Escolhi um título que pode somar vários e até distintos significados.
Na verdade, a corrupção nos desanima porque, embora a opinião pública a tolere cada vez menos, e tenhamos visto a demissão de vários acusados de mal-feitos, no Brasil e no mundo, restam três grandes problemas.
O primeiro é a suspeita de que o desvio de dinheiro público esteja crescendo, em vez de diminuir. Falo em suspeita e não em certeza, porque a corrupção, quando bem conduzida, não deixa traços.
O tempo todo, lemos denúncias de atos corruptos, mas geralmente se trata de casos pequenos ou que foram descobertos devido a erros primários.
É possível que os grandes corruptos jamais deixem impressões digitais.
Para dar um exemplo:
os sistemas de controle do governo federal checam se o funcionário pagou 8 reais por uma tapioca, mas dificilmente descobrem se ele foi subornado.
(...)
Para além da questão factual, difícil de responder, fica a sensação de que algo está errado no regime democrático - se este efetivamente, aqui como na França, Estados Unidos e Itália, não consegue pôr fim à corrupção em larga escala.
Também é grave um segundo ponto:
a percepção de que castigo, mesmo, não ocorre. Corruptos não devolvem o dinheiro, não são presos nem sofrem penas maiores.
Assistimos agora a uma sucessão de denúncias sobre o governo federal.
Dois ministros já caíram, sob a suspeita de práticas não-éticas.
Ignoramos se houve mesmo corrupção.
Não dispomos de provas para condená-los.
Mas a opinião pública sentiu-se informada o bastante para se indignar com suas ações e lhes negar a legitimidade ética, que um homem público deve ter como um de seus maiores capitais.
Daí, a demissão deles.
Contudo, na série ininterrupta de denúncias que vem desde o governo Collor, passando pelos episódios da reeleição e da privatização das teles (governo FHC) e chegando ao mensalão (governo Lula), o fato é que pouquíssimos, se é que alguns, foram realmente condenados e/ou devolveram o dinheiro desviado.
Tudo isso faz pesar, sobre o ambiente político, grande descrédito.
Mas o mais grave é o terceiro ponto.
Nos parágrafos anteriores, supus uma clara divisão clara entre a minoria de corruptos ("eles" ou, nos debates políticos, "vocês") e a maioria de gente decente ("nós", "nós", "nós").
Ora, cada vez me convenço mais, lendo as manifestações contra a corrupção, de que a grande maioria delas emana de pessoas absolutamente indiferentes à corrupção.
"Nós" não estamos nem aí para a corrupção. "Nós" queremos é instrumentalizá-la para fins políticos.
Na maior parte dos casos, o que se lê são acusações severas a corruptos, que imediatamente são ligados a um partido. A bola da vez é o PT, mas poderia ser qualquer agremiação. Como ele tem o governo federal e conta com a oposição de vários grandes jornais, é alvejado.
Mas lembrem que Alceni Guerra (PFL), ministro de Collor, e Ibsen Pinheiro (PMDB), que presidiu a votação de seu impeachment, tiveram as carreiras políticas truncadas por acusações falsas de corrupção.
O uso da corrupção como álibi para atacar o outro mostra, não só uma cabal despreocupação com as provas dos malfeitos, mas também um completo repúdio a investigar toda denúncia que afete os políticos do "nosso" lado.
Se alguém diz que é preciso apurar todas as denúncias de corrupção, custe o que custar, sofre prontamente um ataque de "nós".
Vi a revolta de um facebooker porque um jornalista reputado, discutindo o superfaturamento de obras públicas, pediu em seu blog que também fossem investigados casos do governo paulista.
Ora, para o indignado seletivo, a corrupção só valia contra a política petista. O que ele condenava não era a corrupção, era o PT. Se a corrupção fosse de outro partido, não cabia investigá-la.
O que é particularmente grave nessa atitude, que está longe de ser rara?
É o descaso pela honestidade. Se a corrupção serve apenas para atacar o outro, é porque falta real empenho em combatê-la, em separar o público do privado.
(...)
Diante disso, nosso quase esquecido Rui Barbosa o que diria?
Talvez que, "de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos homens, o homem chega desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto."
Porque, aqui, não há meio termo.
Ou condenamos a corrupção, ou somos seus cúmplices.
Condená-la é condenar todo ato de corrupção, é exigir sua apuração, seja qual for o partido ou o governo que a pratique ou tolere.
Quem é seletivo é conivente.
E, dado que citei o brasileiro que talvez tenha escrito mais difícil em nossa história, a ponto de hoje ser pouco lido porque não se entende o que ele disse, posso terminar indo para o outro lado, o da telenovela, e dizer que na novela "Insensato coração" é muito bom o nome do blog do jornalista Kleber Damasceno, "Impunidade zero".
É disso que precisamos.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
Na verdade, a corrupção nos desanima porque, embora a opinião pública a tolere cada vez menos, e tenhamos visto a demissão de vários acusados de mal-feitos, no Brasil e no mundo, restam três grandes problemas.
O primeiro é a suspeita de que o desvio de dinheiro público esteja crescendo, em vez de diminuir. Falo em suspeita e não em certeza, porque a corrupção, quando bem conduzida, não deixa traços.
O tempo todo, lemos denúncias de atos corruptos, mas geralmente se trata de casos pequenos ou que foram descobertos devido a erros primários.
É possível que os grandes corruptos jamais deixem impressões digitais.
Para dar um exemplo:
os sistemas de controle do governo federal checam se o funcionário pagou 8 reais por uma tapioca, mas dificilmente descobrem se ele foi subornado.
(...)
Para além da questão factual, difícil de responder, fica a sensação de que algo está errado no regime democrático - se este efetivamente, aqui como na França, Estados Unidos e Itália, não consegue pôr fim à corrupção em larga escala.
Também é grave um segundo ponto:
a percepção de que castigo, mesmo, não ocorre. Corruptos não devolvem o dinheiro, não são presos nem sofrem penas maiores.
Assistimos agora a uma sucessão de denúncias sobre o governo federal.
Dois ministros já caíram, sob a suspeita de práticas não-éticas.
Ignoramos se houve mesmo corrupção.
Não dispomos de provas para condená-los.
Mas a opinião pública sentiu-se informada o bastante para se indignar com suas ações e lhes negar a legitimidade ética, que um homem público deve ter como um de seus maiores capitais.
Daí, a demissão deles.
Contudo, na série ininterrupta de denúncias que vem desde o governo Collor, passando pelos episódios da reeleição e da privatização das teles (governo FHC) e chegando ao mensalão (governo Lula), o fato é que pouquíssimos, se é que alguns, foram realmente condenados e/ou devolveram o dinheiro desviado.
Tudo isso faz pesar, sobre o ambiente político, grande descrédito.
Mas o mais grave é o terceiro ponto.
Nos parágrafos anteriores, supus uma clara divisão clara entre a minoria de corruptos ("eles" ou, nos debates políticos, "vocês") e a maioria de gente decente ("nós", "nós", "nós").
Ora, cada vez me convenço mais, lendo as manifestações contra a corrupção, de que a grande maioria delas emana de pessoas absolutamente indiferentes à corrupção.
"Nós" não estamos nem aí para a corrupção. "Nós" queremos é instrumentalizá-la para fins políticos.
Na maior parte dos casos, o que se lê são acusações severas a corruptos, que imediatamente são ligados a um partido. A bola da vez é o PT, mas poderia ser qualquer agremiação. Como ele tem o governo federal e conta com a oposição de vários grandes jornais, é alvejado.
Mas lembrem que Alceni Guerra (PFL), ministro de Collor, e Ibsen Pinheiro (PMDB), que presidiu a votação de seu impeachment, tiveram as carreiras políticas truncadas por acusações falsas de corrupção.
O uso da corrupção como álibi para atacar o outro mostra, não só uma cabal despreocupação com as provas dos malfeitos, mas também um completo repúdio a investigar toda denúncia que afete os políticos do "nosso" lado.
Se alguém diz que é preciso apurar todas as denúncias de corrupção, custe o que custar, sofre prontamente um ataque de "nós".
Vi a revolta de um facebooker porque um jornalista reputado, discutindo o superfaturamento de obras públicas, pediu em seu blog que também fossem investigados casos do governo paulista.
Ora, para o indignado seletivo, a corrupção só valia contra a política petista. O que ele condenava não era a corrupção, era o PT. Se a corrupção fosse de outro partido, não cabia investigá-la.
O que é particularmente grave nessa atitude, que está longe de ser rara?
É o descaso pela honestidade. Se a corrupção serve apenas para atacar o outro, é porque falta real empenho em combatê-la, em separar o público do privado.
(...)
Diante disso, nosso quase esquecido Rui Barbosa o que diria?
Talvez que, "de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos homens, o homem chega desanimar-se da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto."
Porque, aqui, não há meio termo.
Ou condenamos a corrupção, ou somos seus cúmplices.
Condená-la é condenar todo ato de corrupção, é exigir sua apuração, seja qual for o partido ou o governo que a pratique ou tolere.
Quem é seletivo é conivente.
E, dado que citei o brasileiro que talvez tenha escrito mais difícil em nossa história, a ponto de hoje ser pouco lido porque não se entende o que ele disse, posso terminar indo para o outro lado, o da telenovela, e dizer que na novela "Insensato coração" é muito bom o nome do blog do jornalista Kleber Damasceno, "Impunidade zero".
É disso que precisamos.
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo. Escreve às segundas-feiras
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