"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 15, 2014

O remendo cambial

A economia brasileira está cheia de remendos - arranjos improvisados para disfarçar problemas -, e um exemplo notório dessa política tem sido a intervenção no câmbio para conter a inflação. É uma política perigosa e, no fim das contas, ineficaz, têm advertido economistas do setor privado. Mas o alerta foi até agora desprezado pelas autoridades. Na segunda-feira o Banco Central (BC) vendeu 4 mil contratos de swap cambial, no total de US$ 198,8 milhões. 

A intenção é aumentar a oferta de moeda americana, deter sua valorização e impedir a contaminação dos preços internos por um dólar mais caro. A estratégia atingiu o limite, ou logo atingirá, avisam especialistas do mercado e de consultorias independentes.

O BC já comprometeu mais de US$ 91 bilhões, pouco menos de um quarto das reservas cambiais, em operações de swap. Desde agosto do ano passado esse tipo de transação vem sendo realizado em todos os dias úteis. É uma espécie de venda futura. No fim do prazo combinado, o investidor poderá receber a moeda americana pelo preço estipulado na data da operação. Estará protegido, portanto, no caso de uma grande valorização do dólar.

Até aqui, o BC tem sustentado o jogo sem ter de enfrentar uma sangria de reservas. Suas intervenções têm servido para manter a cotação do dólar entre R$ 2,20 e R$ 2,30. Diante desses números, a estratégia parece ter dado certo, até agora. O objetivo básico, segundo dirigentes do BC, tem sido evitar grandes solavancos no mercado cambial. Mas um número crescente de especialistas diverge dessa avaliação.

Segundo alguns, o BC comprometeu um volume excessivo de reservas e tem hoje pouco espaço para manter essa política. Somando-se a dívida externa e os outros compromissos em moeda estrangeira chega-se ao total de US$ 219 bilhões. Para esse cálculo se tomam como referência dados oficiais de junho. Esse valor corresponde a cerca de 58% do volume de reservas. No fim de 2012, a exposição ao risco cambial estava em US$ 121 bilhões e o volume de reservas era muito parecido com o de hoje. 

Essa avaliação é rejeitada por outros economistas, porque é impróprio, segundo argumentam, equiparar uma operação de swap à contratação de uma dívida. Se o jogo der certo, ou enquanto der certo, o BC poderá ficar livre de qualquer desembolso. De toda forma, há um risco inegável, podem responder os outros.

Sem entrar nessa discussão, é possível apontar como certo um efeito indesejável das intervenções no câmbio. Ao ampliar a oferta de dólares no mercado, o BC mantém o real valorizado, mais do que estaria se o jogo das cotações funcionasse mais livremente. Isso encarece os produtos brasileiros em dólar e barateia os estrangeiros. 

Dificulta as exportações, facilita as importações, prejudica os produtores nacionais, principalmente os da indústria, e afeta a criação de empregos. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), a cotação do real está entre 5% e 15% acima do ponto compatível com as condições econômicas do País.

Alguns críticos chamam a atenção para as tendências do mercado internacional. Se o dólar continuar ganhando força na maior parte do mundo, o BC enfrentará dificuldade crescente para conter a depreciação do real. Isso dependerá da recuperação dos EUA e da perspectiva de aumento de juros pelo banco central americano.

Mas o argumento mais poderoso é de ordem interna. Apesar da intervenção no câmbio e de outros expedientes, como a contenção dos preços da eletricidade e dos combustíveis, a inflação permanece alta. Falta cuidar com determinação dos principais focos de pressão inflacionária. O governo continua estimulando mais o consumo do que a produção e, além disso, o gasto público permanece excessivo e ineficiente. 

O efeito do câmbio sobre os preços tem sido muito menos perigoso em países com inflação menor e fundamentos mais sólidos. O swap cambial é basicamente um remendo, como os estímulos fiscais ao consumo, a maquiagem das contas públicas e a contenção de tarifas. Política séria é outra coisa.

O Estado de São Paulo

ENQUANTO ISSO... BRASIL REAL : A recessão vem aí

A Copa do Mundo deu um tombo na economia brasileira só comparável ao chocolate que a seleção de Luiz Felipe Scolari sofreu da Alemanha. Com os péssimos resultados registrados em junho, já é praticamente certo que o PIB nacional caiu no segundo trimestre. A recessão pode estar a caminho.

Hoje pela manhã, o Banco Central divulgou seu indicador referente ao nível de atividade da economia brasileira em junho. A queda foi estrondosa: 1,48% sobre maio e 2,68% na comparação com junho do ano passado.


Desde os meses que se seguiram à deflagração da crise financeira mundial, em fins de 2008, a economia brasileira não ia tão mal. No trimestre, a atividade caiu 1,2%, segundo o BC. O indicador serve para antecipar os números oficiais que o IBGE divulga no fim do mês, embora nem sempre coincidam.
Com a divulgação de diversos indicadores referentes a junho e julho, vai ficando claro que a Copa teve efeito danoso sobre o desempenho econômico do país. Na prática, o Brasil simplesmente parou para que os jogos acontecessem.

Mais certo seria dizer que o país foi deliberadamente parado, uma vez que medidas excepcionais, como a decretação de feriados, acabaram sendo a tábua de salvação para que a infraestrutura precária que o governo não deu conta de aprontar a tempo do Mundial não naufragasse.

Com isso, sofreram os mais diversos setores. 
O varejo, por exemplo, teve em junho sua maior queda em dois anos, com recuo de 0,7% em relação a maio. Quando se computam também as vendas de veículos e material de construção, o tombo foi bem maior: 
3,6%, na mesma base de comparação.

Os trabalhadores estão entre os grandes prejudicados pela paralisia que se abateu sobre o país nas semanas da Copa. A geração de empregos em junho foi quase 80% menor que um ano antes e o total de empregados com contratos de trabalho temporariamente suspensos (em layoff) é o mais alto desde 2009.

Daqui a duas semanas, o IBGE divulgará o resultado do PIB do segundo trimestre. O consenso entre os analistas é que ocorreu uma retração no nível de atividade no período. Se confirmado, o número pode levar à revisão do PIB do primeiro trimestre também para o terreno negativo. O país estaria, assim, tecnicamente em recessão.
Trata-se da crônica de um desastre anunciado. 
Há meses a trajetória cadente da economia vem sendo apontada por analistas e críticos como decorrência de decisões equivocadas ditadas por Brasília, que manejou mal a política monetária, explodiu o resultado fiscal e jogou gasolina na inflação, por meio do incentivo desmesurado ao consumo. 
Esta tragédia poderia ter sido evitada.


Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela