"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 25, 2014

20 anos do Plano Real


Os 20 anos do Plano Real permitem celebrar uma verdadeira revolução institucional que reconfigurou o Brasil e que suplantou a mera mudança de moeda. A estabilidade restituiu às pessoas referências de valor que a inflação corroera. Mais que isso, descortinou a possibilidade de o brasileiro voltar a sonhar com o futuro – e de planejar como chegar lá. Este mesmo espírito pode mover e entusiasmar os que hoje querem voltar a ter esperança num país melhor.

Nesta semana, completam-se 20 anos de uma verdadeira revolução. Em 27 de fevereiro de 1994 foi editada a medida provisória que criou a URV (Unidade Real de Valor) e deu o primeiro passo para que o Brasil voltasse efetivamente a ter uma moeda forte. Começava ali uma história de sucesso: o Plano Real. A data será comemorada hoje no Congresso em sessão solene com a presença do presidente Fernando Henrique Cardoso.

Quando o Plano Real veio à luz, o Brasil vivia um ambiente de desesperança, desilusão e preocupação. Há anos sucediam-se tentativas de debelar um processo de corrosão do poder de compra dos salários que, àquela altura, já descambara para uma hiperinflação. Visto de hoje, parece inacreditável que o país tenha conseguido suportar e sobreviver àquela situação.

Em 1993, a inflação brasileira chegara a 2.477%. No início de 1994, já girava em torno de 43% mensais. Trocando em miúdos, isso significa que o Brasil tinha uma inflação diária de 1,2%. Se fossemos anualizar o percentual, resultaria numa inflação de 7.260% em 12 meses. Tudo isso deve parecer impensável para quem não viveu aquele processo...

O dinheiro derretia na mão das pessoas, que tinham que correr para gastar seus salários antes que já não conseguissem comprar quase nada. Os mais prejudicados eram os mais pobres, uma vez que não contavam com as alternativas de indexação de que as classes mais ricas, que tinham conta em banco e aplicações financeiras, dispunham. Estabilizar a moeda era, portanto, também ação de larguíssimo alcance social.

O processo rumo à estabilização foi conduzido pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso. Ele fora escalado pelo presidente Itamar Franco, em maio de 1993, com a meta de acabar com a hiperinflação, que simplesmente dizimava todas as chances de sucesso do país, e organizar a vida econômica do país. Algo que, àquela altura, soava simplesmente impossível.

O Plano Real foi concebido sob a premissa da transparência e do diálogo franco com a sociedade. Nada de congelamento de preços, pacotaços ou medidas tomadas de surpresa. Tudo bem distinto das seis tentativas anteriores de estabilização vividas pelo país desde a redemocratização; todas fragorosamente fracassadas, levando a população a se frustrar, mas nunca a perder a esperança.

O plano seguiu adiante até que, em 1° de julho daquele ano, o país passou a contar com uma nova moeda. Nascia ali o real, nosso oitavo padrão monetário em 50 anos. Para se ter ideia da fúria da inflação e seu poder destrutivo, durante estas cinco décadas 18 zeros foram cortados de nossa moeda. Superar este histórico de decepção era um desafio e tanto.

Nestes últimos 20 anos, o país registrou inflação média anual de 8%. Uma vitória e tanto se comparada ao caos que assolava o Brasil até 1994. Mas, ainda assim, um nível elevado, que demanda atenção e cuidado de governantes comprometidos com o bem-estar dos brasileiros. Para êxito completo, nosso nível de preços precisaria baixar mais, garantindo a tranquilidade que a população precisa e melhores condições para a retomada do desenvolvimento sustentável.

É preocupante que, duas décadas depois, a inflação ainda esteja em pauta e ainda assuste os brasileiros. Ano após ano, os preços têm subido bem acima da meta fixada pela política monetária. Hoje, ao invés de perseguir os 4,5% fixados pelo Conselho Monetário Nacional, o governo parece ter se satisfeito em conviver com algo na faixa de 6% anuais. Mais preocupante é que instrumentos artificiais e estratégias que já se revelaram fracassadas no passado são agora usadas para evitar um descontrole maior de preços.

Os 20 anos de início da estratégia vitoriosa do real permitem celebrar uma verdadeira revolução institucional que reconfigurou o Brasil, e que suplantou em muito a mera mudança de moeda. A estabilidade monetária restituiu às pessoas referências de valor que a inflação corroera. Mais que isso, descortinou a possibilidade de o brasileiro voltar a sonhar com o futuro – e de planejar como chegar lá.

Este mesmo espírito pode mover e entusiasmar os brasileiros que hoje querem voltar a ter esperança num país melhor. O Plano Real demonstrou ser possível triunfar nas piores condições, sob condições que alguns julgavam insuperáveis – vale recordar que, na ocasião, o próprio PT apostou nisso. A estabilização tornou-se, assim, a maior conquista da sociedade brasileira na história recente.

Hoje, o Brasil tem desafios tão ou mais dramáticos que os de duas décadas atrás. Mas o sucesso da nova moeda, alcançado por uma brilhante equipe liderada por Fernando Henrique, comprova que o país tem plenas condições de superar a desesperança, a falta de credibilidade e de confiança que hoje acometem pessoas e desestimulam empresas. Basta dispor de um governo que alie ética, competência e vontade de fazer, como tivemos 20 anos atrás.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

Joaquim Barbosa critica presença de advogados na Justiça Eleitoral


O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Joaquim Barbosa, criticou nesta terça-feira a composição e funcionamento da Justiça eleitoral brasileira. Em sessão do CNJ, ele lembrou que parte das vagas dos tribunais eleitorais são preenchidas por advogados.

- Há coisa mais absurda que o advogado ter seu escritório durante o dia e à noite se transformar em ministro? Ele cuida de seus clientes durante o dia, tem seus honorários, e à noite ele se transforma em juiz. Ele julga às vezes causas que têm interesses entrecortados e de partes sobre cujos interesses ele vai tomar decisões à noite. Estou falando da Justiça eleitoral, que nada mais é do que isso. E ela conta com quase um terço dos seus membros que são advogados - disse Barbosa, cujas críticas à Justiça eleitoral são recorrentes. 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem sete ministros, dos quais três são oriundos do STF, dois do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e dois da advocacia.Já os Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), que funcionam nas 27 unidades da federação, são compostos por dois desembargadores do Tribunal de Justiça, dois juízes estaduais, um juiz federal e dois advogados. 

As críticas de Barbosa foram feitas durante a análise de procedimento requerido pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra um ato do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), que abrange os estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo.

O ato formalizou a cessão de uma procuradora da fazenda nacional para o gabinete de um juiz federal. Para a OAB, a procuradora não teria isenção suficiente para tocar o trabalho no gabinete.


Barbosa discordou: 
- É no mínimo um menoscabo (menosprezo) da inteligência da magistratura, no mínimo. O juiz é um débil mental, ele não toma decisões. Ele é comandado pelo seu assessor, não é? - ironizou Barbosa, para em seguida falar do que entende ser um absurdo maior: - Agora, se fôssemos levar a sério essa prerrogativa de acabar com essas incongruências que existem no Judiciário brasileiro, as primeiras que deveríamos extinguir são as que beneficiam advogados. Por maioria, o CNJ rejeitou o pedido da OAB. 

O Globo 
ANDRÉ DE SOUZA
(EMAIL)

Qual o nosso ideal de hoje? "O mal nos engana, no Brasil. Aqui, o perigo é o Bem. "Antes de 1964, achávamos tudo fácil de realizar; agora temos liberdade, mas não podemos fazer quase nada " "

 

De vez em quando eu falo sobre a ditadura militar e me sinto um dinossauro, pois a “dita” aconteceu há 50 anos. Porém, nestas últimas semanas se falou muito daqueles tristes dias militares, pela aproximação de seu aniversário. Ela voltou como a lembrança de um pesadelo ou para nos alertar sobre os perigos para a democracia, agora que temos um país conflagrado por paralisia ideológica e por incompetência generalizada.

Antes de 1964, na Guerra Fria, no terceiro-mundismo, achávamos tudo fácil de realizar — nosso desejo bastava, mesmo que a utopia fosse impossível. Achávamos que poderíamos tudo; só não tínhamos liberdade. Hoje temos liberdade, mas não podemos fazer quase nada.

A injustiça e a boçalidade nos governaram por 21 anos. Foram espantosos a ingenuidade e o despreparo que embalaram o golpe naquela época. Nossa inocência política não imaginava quem seriam os inimigos. E, diante dos lutadores românticos, uma outra realidade aflorou, sinistra:
 os inimigos eram os rosários entre os dedos, os elefantes de louça, os bibelôs sem gosto, as famílias de classe média marchando. Das crendices ressurgia um Brasil puído, gasto, inatual, que sempre esteve ali e que achávamos obsoleto. 
O golpe de 64 despertou o Brasil medíocre.

Acordamos de um sonho para um pesadelo. O país mudou em 24 horas. 
E depois de 1968, jovens idealistas piraram, enquanto multidões de yuppies brotaram do falso “milagre”, enchendo o rabo de dinheiro, adotando o cinismo frio que hoje virou até uma “qualidade” executiva.

Tínhamos horror ao mundo real: 
um presidente anão que parecia um ET verde oliva, a cara de boçal do Costa e Silva, as gargalhadas de Yolanda, o rosto de vampiro deprimido de Médici, a estátua ereta e autoritária do Geisel e os colhões de Figueiredo, fazendo ginástica de sunguinha para o povo ver. Tudo nos dava horror, tínhamos de fechar os olhos.

E, como a política virou crime, cultivamos utopias pessoais, sexuais, místicas, drogadas. O espírito hippie não chegou aqui com flores e amor, mas com balas e porrada. A contracultura sem flores, o perigo de morte geraram ao menos uns sete anos de horror. Esse era o espírito do tempo. Do rosto sério e reflexivo dos guerrilheiros, passamos ao sorriso alvar meio bobo dos desbundados.

Não penso em uma anormalidade que nos assolou, mas sim na terrível “normalidade” a que nos adaptamos. A ditadura acabou, voltou a democracia, somos todos livres e, no entanto, qual é a loucura de hoje?

Durante a ditadura, todos éramos o bem. O mal eram os milicos. Acabou a dita, e as “vítimas” (dela) pilharam o Estado. O futuro virou uma promessa de aperfeiçoamento de produtos, com uma velocidade que faz do presente um arcaísmo, uma espécie de passado “ao vivo” em decomposição. Temos hoje de lutar por quê? Qual o nosso ideal de hoje?

A ditadura nos trouxe o desencanto. 
Ela nos fez conscientes de nossa pequenez, da importância das mesquinhas coisas da vida. Depois da ditadura, passamos a desejar uma liberdade vagabunda, para nada, para rebolar o rabo nas revistas, uma liberdade “fetichizada”, transformada em produto de mercado. Ganhamos o mercado da liberdade.

O fracasso, a derrota, ganhou uma beleza nova — a beleza da desistência, a nobreza da vitimização.

Aqui no Brasil, temos a brutal resistência do atraso, do Mesmo. 
Estamos nos acostumando a isso. Pior que a violência é habituar-nos com ela. 
O mal ficou banalizado, e o bem, um luxo, quase um hobby. A desesperança parece-nos maturidade, do pessimismo estamos chegando a um fatalismo que passou a ser o lugar da sabedoria:
 “ah... é assim mesmo... não dá para fazer nada mesmo”.

Ou então um otimismo reativo: 
o Brasil jamais afundará. Sem dúvida, mas poderá ficar cada vez mais disfuncional e irreversível. Depois das reformas de FHC, tudo o que estava pronto para decolar voltou atrás pela ignorância regressista do PT.

Hoje, vivemos na expectativa de que algo acontecerá, num tempo onde nada se soluciona. Vivemos uma cilada histórica, quando ninguém sabe como governar um país; o despreparo continua, com governantes de “esquerda” pensando com os mesmos parâmetros de 50 anos atrás.

Democracia é a palavra do momento. Nunca se falou tanto em democracia como ultimamente. Fala-se tanto nela talvez por medo de que ela se transfigure, se deforme. Fazem-se grandes denúncias do passado, para que não esqueçamos os horrores. É importante punir e lembrar, sem dúvida.

Mas democracia não pode ser definida apenas por ausência de ditadura, pelo que ela “não” é ou “não” foi. Nossa democracia está em dificultosa construção, frágil, difícil de entender por um país que já começou excludente e em que a República nasceu de um golpe militar. Mas não adianta apenas buscar os inimigos que a destruíram no passado, quem torturou, quem matou.

É importante pegar os que sobraram das iniquidades cometidas, mas temos de pegar principalmente os inimigos da democracia de hoje, os que querem acabar com a liberdade de expressão, os que arrasam o país pela corrupção sistemática e pela busca voraz do poder pelo poder. Quem quer acabar com a democracia hoje, a exemplo dos fascistas da Venezuela, dos fascioperonistas da Argentina ou do Equador, são compatriotas loucos e mal informados, aqui.

Baudrillard escreveu uma frase que tenho citado e que resume a loucura bolivariana que nos ameaça:
 “O comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de desfuncionamento e da desestruturação brutal.”

O mal aqui está nos pequenos psicopatas que, quietinhos, nos roem a vida. 
Aqui o grande canalha serve para camuflar os pequenos (que são os grandes) canalhas. O mal do Brasil não está na infinita crueldade dos torturadores ou das elites sangrentas; está mais na sua cordialidade. 
O mal nos engana, no Brasil. Aqui, o perigo é o Bem.

Isso é que nos ameaça e interessa e não mais as ossadas do Araguaia. Encanemos os fascistas d’antanho, mas cuidemos dos fascistas de hoje.

Arnaldo Jabor
Qual o nosso ideal de hoje?