"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

junho 27, 2013

O TEMPO É O SENHOR DA RAZÃO ! Uma fábrica de crises

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A presidente da República demorou muito a tomar pé da situação que convulsiona o país há semanas. Quando o fez, agiu equivocadamente. Em lugar de apresentar uma agenda clara, objetiva e eficaz de iniciativas, produziu sempre mais turbulência.

Dilma Rousseff está exibindo nos últimos dias sua verdadeira vocação: provocar crises em série e suscitar a balbúrdia.

A petista levou duas semanas para fazer seu primeiro pronunciamento sobre os protestos que tomaram ruas, praças e avenidas de todo o país neste mês de junho. Na sexta-feira passada, convocou rede nacional de rádio e TV apenas para tentar convencer os manifestantes que seu governo quer o mesmo que as ruas, ou seja, é poder, mas também é oposição. Puro ilusionismo.

Como seus dez minutos de fala mostraram-se inócuos para apontar qualquer saída para superar a crise, a presidente partiu rapidamente para o ato seguinte. Transformou governadores de estado e prefeitos de 26 capitais em coadjuvantes e supostos signatários de cinco "pactos" para enfrentar os problemas e responder às manifestações.
Pura maldade e velhacaria.

Em meio aos "pactos", Dilma embutiu uma perniciosa, extemporânea e alienada proposta de instalar uma constituinte para promover uma reforma política - algo que ninguém nas ruas pedia ou pede.

Foi como se oferecesse brioches ao povo, que cobra mais decência na gestão pública, menos corrupção e mais serviços públicos de qualidade. Menos de 24 horas depois, sob fortes críticas e a constatação de que cometera mais uma bobagem monumental, ela já havia desistido da proposta.

Nas duas ocasiões em que tentou agir até agora, Dilma perdeu oportunidade de portar-se como líder da nação.
Tentou ludibriar a confiança dos brasileiros, quando se espera dela credibilidade e descortino. Tentou manobrar, quando o que se cobra dela é que simplesmente governe o país.
Falhou sempre, redondamente.

Fica cada vez mais clara sua inaptidão para o cargo que ocupa.
Um presidente da República não tem o direito de errar tanto, vacilar tanto, enganar-se tanto num momento tão grave quanto o que atravessa o país atualmente.

O vácuo de comando que Dilma representa acabou abrindo espaço para uma temporada de frenéticas decisões dos demais poderes, a fim de fazer frente ao clamor das ruas. Há boas deliberações - como a derrubada da PEC 37, a transformação da corrupção em crime hediondo, o fim do voto secreto em cassações.

Mas há também outras preocupantes e perigosas:
o Valor Econômico calcula que decisões relativas a saúde, educação e transportes tomadas nos últimos dias custarão R$ 115 bilhões a mais, por ano, aos cofres públicos.

Tivesse a presidente - tanto antes quanto agora - assumido seu papel, talvez as respostas estivessem sendo mais adequadas.
Mas, ao invés disso, Dilma gasta tempo e energia discutindo um esdrúxulo plebiscito sobre temas de menor interesse e de efeito imediato nulo para a melhoria das condições de vida da população.

Não é, porém, apenas no furacão da crise que a omissão de Dilma cobra seu preço. A inapetência dela também está presente na maior parte das reais causas que levaram os brasileiros a se revoltar como não se via há décadas.

Além da corrupção e dos maus serviços públicos de saúde, educação, transporte e segurança, os protestos também decorrem da carestia, do aumento desenfreado dos preços. A inflação é um dos combustíveis para a insatisfação.

Ocorre que a mesma escalada que corrói os salários onera o custo das empresas. Há um desequilíbrio latente que decisões recentes do governo federal geraram, e outras que vêm sendo tomadas de cambulhada nos últimos dias tendem agora a agravar.

Reajustes tarifários estão sendo suspensos, desonerações estão sendo distribuídas a bel-prazer, receitas futuras estão sendo comprometidas no calor da pressão do dia. Por esta razão, já se teme até pelos leilões de privatização previstos para o segundo semestre - eles que são apontados como a única tábua de salvação para a economia brasileira...

De tudo isso, fica a pergunta:
que país o governo da presidente legará às nossas futuras gerações? 

Em que caótico estado geral ela está mergulhando o Brasil, de onde,
cada vez mais, fica claro que não consegue tirá-lo?

A triste constatação é que, com Dilma Rousseff, as crises entram no Palácio do Planalto de um tamanho e saem de lá de outro, bem maior e mais assustador.


Instituo Teotônio Vilela 
Uma fábrica de crises

EM REPÚBLICA ASSENHOREADA E CARCOMIDA POR TORPES E CANALHAS : A quem servem os partidos?



Em seu "Dicionário de Política", o mestre italiano Norberto Bobbio, um dos maiores historiadores do pensamento político do século XX, resume assim as funções dos partidos:
eles são "um instrumento importante, senão o principal, por meio do qual grupos sociais (...) podem exprimir as próprias reivindicações e as próprias necessidades e participar, de modo mais ou menos eficaz, da
formação das decisões políticas".

Olhando para as ruas no Brasil neste mês de junho, é de se questionar em que parte da definição de Bobbio os partidos políticos brasileiros se encaixam.

Muito se tem escrito sobre o movimento até agora, e tanto analistas quanto políticos ainda estão perplexos na busca de suas causas. 
Um entendimento majoritário que emerge, porém, é que nada no sistema partidário brasileiro hoje reflete "as reivindicações e as próprias necessidades" dos manifestantes.

A ponto de eles, repetidas vezes, terem pedido a militantes de partidos que guardassem suas bandeiras durante as passeatas. 
De todos os bordões gritados nas ruas de São Paulo, 
Brasília, 
Rio, 
Fortaleza, 
Belo Horizonte e de tantas outras cidades, 
o "Não nos representam!" é o que mais confronta o regime vigente.

Como alguém que desde adolescente atua na política partidária e que hoje é um dos dirigentes nacionais do PMDB, sou obrigado a reconhecer o óbvio: 
a vida partidária brasileira descolou-se da sociedade e tornou-se largamente irrelevante.

Pior do que isso, o sistema político tornou-se um fim em si próprio, uma engrenagem girando em falso. Entendimentos político-partidários deveriam atender a programas, objetivos e conquistas da sociedade.

Hoje, no Brasil, tais entendimentos dão-se em torno de cargos, privilégios, benefícios, espaço, tudo isso desligado das políticas públicas que deveriam vir da base. O direito de associação, pedra angular da democracia, passa a ser manipulado pelo nepotismo e pelo compadrio. Isso acaba por contaminar o processo eleitoral e o próprio ato de governar.

Coalizões eleitorais são formadas não em razão de afinidades ideológicas ou de conteúdo programático, mas do tempo de exposição na TV durante os horários eleitorais gratuitos - essa cobiçada commodity política dos nossos tempos.

O resultado inevitável é o desencantamento da sociedade com a política e os políticos, a descrença nas instituições, a desesperança no futuro.
O risco desse desencantamento é a criação de uma repulsa à participação política.

Talvez as novas tecnologias estejam colocando o mundo no rumo de um redesenho completo da democracia; talvez isso aconteça ainda em nosso tempo de vida. Porém, a democracia representativa, que se exerce por meio dos partidos políticos, é o que temos hoje, e é o melhor que temos hoje.

Renunciar ao seu exercício é a maneira mais fácil e rápida de abrir mão de influenciar nas decisões que afetam a vida em sociedade - política, afinal, nada mais é do que isso - e um caminho certeiro para a perda do que quer que se venha a conquistar pela pressão dos movimentos sociais nas ruas.

Tal risco é reforçado, no Brasil, pela juventude da nossa democracia. 
O país viveu sob regimes totalitários durante mais da metade do século passado.

Isso fez com que a cultura da participação cidadã não se desenvolvesse. Não houve educação democrática na gestão das políticas públicas. Exceto por uma única experiência, o orçamento participativo implantado pelo Partido dos Trabalhadores em seus primeiros exercícios do poder municipal, nos anos 1990, a população brasileira nunca foi chamada ao exercício da gestão da coisa pública.

 
Essa falta de educação cidadã dá à classe política um domínio excessivo sobre o discurso e a práxis da gestão, e tornou o voto um virtual cheque em branco. Isso explode em gestos como o dos manifestantes paulistas que recusaram-se a discutir com os governos de onde sairia o dinheiro para a redução das tarifas do transporte público.

Volto a Bobbio:
"A possibilidade de os partidos serem instrumento de democracia depende do controle direto e da participação das massas", ensina o cientista político italiano. Claro está que nossos partidos têm rejeitado essa atribuição, e é urgente que mudem.

Não há, por exemplo, como termos eficiência no sistema partidário com 40 siglas existentes hoje no país, 22 delas com assento na Câmara dos Deputados. Esse grau de fragmentação frequentemente favorece o compadrio e impede que demandas concretas da população - educação, moradia,

É exigir que os partidos sirvam aos interesses da sociedade na diversidade de sua composição política e ideológica. 
Os partidos são fundamentais para a vida pública.

Eles organizam demandas sociais e educam para o exercício da cidadania. Sua ausência gera um vazio que, tradicionalmente, ao longo da história da humanidade, tem sido ocupado por pessoas que se investem do poder no papel de comunicadores diretos com as massas.

O cesarismo, nome dado a esse tipo de substituto à representação democrática, frequentemente descamba para o totalitarismo, para governos que buscam sempre soluções de unanimidade e que eliminam a diferença.

O que a democracia persegue não é a unanimidade, porém:
 é a maioria.


 A beleza do sistema democrático é reconhecer que os seres humanos são todos diferentes entre si, e que os governos precisam fazer a vontade da maioria e ao mesmo tempo preservar a diversidade e os direitos das minorias.

O combate vigoroso às desigualdades exige a democracia. 
E a democracia requer a existência de partidos fortes e representativos - mas, sobretudo, úteis.

W. Moreira Franco é sociólogo e ministro da Aviação Civil