"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 04, 2011

INFLANDO SUPERÁVIT : TESOURO SUGA R$ 4 BI DAS LOTERIAS PARA BANCAR A GASTANÇA DO GOVERNO.

O hábito brasileiro de fazer uma fezinha nos concursos da Loteria Federal representa uma bilionária fonte de renda para a União equilibrar as contas públicas.

Técnicos da Caixa Econômica Federal relatam ao Correio que mais de R$ 4 bilhões — praticamente a metade dos R$ 8, 8 bilhões arrecadados em apostas no ano passado — enviados à Secretaria do Tesouro Nacional não chegam aos programas sociais do governo, como determina a lei.

Esses recursos são retidos para inflar o superávit primário (economia feita para pagar os juros da dívida pública).
Nos últimos anos, a Caixa aumentou em 29% o repasse de recursos ao Tesouro, mas não tem a comprovação de como esse montante é aplicado.

As diversas manobras fiscais utilizadas nos últimos dois anos pelo governo para sustentar a gastança pública incluíram o dinheirinho que os brasileiros separam semanalmente para tentar a sorte nos concursos das loterias administradas pela Caixa Econômica Federal.

Parte dos bilhões arrecadados todos os anos está sendo retida para engordar o superavit primário (economia feita para pagar parcela dos juros da dívida pública), em vez de ser revertida para projetos sociais e de custeio das áreas de educação, saúde, esporte e segurança, como estabelece a lei.

Os valores do ano passado ainda não foram divulgados, mas estimativas de técnicos dão conta do repasse de mais de R$ 4 bilhões da Caixa à Secretaria do Tesouro Nacional que não chegam ao destino legal.
Isso é quase a metade dos R$ 8,8 bilhões arrecadados em apostas.

Apesar da soma vultosa, a identificação do caminho traçado pelos recursos depois que entram no Tesouro é difícil.

Quando a quantia chega aos cofres, junta-se ao resto do bolo de receitas. A Caixa manda com algumas rubricas específicas. Mas, depois que vai para a União, não é possível enxergar onde foi parar o dinheiro. Ele não fica carimbado”, detalhou um assessor do governo.

O documento publicado mensalmente pelo Tesouro com a contabilidade pública não mostra, entre as receitas do governo, os recolhimentos feitos especificamente pelas loterias.

Procurado pelo Correio, o Tesouro não deu explicações.

Além de atrapalhar a execução de programas sensíveis, como o Fundo de Investimento do Estudante Superior (Fies) e a construção, a reforma e a ampliação de presídios, financiadas pelo Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), a retenção dos recursos da loteria beneficia duplamente a contabilidade criativa do governo.

Isso porque, de cada R$ 100 que são arrecadados, R$ 30 vão direto para os cofres federais a título de Imposto de Renda.

“Os burocratas do Tesouro são extremamente competentes e bem informados. Formam um grupo de gente preparada que conhece bem o funcionamento da máquina. Além disso, temos uma conjuntura de gastos recordes, que é danosa para a administração do dinheiro público. Se juntarmos esses dois pontos, fica fácil entender de onde vêm essas alternativas usadas para compor o superavit”, afirmou o analista de um banco de investimentos, especializado em contas públicas.

Críticas
A falta de transparência não é o único problema na distribuição dos recursos das loterias.
O excesso de programas que devem receber parcelas do total arrecadado acaba diluindo os recursos a ponto de eles terem pouca representatividade no custeio desses projetos.

Cada hora, o governo inclui mais alguém para receber, e a pulverização acaba prejudicando todos os beneficiados”, apontou um técnico do governo.

Outra crítica recorrente é o tamanho da parcela destinada aos prêmios, pequena se comparada a outros países onde há jogos de azar regulamentados.

No caso da Mega-Sena brasileira, apenas R$ 32,20 de cada R$ 100 vão parar no bolso dos acertadores.

“Quantias maiores certamente levariam mais pessoas a apostar, gerando mais recursos”, considerou o técnico.

Gabriel Caprioli Vânia Cristino/Correio Braziliense

A CONTA E O FAZ DE CONTA, A CONTABILIDADE "CRIATIVA" DO ME ENGANA QUE EU GOSTO.


Chegou a conta da memorável farra fiscal do ano passado.
As despesas não financeiras do governo central superaram em 22,4% as de 2009.
Apesar do vigoroso crescimento da receita, na esteira da expansão da economia, o superávit primário do governo central, devidamente calculado, não chegou a 1,3% do PIB.

Mas o governo ainda não deu sinais convincentes de que vai conter gastos.
As autoridades fazendárias nem mesmo reconhecem a existência do problema.
Negam que tenha havido deterioração do quadro fiscal em 2010.

O que se vê é mais um preocupante desdobramento do descrédito em que caiu o registro das contas públicas, desde que o governo passou a adotar critérios contábeis indefensáveis para disfarçar o que vem ocorrendo com as finanças públicas.
Tendo produzido estimativas completamente deturpadas dos indicadores fiscais que devem pautar a condução da política macroeconômica, o governo agora quer acreditar no faz de conta e concluir que, com base nesses indicadores, o quadro não parece requerer maiores ajustes na área fiscal.

Tal desdobramento era perfeitamente previsível. Poderia ter sido evitado se a deturpação das contas públicas tivesse ficado encapsulada no governo anterior. Mas essa oportunidade foi perdida quando a presidente Dilma Rousseff decidiu manter Guido Mantega e sua equipe no Ministério da Fazenda.
Como era de se esperar, o ministro da Fazenda agora atribui um custo proibitivo a reconhecer que os indicadores fiscais foram deturpados e deixaram de indicar o que deveriam.

Para não ter de incorrer nesse custo, parece disposto a tudo.

A escalada de irracionalidade que isso pode desencadear não deve ser subestimada. Basta ver a lamentável reação de Mantega a observações sobre o quadro fiscal brasileiro feitas num relatório recente do Fundo Monetário Internacional.

"O diretor-gerente saiu de férias e algum velho ortodoxo deve ter escrito esse relatório com bobagens sobre o Brasil."

Se há uma coisa que o FMI sabe fazer é manter registros cuidadosos da evolução das contas públicas dos países membros.
O relatório do qual se queixa Mantega oferece excelente exemplo desse cuidado, ao assinalar, meticulosamente, que nas estatísticas de resultado fiscal do Brasil "não estão incluídos empréstimos ao BNDES de mais de 3% do PIB tanto em 2009 como em 2010".

FMI está coberto de razão quando constata que o quadro fiscal no Brasil piorou.

Mas é apenas mais uma voz no imenso coro de analistas, no País e no exterior, que vêm defendendo mudanças na política fiscal, tendo em vista a deterioração das contas públicas e a necessidade de rebalancear a política macroeconômica, com alívio da sobrecarga que tem recaído sobre a política monetária, num quadro de inequívoco sobreaquecimento da economia.

A reação destemperada do ministro não tem justificativa.
Mas é apenas uma pequena amostra das dificuldades que Mantega deverá enfrentar para tentar manter as aparências e continuar a pautar a condução da política fiscal por indicadores que já não têm credibilidade.

A se julgar pela experiência argentina nessa área, a perspectiva não é animadora.
Os Kirchner abriram a caixa de Pandora da falsificação de índices de preços no início de 2007.
Até hoje, não conseguiram fechá-la.

Estará o governo disposto a abandonar a deturpação sistemática dos indicadores fiscais observada nos últimos dois anos?

Há uma declaração do secretário do Tesouro a esse respeito, publicada no Estadão em 1/2/2011, que soa auspiciosa:
"Vamos voltar ao mesmo sistema de primário que usamos em 2007 e 2008. A meta é 3,3%. Vamos mirar na meta cheia. É possível abater, mas não vamos. [Este ano] não tem isso."

O problema é que tal declaração estava sendo apenas rememorada pelo jornal.
Tinha sido feita ao Estadão há um ano atrás, em janeiro de 2010.
Mas o secretário não se emenda.
Depois de toda a lambança contábil para disfarçar o descontrole de dispêndio no ano passado, quer agora que o País acredite que o quadro fiscal melhorou.

Com a Fazenda entregue ao faz de conta, vai ser difícil conter gastos.

Rogério Furquim Werneck O Globo