode ter surrupiado R$ 10 bilhões da Petrobras. 
São fatos.

Será isso o que Dilma chama de “todo tipo de malfeito, ação criminosa, tráfico de influência, corrupção ou ilícito”?

Foram todos cometidos por gente que o PT botou dentro da Petrobras. Boa parte deles foram perpetrados durante o período em que a hoje presidente da República comandava o conselho de administração da estatal. 
Será que é a ela própria que Dilma acusa?

O que dizer dos pareceres falhos e incompletos que embasaram negócios bilionários e equivocados da Petrobras, conforme a própria Dilma admitiu no mês passado? Das transações descabidas que levaram a companhia a desembolsar quase 30 vezes mais por ativos obsoletos? Foram fabricados pela linha de produção da oposição ou são da lavra própria dos cupins que o PT instalou dentro da estatal?

Melhor seria reconhecer que foram iniciativas promovidas pela própria diretoria da Petrobras durante a gestão petista e que a representação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União classificou como “danos aos cofres públicos, ato antieconômico e gestão temerária” e, portanto, passíveis de punições que podem alcançar até mesmo Dilma.

Seguindo sua prática de torturar os números até que eles confessem, a presidente disse em cima do palanque que hoje a Petrobras vale muito mais do que valia quando o PT chegou ao governo. 
Mas omitiu que a estatal chegou a valer mais que o dobro do que vale agora e que, da décima maior empresa do mundo, tornou-se atualmente a 121ª. Se isso não for uma debacle, o que mais é?

Dilma também não mencionou que a dívida da empresa multiplicou-se por quase quatro vezes durante sua gestão, ou seja, em apenas três anos, transformando a nossa Petrobras na companhia não financeira mais endividada em todo o mundo.

No discurso, Dilma louvou os altos investimentos da Petrobras nos últimos anos, mas não contou para a distinta plateia que eles não têm se revertido em mais produção. Nos últimos dois anos, a empresa extraiu menos petróleo que nos anteriores – queda consecutiva inédita nos seus 60 anos de história. 
Se tivesse cumprido suas metas, o nível atual de produção deveria ter sido atingido em 2006, oito anos atrás – aliás, desde 2003 elas não são atingidas.

Não há, como afirmou ontem a presidente da República, “ações individuais e pontuais” destruindo a Petrobras. Há, isto sim, uma estratégia equivocada, definida a partir do Palácio do Planalto desde a época de Lula que está conduzindo os negócios da maior estatal brasileira para o buraco e transformando a companhia num butim carcomido por cupins que agem sob beneplácito do PT.

Torturando os números
IBGE e Ipea estão definhando por causa da interferência do governo petista nas suas atividades. Pesquisas foram suspensas e estatísticas começam a ser vistas com desconfiança. A ocupação do aparato estatal em favor de interesses partidários segue uma marcha insana, que visa apenas produzir uma realidade edulcorada sob encomenda do governo do PT. Eles creem que basta torturar os números até que eles confessem o que lhes é mais conveniente.

Não há limites para a interferência do PT e de seus aliados na máquina estatal. Eles têm imensa dificuldade em separar o que é questão de Estado do que são assuntos de governo. Para o PT, é tudo um butim a ser conquistado e repartido. O desmonte de instituições como o IBGE e o Ipea inscreve-se nesta trajetória.

Os problemas nos dois órgãos vêm se acumulando e atingiram seu ápice na semana passada com a decisão do IBGE de suspender, até janeiro do próximo ano, a divulgação da Pnad Contínua, que passará a medir a taxa de desemprego no país.

O anúncio detonou uma crise entre os profissionais do órgão – duas diretoras pediram demissão e 18 coordenadores e gerentes ameaçam fazer o mesmo – e lançou dúvidas sobre uma possível manipulação de resultados pelo IBGE.

A Pnad Contínua passou a ser divulgada em janeiro último e deveria substituir a Pesquisa Mensal de Emprego (PME) como fonte de cálculo da taxa de desemprego no país a partir do fim deste ano. Ocorre que a publicação dos primeiros resultados da nova pesquisa causou desconforto ao Planalto, ao mostrar índices de desocupação mais altos que os da PME.

Segundo a Pnad Contínua, a taxa de desemprego no país fechou 2013 em 7,1%, acima, portanto, dos 5,4% aferidos pela PME. Não dá para dizer que o índice subiu no país, porque as pesquisas não são comparáveis. Mas dá para afirmar que, tomando-se um universo maior (a Pnad cobre cerca de 3,5 mil municípios e a PME apenas seis regiões metropolitanas), o desemprego é maior.

A suspensão da Pnad Contínua até 2015 deu-se em resposta a requerimento dos senadores Gleisi Hoffmann (PT-PR) e Armando Monteiro (PTB-PE). Eles sustentam que um dos cálculos poderia comprometer repasses para os estados. Parece até jogo combinado: uma pesquisa atrapalha o discurso do governo, senadores governistas a contestam e o instituto responsável suspende a divulgação dos dados incômodos.

Infelizmente, o IBGE não é caso isolado. 
O descrédito também se abate sobre outro órgão de pesquisas do Estado brasileiro: o Ipea. Desde a gestão de Marcio Pochmann, a instituição foi transformada numa fábrica de documentos e teses destinados a embasar e legitimar o discurso governista. Nunca antes se viu algo parecido no país – mas que já se tornou comum em lugares com a Argentina de Cristina Kirchner.

O Ipea mergulhou em desgraça ao admitir, na semana passada, erro numa pesquisa que levou o Brasil a ser notícia no mundo todo por, supostamente, exibir uma intolerável taxa de machismo. O percentual dos que concordam total ou parcialmente com a ideia de que mulheres com roupas provocantes devem ser atacadas foi revisto de 65% para 26% – mesmo revisado, continua muito alto e inaceitável, e não nos retira da deplorável condição.

Ipea e IBGE são faces de uma mesma moeda: a da ocupação e do desmonte de instituições sérias de Estado, a fim de convertê-las em aparelhos a serviço de partidos. O IBGE, por exemplo, sofre com estrutura deficiente, falta de pessoal, orçamento minguado e recursos rotineiramente contingenciados, como informa hoje o Valor Econômico.

O total de funcionários do instituto caiu 19% desde 2006, com perda de mais de 1,4 mil servidores. Do total de 10,3 mil pessoas trabalhando na instituição atualmente, 4,4 mil são temporários, que passaram por período de qualificação e treinamento muito curto e bastante deficiente. O orçamento sofreu corte de 14% neste ano.

São razões como estas que estão na raiz das dificuldades para o IBGE levar adiante não apenas pesquisas como a Pnad Contínua, mas também os novos cálculos da Pesquisa de Orçamento Familiar e a Contagem da População, atualmente atrasados. A crise compromete a qualidade das estatísticas, impacta na avaliação e em estudos da conjuntura e na definição de políticas adequadas à realidade.

O governo do PT dá de ombros. 
Acha que basta torturar os números para que eles confessem o que melhor lhe convém. O que interessa ao petismo é dourar a realidade para que ela pareça mais conveniente ao seu projeto de perpetuação no poder. 
Para os petistas, atropelar e implodir instituições de Estado outrora sérias e respeitadas é o de menos. 
Pobre IBGE. 
Pobre Ipea. 
Pobre Brasil.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

A pátria que nos pariu

"Em poucos dias, farei 514 anos, eu, a mãe-pátria amada de mil faces. 
A pátria que vos pariu. Estou em toda a parte e em lugar nenhum. 
Sempre quiseram dar-me uma identidade, mas eu não tenho um rosto só. 
Na verdade, sou uma região dentro de vossas cabeças.


No início, eu era a bandeira catequista para encobrir a missão predatória que faziam no País real. Eu era usada para abençoar índios de camisola e navios negreiros.Depois, eu fui a mãe escravista e mercantil do império, defendendo o atraso para o bem dos donos do poder. Na República, virei a auriverde mãe positivista, entre flores e raios apontando para um eterno futuro.


Nos anos 30 e 40, virei uma mistura de madona 'art déco' com alegoria populista. Falavam de mim nos hinos, nas capas de cadernos escolares, nas fachadas de hospitais, eu era a virgem mãe nacionalista defendida contra inimigos estrangeiros, mas, na verdade, eu servia para proteger meu pior inimigo: o patrimonialismo enquistado nas dobras do Estado.

O pós-guerra mudou o mundo, mas eu continuei a ser uma grande aquarela brasileira em que cabiam todas as ilusões. Eu era abençoada por Deus e tinha a nitidez dos quadros acadêmicos, eu justificava os crimes dos poderosos com meu firmamento estrelado, minas de ouro, leitos de petróleo, sempre com a promessa de 'futuro'.



Com Brasília, acharam-me 'fora de moda' com minha alma agropastoril. Eu não seria mais Cy, a mãe-do-mato, cercada de curupiras, boitatás, sacis. Virei um canteiro de obras, esqueletos de edifícios - eu era a arquiteta da utopia. Deixei de ser índia. Cobriram minha nudez de Iracema com meias de nylon, grandes luvas negras, 'escarpins' dos anos 60. Nasci para o mundo com a 'missão' juscelinista que acabaria com a miséria pelo parto da modernidade. Mais uma vez, eu era o emblema de uma nova ilusão dos brasileiros. Transformaram-me em aeroporto para o amanhã mágico, um viaduto imaginário por cima da desgraça do povo.

Mas, o subdesenvolvimento persistia, mesmo sob a asa branca da capital utópica, e eu fui transformada numa nova alegoria.

Em 1963, era preciso que eu fosse a mãe das reformas de base e que levasse nas mãos a espiga de milho, a foice dos camponeses e a roda dentada da indústria. Eu iria parir um tipo novo de socialismo sem sangue, um 'socialismo tropical' que viria por decreto do presidente Jango. Eu seria uma mãe-coragem sem guerra que realizaria todos os desejos. E entre as tochas dos comícios delirantes, levadas por jovens que se achavam o 'sal da terra', eu aboliria a luta de classes e seria a mãe da 'revolução cordial'.

Mas meus filhos revolucionários não contavam com a infinita mesquinhez dos poderosos, escondida sob a aparência de cordialidade, pois os donos do poder não queriam me ver sujando as mãos nas favelas e no campo.

Assim, na ditadura militar, eu fui tirada do pedestal popular e uma nova mãe-pátria foi criada, no altar positivista dos tenentistas tardios. Abriram-me novos céus estrelados, fizeram-me de novo a índia de camisola verde-oliva, a triste mãe dos quartéis, a feroz guerreira parnasiana dos discursos militares. Durante esses anos, meus filhos tiveram medo de mim, mãe castradora, seca, cruel.

E então eu virei a deusa trágica dos heroicos guerrilheiros urbanos, a mãe-trapezista dos abismos, a estrela dos suicidas. Os torturadores giravam máquinas elétricas e, entre gritos, pensavam estar me defendendo, a mim, uma vaga mistura de seios ensanguentados e rostos de meninos-cadáveres. Eu fui a mãe dos assassinos. Enquanto isso, eu tinha saudades dos meus filhos do Brasil real, feito de madeira podre, caixote, barbante, lama e favela. Eu estava com eles, mas ninguém me via.

No fim da ditadura, eu renasci como a mãe democrática, o futuro de uma vida nova que viria. Mas chegou a liberdade e eu não cheguei. A liberdade veio torta, marcada pela morte de Tancredo. Os planos econômicos fracassavam e não chegava a felicidade que eu traria. E meus filhos começaram a me maldizer, ao ver que a democracia era de boca, que as instituições eram dominadas pela oligarquia e que o País era pilhado até por 'ex-vítimas da ditadura'. Fui a mãe do desencanto. Fui a mãe odiada.

Hoje, sou a mãe dos desorientados. 
Sou a mãe de velhos militantes regressistas, comandando massas imaginárias, 
sou a mãe-suja dos corruptos, 
sou a mãe terrível que abandonou os filhos no corredor do hospital sem leitos, 
sou a mãe aborteira, 
sou a mãe criminosa dos massacres, 
sou a mãe dos mortos nas prisões, 
sou a mãe das secas, a mãe da poluição, 
sou a mãe da fome, a mãe paralítica dos burocratas, 
sou a mãe dos pixotes assassinados, 
a mãe das putinhas dos garimpos, 
a mãe dos esgotos, 
mãe do medo. 

Nunca sentira isso antes. 
Sinto-me uma mãe fragmentada, desmantelada por um velho desejo de desfigurar as instituições em que me apoio. Os homens que mandam no País não me querem, dizendo que me amam ou que amam o povo que não amam.

Nunca, em minha vida de 500 anos, vi este desejo cego de me ignorar (me louvando), num misto de estupidez com hipocrisia. Mas, vejo que meu corpo é maior, que eu sou muito complexa para ser destruída, que as partes fundamentais da verdade vão prevalecer e me manter viva. E em meio aos escândalos, aos roubos, à destruição (agora sim) do patrimônio nacional, vai aparecer meu novo rosto. Meu manto de estrelas será tecido de trapos e deixarei de ser uma deusa longínqua, uma ilusão, e aos poucos os brasileiros aprenderão a me chamar de 'realidade'.

Mas, eu me prefiro assim, pois ressurgirei da morte das mentiras, hinos e discursos corruptos que enganaram meus filhos. E quando os sonhos falsos forem esquecidos, sob um céu de anil, entre rios e florestas, poderei fazer alguma coisa por vocês, filhos queridos.".

Arnaldo Jabor