"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 01, 2011

Direto ao Ponto : Nas contas dos ladrões federais, 1 milhão de dólares já parece dinheiro de troco

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Nos anos 80, a capa dos sonhos de todo os diretores e editores de VEJA seria magnificamente singela. Para o resumo da ópera, bastaria uma pilha de cédulas verdes com o rosto de Benjamin Franklin sublinhando a chamada feita de cinco palavras e um algarismo:
COMO GANHAR 1 MILHÃO DE DÓLARES


Valorizada por acrobacias gráficas ou manuscrita por Lula com uma Bic, a chamada para a reportagem de capa pareceria igualmente irresistível até aos olhos dos bebês de colo e dos napoleões-de-hospício.


Nas bancas ou nas portas dos assinantes, cada exemplar seria disputado a socos e pontapés por gente disposta a tudo para conhecer a fórmula que ensinava a ficar milionário ─ em moeda americana ─ sem precisar assaltar um banco, dar um golpe na praça ou ganhar na loteria.


Passados menos de 30 anos, essa capa talvez fizesse menos estardalhaço que um comício do PCdoB.

No Brasil deste começo de século, conseguir 1 milhão de dólares parece menos complicado que subir o Corcovado de trenzinho.
Nada a ver com a crise econômica dos Estados Unidos, nem com o risco de calote, muito menos com a enganosa musculatura do real.

O que transformou essa quantia em dinheiro de troco foi o tsunami de bandalheiras que devasta o Brasil.


As cifras astronômicas movimentadas pelas quadrilhas especializadas no assalto aos cofres públicos informam que juntar 1 milhão de dólares é coisa de gatuno aprendiz. Ladrão federal que se preza fatura mais que isso com qualquer negociata de baixo calibre.


As organizações criminosas da classe executiva não se contentam com pouco. Cresceram em tamanho, sofisticação, safadeza e atrevimento. As contas agora são feitas em bilhões.

Os bandos envolvidos na roubalheira incomparável agrupam ministros de Estado e funcionários do segundo escalão, figurões de estatais e “laranjas” obscuros, jornalistas iniciantes ou em fim de carreira, donos de partidos, senadores e prefeitos, deputados e vereadores, empresas portentosas e consultorias de fachada.


Mobilizam, além dos chefes, as mulheres, os filhos, parentes próximos ou distantes, amigos ou agregados.
Há centenas, milhares de larápios em ação.
Há bilhões de sobra à espera dos delinquentes.

Continua...

COLHEITA BICHADA


O Congresso retoma os trabalhos nesta semana com uma triste constatação:
o rol de denúncias de corrupção a investigar no governo federal só cresceu ao longo dos últimos dias.

O Ministério dos Transportes, mais especificamente o Dnit, continua funcionando como uma usina de irregularidades, mas já encontra concorrentes à altura na Esplanada.

Neste fim de semana, foi a vez do Ministério da Agricultura estrear na ribalta de escândalos do governo Dilma Rousseff. Em entrevista à revista Veja, Oscar Jucá, irmão do líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), disse que a corrupção na Companhia Nacional de Abastecimento (Conab)
"é pior do que no Dnit".

O padrão repete-se:
loteamento de órgãos públicos para desviar recursos para partidos políticos aliados ao petismo.


No caso da Agricultura, o PMDB e o PTB.
O ministro Wagner Rossi, segundo Oscar Jucá, comandaria o esquema e teria, inclusive, lhe ofertado propina em troca de silêncio.

O que é certo nesta história é que nela não há querubins.

A colheita bichada não é, porém, exclusividade da Agricultura.
A revista IstoÉ revelou outra central de falcatruas:
o Ministério das Cidades. Feudo do PP, a pasta dispõe de orçamento com nada menos que R$ 7,6 bilhões em investimentos previstos para este ano.

É a terceira maior cifra da Esplanada e alvo de cobiça dos comensais do condomínio petista.
O ministério dominado pelo Partido Progressista é acusado de liberar verba para obras consideradas irregulares pelo TCU.
Obras tocadas por empresas que fizeram generosas doações eleitorais para os "progressistas".


A ponte entre o Ministério das Cidades e os pepistas não poderia ser mais concreta: o secretário nacional de Saneamento da pasta e o tesoureiro do PP são a mesma pessoa, Leodegar Tiscoski.

Há muito tempo não se via tantas rapinagens incrustadas na máquina pública. O PT ressuscitou um modus operandi que a sociedade conseguira extirpar do aparato estatal, ou pelo menos reduzira muitíssimo, com a depuração que se seguiu ao regime militar, aos anos de descalabro do governo José Sarney e à verdadeira farra do boi protagonizada por Fernando Collor.
Está tudo de volta, piorado.

São raros os órgãos públicos que não obedecem hoje à lógica do loteamento político. O interesse público foi inteiramente submetido à dominação partidária.
O poder foi tomado de assalto e sai-se melhor quem consegue pilhar mais. Não há faxina cosmética que dê conta disso.


Em sua edição de ontem, o jornal O Globo mostrou mais instituições públicas soterradas em escândalos. O BNB está sob domínio de petistas cearenses envolvidos em negócios suspeitos. Generoso com devedores, o banco deixou de cobrar dívidas de R$ 1,5 bilhão.

Já a Codevasf é disputada por petistas e socialistas piauienses por administrar a bilionária obra da transposição do rio São Francisco. O que atrai os comensais é um contrato de R$ 3,9 bilhões que deve ser engordado em pelo menos mais R$ 1 bilhão por conta de aditivos - a melhor oportunidade de negociata que existe na praça.

Completa a lista d'O Globo a Funasa. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal têm em mãos munição para investigar desvios de recursos na compra de combustível e no pagamento de horas de voo na região amazônica, sem contar gastos irregulares em convênios sem prestação de contas do órgão.

Mas o Dnit, claro, não poderia ficar fora da nova leva de irregularidades. Segundo a edição de domingo de O Estado de S.Paulo, obras administradas pelo órgão já encareceram R$ 2,6 bilhões, muitas delas acima do limite legal de 25%.

Entre 1.807 contratos ativos, 107 apresentam aditivos que duplicaram o valor inicial dos contratos.

É certo que os parlamentares gostariam de se dedicar a uma agenda que impulsionasse o desenvolvimento do país e o preparasse melhor para as tempestades que se avizinham. Mas ela não existe.

Não há avanço possível sob o peso da corrompida estrutura estatal que mina o poder público. Só uma limpeza geral, do primeiro ao último escalão, poderia dar conta disso.

Fonte: ITV

A LUTA CONTRA A CORRUPÇÃO DESANIMA.

Escolhi um título que pode somar vários e até distintos significados.
Na verdade, a corrupção nos desanima porque, embora a opinião pública a tolere cada vez menos, e tenhamos visto a demissão de vários acusados de mal-feitos, no Brasil e no mundo, restam três grandes problemas.


O primeiro é a suspeita de que o desvio de dinheiro público esteja crescendo, em vez de diminuir. Falo em suspeita e não em certeza, porque a corrupção, quando bem conduzida, não deixa traços.

O tempo todo, lemos denúncias de atos corruptos, mas geralmente se trata de casos pequenos ou que foram descobertos devido a erros primários.

É possível que os grandes corruptos jamais deixem impressões digitais.
Para dar um exemplo:
os sistemas de controle do governo federal checam se o funcionário pagou 8 reais por uma tapioca, mas dificilmente descobrem se ele foi subornado
.

(...)
Para além da questão factual, difícil de responder, fica a sensação de que algo está errado no regime democrático - se este efetivamente, aqui como na França, Estados Unidos e Itália, não consegue pôr fim à corrupção em larga escala.


Também é grave um segundo ponto:
a percepção de que castigo, mesmo, não ocorre. Corruptos não devolvem o dinheiro, não são presos nem sofrem penas maiores.

Assistimos agora a uma sucessão de denúncias sobre o governo federal.
Dois ministros já caíram, sob a suspeita de práticas não-éticas.
Ignoramos se houve mesmo corrupção.

Não dispomos de provas para condená-los.
Mas a opinião pública sentiu-se informada o bastante para se indignar com suas ações e lhes negar a legitimidade ética, que um homem público deve ter como um de seus maiores capitais.

Daí, a demissão deles.
Contudo, na série ininterrupta de denúncias que vem desde o governo Collor, passando pelos episódios da reeleição e da privatização das teles (governo FHC) e chegando ao mensalão (governo Lula), o fato é que pouquíssimos, se é que alguns, foram realmente condenados e/ou devolveram o dinheiro desviado.
Tudo isso faz pesar, sobre o ambiente político, grande descrédito.


Mas o mais grave é o terceiro ponto.
Nos parágrafos anteriores, supus uma clara divisão clara entre a minoria de corruptos ("eles" ou, nos debates políticos, "vocês") e a maioria de gente decente ("nós", "nós", "nós").

Ora, cada vez me convenço mais, lendo as manifestações contra a corrupção, de que a grande maioria delas emana de pessoas absolutamente indiferentes à corrupção.

"Nós" não estamos nem aí para a corrupção. "Nós" queremos é instrumentalizá-la para fins políticos.

Na maior parte dos casos, o que se lê são acusações severas a corruptos, que imediatamente são ligados a um partido. A bola da vez é o PT, mas poderia ser qualquer agremiação. Como ele tem o governo federal e conta com a oposição de vários grandes jornais, é alvejado.

Mas lembrem que Alceni Guerra (PFL), ministro de Collor, e Ibsen Pinheiro (PMDB), que presidiu a votação de seu impeachment, tiveram as carreiras políticas truncadas por acusações falsas de corrupção.


O uso da corrupção como álibi para atacar o outro mostra, não só uma cabal despreocupação com as provas dos malfeitos, mas também um completo repúdio a investigar toda denúncia que afete os políticos do "nosso" lado.

Se alguém diz que é preciso apurar todas as denúncias de corrupção, custe o que custar, sofre prontamente um ataque de "nós".
Vi a revolta de um facebooker porque um jornalista reputado, discutindo o superfaturamento de obras públicas, pediu em seu blog que também fossem investigados casos do governo paulista.

Ora, para o indignado seletivo, a corrupção só valia contra a política petista. O que ele condenava não era a corrupção, era o PT. Se a corrupção fosse de outro partido, não cabia investigá-la.


O que é particularmente grave nessa atitude, que está longe de ser rara?
É o descaso pela honestidade. Se a corrupção serve apenas para atacar o outro, é porque falta real empenho em combatê-la, em separar o público do privado.
(...)
Diante disso, nosso quase esquecido Rui Barbosa o que diria?
Talvez que, "de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos homens, o homem chega desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto."
Porque, aqui, não há meio termo.

Ou condenamos a corrupção, ou somos seus cúmplices.
Condená-la é condenar todo ato de corrupção, é exigir sua apuração, seja qual for o partido ou o governo que a pratique ou tolere.
Quem é seletivo é conivente.

E, dado que citei o brasileiro que talvez tenha escrito mais difícil em nossa história, a ponto de hoje ser pouco lido porque não se entende o que ele disse, posso terminar indo para o outro lado, o da telenovela, e dizer que na novela "Insensato coração" é muito bom o nome do blog do jornalista Kleber Damasceno, "Impunidade zero".
É disso que precisamos.


Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras

MAIS TRABALHO, DEPUTADOS E SENADORES.VAMOS POR UM FIM AO ÓCIO E A VAGABUNDAGEM PARLAMENTAR ?

O Congresso Nacional retoma as atividades esta semana, após o recesso de meio de ano, dominado pelo mesmo debate político com que fechou o primeiro semestre.

Abrir ou não uma CPI para investigar a corrupção no Ministério dos Transportes é a questão. O tema merece toda atenção dos parlamentares.

Mas deputados e senadores também precisam começar, o quanto antes, a cumprir sua principal missão: a de legislar. A inércia do Legislativo tem deixado vácuo que o Judiciário passou a ocupar nos últimos meses, sob críticas de extrapolar suas funções.

Foi assim, por exemplo, com dois temas preciosos para a sociedade:
a data de validade da Lei da Ficha Limpa e a legalização da união entre casais do mesmo sexo, definidas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).


Nesses casos, embora por outro Poder, as pendências ainda foram resolvidas com relativa brevidade. Não é raro a indolência empurrar por 20 anos a decisão sobre assuntos primordiais para o país.

É o que ocorre com o Fundo de Participação dos Estados (FPE).
Recursos anuais da ordem de R$ 50 bilhões são rateados com base em critérios provisórios estabelecidos no fim da década de 1980 para valerem até 1991.

Aliás, foi mais uma vez o STF — provocado por ações diretas de inconstitucionalidade movidas por unidades da Federação prejudicadas pela regra caduca — que deu uma mão ao Congresso, estendendo até o fim do próximo ano a validade da Lei Complementar nº 62, de 1989.

Resta saber agora se o Congresso fará a tempo a lição de casa.

Outros assuntos igualmente prementes e de suma importância vão ficando para trás, enquanto os ilustres parlamentares se omitem, ocupados em disputar cargos e verbas para atender a interesses pessoais ou, quando muito, paroquiais.

Com a Câmara e o Senado dominados por maioria governista, fica mais fácil deixar na gaveta assuntos que o Executivo deseja mesmo manter em banho-maria. Um deles, a Emenda 29, que regulamenta os gastos da União, dos estados e dos municípios com a saúde.

Outro, a proposta de emenda constitucional (PEC) que estabelece um piso nacional para policiais civis, militares e bombeiros. Mas até o crédito extra de R$ 1,2 bilhão para tirar do papel o programa de erradicação da pobreza extrema, o Brasil sem Miséria, está pendente.


O que dizer, então, de polêmicas como os royalties do petróleo, as reformas tributária, previdenciária e política, a conclusão da votação do novo Código Florestal? Este segundo semestre tem que, obrigatoriamente, marcar uma mudança de postura do Congresso Nacional.

O Poder Legislativo precisa limpar a própria imagem e firmar sua autonomia, o que apenas conseguirá com bons serviços à nação e trato em alto nível das relações com o Executivo. A iniciativa popular que levou à aprovação da Lei da Ficha Limpa foi claro recado do eleitorado.

Ou os parlamentares o levam ao pé da letra, ou o descrédito se completará, com sério dano à democracia.

Portanto, mais responsabilidade nesta volta das férias, deputados e senadores. A paciência do brasileiro com Suas Excelências está no limite.

Correio Braziliense