"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 27, 2010

MAS QUE POLÍCIA FEDERAL, QUE NADA !



O Departamento de Polícia Federal (DPF), subordinado ao Ministério da Justiça, tem sido um ai-jesus do marketing eleiçoeiro nestes sete anos e dez meses das gestões petistas de Lula.

Vende-se a ideia de que, na "nova administração", os agentes encarregados de reprimir contrabando e tráfico de drogas, entre outros delitos de sua alçada, tornaram-se, de repente, mãos armadas pelo Estado brasileiro, pela primeira vez sob controle popular, para prender e algemar criminosos contra os interesses do povo trabalhador.

Como num passe de mágica, a estrutura repressiva, truculenta e corrupta de antes da República pete-lulista se teria transformado num instrumento incorruptível e implacável de justiça, que passou a povoar seus xadrezes com políticos e burgueses inescrupulosos que fazem fortuna se apropriando do parco pão dos pobres
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Será essa a expressão da verdade ou mera propaganda enganosa?

A pergunta tornou-se inevitável após as notícias da investigação feita pelos federais sobre a quebra de sigilo fiscal e bancário da filha do candidato da oposição à Presidência da República, José Serra, do PSDB, do marido dela e de outros tucanos de alta plumagem, entre os quais o vice-presidente nacional do partido, Eduardo Jorge Caldas Pereira.

A duas semanas do segundo turno da eleição presidencial, em que a sorte da candidata do presidente, Dilma Rousseff, do PT, será lançada, os investigadores descobriram o óbvio:
o sigilo foi quebrado por servidores da Receita Federal, que tinham em comum a carteirinha do PT.

Só que com a conclusão factual veio um palpite, que virou veredicto, de que não havia conexão entre a quebra de sigilo de tucanos por petistas e o pleito, apesar da feroz disputa deste por vítimas e algozes.

Nem o dr. Watson seria capaz de explicar ao detetive Sherlock Holmes a lógica da teoria de que, além das aparências, as evidências também enganam.

Ou seja, a prova definitiva de não ter havido motivação partidária na prática do delito seriam os laços dos servidores delinquentes com o partido no poder e dos contribuintes lesados com o partido do opositor renitente.

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Algum desavisado pode imaginar que esse absurdo da prática investigativa tenha sido um mero tropeço numa caminhada de acertos da polícia cidadã de que tanto os ex-ministros da Justiça Márcio Thomaz Bastos e Tarso Genro sempre disseram se orgulhar.

Uma radiografia isenta e desapaixonada das operações com denominações escalafobéticas do DPF, porém, conduz à conclusão exatamente oposta.


O militante petista Waldomiro Diniz foi filmado e gravado achacando o "empresário" da jogatina Carlos Augusto Ramos, conhecido como Carlinhos Cachoeira.

Em 2002, ano da primeira vitória eleitoral de Lula para a Presidência, ele abordou o referido doador potencial para lhe pedir dinheiro para as campanhas eleitorais de Rosinha Matheus (PMDB, ex-PSB), Benedita da Silva (senadora do PT), do Rio de Janeiro, e Geraldo Magela (PT), de Brasília.
Em contrapartida, ofereceu ao interlocutor a possibilidade de modificar a seu bel-prazer um edital da Loteria do Estado do Rio de Janeiro (Loterj), estatal que presidia naquela ocasião.
Mas, seis anos e oito meses depois da denúncia do caso pela revista Época, o DPF não conseguiu produzir um inquérito capaz de servir de base para o Ministério Público processar o ex-encarregado por José Dirceu das negociações do Palácio do Planalto com as bancadas governistas no Congresso.

A impunidade por ele gozada agora é perpétua, pois, já prescrito, seu crime ficará impune para sempre.
De Waldomiro Diniz para cá, o DPF tem brilhado nas páginas dos jornais com prisões de empresários, banqueiros e políticos sem relevância de regiões remotas do imenso território brasileiro.

De 2003 a 2004
, no primeiro governo Lula, foram realizadas 292 operações, nas quais 153 políticos tiveram a vida devassada.

Em 2007
, 54 políticos foram investigados em 188 operações.
Em 2008, 101 em 235; e em 2009 e 2010, 69 em 288.

Entre 2003 e outubro de 2010, 393 políticos tiveram de se explicar aos agentes federais do DPF.

Entre eles, o único figurão do governo federal que virou alvo dos policiais foi o ex-presidente da Empresa de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero) Carlos Wilson Campos.

A diferença entre o governista e seus colegas da oposição indiciados é que, enquanto os outros foram autuados, ele foi "dispensado": afinal, tinha morrido.

Dois anos depois do achaque ao "bingueiro", o DPF, sob Lula, tentou prender o financista Daniel Dantas na Operação Chacal, deflagrada por uma fraude - um CD-ROM produzido pela sócia italiana que disputava com ele o controle da Brasil Telecom foi entregue aos federais como "prova" de que o acusado tinha contratado a empresa de consultoria americana Kroll para espionar sócios e autoridades.

Foi provado pela perícia
oficial que não houve crime.

Mas o DPF não descansou até prender o gestor de fundos, tendo como base outra fraude - o vídeo produzido pela equipe do repórter César Tralli, da Globo, procurando exibir a hipotética tentativa de suborno do delegado por dois pretensos emissários de Dantas.

A Procuradoria de Milão, ao investigar fraudes da Telecom Italia, constatou que ela subornou autoridades da República e policiais brasileiros para defenderem seus interesses.

O próprio DPF processou o delegado encarregado do caso, Protógenes Queiroz, o que não impediu que ele se elegesse deputado federal com sobras dos votos do palhaço Tiririca, e isso lhe garantirá, entre outros benefícios, foro privilegiado.

Dois lembretes antes de concluir:
Lula pediu que o ex-presidente FHC mandasse o DPF investigar o assassinato de Celso Daniel, em 2002.

E garantiu à viúva de Toninho "do PT" que, no poder, tudo faria para punir quem matou o marido dela, em 2001.

Algum leitor arguto pode informar em que, nove anos depois do assassínio do prefeito de Campinas e passados 106 meses da execução do de Santo André, o DPF contribuiu para os inquéritos que apuram estes dois casos?

José Nêumanne - O Estado de S.Paulo
JORNALISTA E ESCRITOR, É EDITORIALISTA DO "JORNAL DA TARDE"

ANO APOTEÓTICO É UMA CAIXA DE PANDORA.


Analistas criticam uso da capitalização da Petrobras em artifício contábil

Uma manobra fiscal da União na capitalização da Petrobras rendeu R$ 31,9 bilhões e levou o governo a registrar superávit primário recorde em setembro, de R$ 26,1 bilhões.

Sem o reforço da estatal, o déficit seria o pior do ano: R$ 5,8 bilhões.
A União usou só parte do pagamento da Petrobras, de R$ 74,8 bilhões no total, para participar da capitalização da empresa.

A diferença entre o que recebeu e aportou na estatal engordou as receitas e produziu o superávit.
Analistas criticam o artifício contábil.

Para Raul Veloso, a "gambiarra" permitirá cumprir a meta fiscal do ano, mas esta já não inspira confiança.

A mágica do governo fortemente criticada por especialistas será essencial para o cumprimento da meta fiscal de 2010, mas deixará para o próximo presidente uma estatística das finanças públicas menos transparente.

O superávit fiscal primário no mês passado (economia para pagamento de juros da dívida pública) equivale a um crescimento de 552% em relação a agosto, quando o saldo foi de R$ 4 bilhões.

O recorde anterior era de R$ 16,7 bilhões e foi obtido em abril de 2008. No acumulado do ano, o superávit do governo central está em R$ 55,7 bilhões.

Isso porque, embora o Tesouro tenha um resultado positivo de R$ 95,8 bilhões no período, a Previdência Social e o Banco Central são deficitários em R$ 39,7 bilhões e R$ 403,5 milhões, respectivamente.

Analista: meta fiscal foi jogada no lixo

O primário acumulado ainda está abaixo da meta fixada para o ano, de R$ 76 bilhões (2,15% do Produto Interno Bruto, o PIB, conjunto de bens e riquezas produzidos no país). Mas, segundo o secretário do Tesouro, Arno Augustin, as contas vão fechar: No acumulado em 12 meses, o primário está em R$ 79,5 bilhões, acima da meta.

Trabalhamos com a projeção de que ela será cumprida.Augustin também defendeu a manobra fiscal: O que houve foi a entrada de uma receita de concessão (pagamento pela Petrobras da cessão onerosa de cinco bilhões de barris de petróleo), algo que sempre existiu.

Usamos uma metodologia consagrada e que rendeu um primário importante.
A União usou apenas parte do pagamento da Petrobras, de R$ 74,8 bilhões no total, para participar da capitalização da empresa.

A diferença entre o que recebeu e aportou na estatal foi o que engordou as receitas e produziu o superávit recorde.

Em 1998, por exemplo, o governo recebeu R$ 9,3 bilhões em receitas de concessão de telefonia e o primário daquele ano foi de R$ 5 bilhões.

Esse tipo de receita é sempre significativo e sempre fez parte da nossa metodologia defendeu Arno.

A maior dificuldade do governo em realizar o primário este ano está no forte aumento das despesas, especialmente com investimentos.

Esses gastos apresentam alta nominal de 57% (38% em termos reais) e chegam a R$ 32,2 bilhões.Já os desembolsos com custeio da máquina apresentam alta real de 7,2% Arno considera que o nível ainda está acima do ideal, pois está próximo do ritmo da economia, mas é aceitável.

Os gastos com pessoal, por sua vez, tiveram alta nominal de 9,3%, caindo 3,7% em termos reais. Já as receitas totais, entre janeiro e setembro, cresceram 15,5% em termos reais.

Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, a gambiarra montada pelo governo permitirá o cumprimento da meta fiscal do ano, mas esta já não inspira mais confiança:

O governo jogou a meta fiscal no lixo.
Chegar a ela por meio de artifício contábil acaba fazendo com que o número caia em descrédito.

Felipe Salto, da consultoria Tendências, tem a mesma avaliação: A meta fiscal já não fornece mais informações relevantes.

Segundo Velloso, o descompasso nas contas públicas pode ser explicado pela crise mundial iniciada em 2008 e pela má qualidade dos gastos. Ele lembrou, que durante as turbulências, a arrecadação caiu, mas o governo manteve suas despesas elevadas para estimular a economia.

Agora, apesar da recuperação nas receitas, elas ainda apresentam uma defasagem, que é agravada pelo fato de o governo não ter feito esforços significativos para conter gastos com custeio e pessoal ao mesmo tempo em que os investimentos públicos deslancharam.

Segundo Salto, a contabilidade fiscal varia entre países, mas regras fixadas precisam ser cumpridas: Se as regras são distorcidas, acaba havendo no futuro uma piora no acompanhamento das estatísticas, um aumento da incerteza, do risco.

Martha Beck O Globo

Opinião de Mirian Leitão :

O governo Lula está produzindo o maior retrocesso na História recente do país na transparência das contas públicas.

Ontem foi um dia de não se esquecer.

Dia em que o governo fez a mágica de transformar dívida em receita. E assim produziu o maior superávit primário do país em setembro, quando, na verdade, o Tesouro teve um déficit de R$ 5,8 bilhões.

A LUTA CONTINUA E O RISCO É IMINENTE.


Em oito anos uma das marcas do governo Luiz Inácio da Silva foi a total falta de disposição para comprar brigas com este ou aquele setor em prol do bem coletivo. 

Para não se indispor com áreas que poderiam a vir lhe fazer falta nos momentos que realmente interessam - os eleitorais -, o presidente da República desistiu das reformas sindical, trabalhista, previdenciária, política e tributária.

Defendeu malfeitorias em público e precisou até desistir de seu plano de conquistar um terceiro mandato quando viu que o Senado não aprovaria e, se aprovasse, o Supremo Tribunal Federal não deixaria prosperar. 

Mudou, então, o plano e decidiu disputar por meio de interposta pessoa.

De um só propósito Lula e o PT não desistiram até hoje: de controlar os meios de comunicação.

As tentativas têm a idade dos dois mandatos de Lula, mudam de feição, alteram o figurino, mas não abandonam o ringue.

O mais direto seria propor regras mediante as quais o governo federal exercesse controle sobre o conteúdo do que é divulgado nos jornais, revistas, emissoras de rádio e televisão.

Mas, por aí o caminho está interditado. 

Há a acusação de censura e reação forte.

Tenta-se, então, montar um disfarce e construir um discurso de defesa da "democratização" dos meios de comunicação
A palavra de ordem é desconcentrar, romper a ação da "mídia monopolista".

O objetivo, entretanto, é sempre o mesmo: controlar, fiscalizar, punir, pressionar.

Todas as iniciativas que surgiram até agora tiveram esse mesmo caráter: o conselho lá do início, aquele cuja proposta de criação o próprio Planalto se comprometeu a encaminhar ao Congresso, a Conferência de Comunicação, o Plano Nacional de Direitos Humanos 3, o programa do PT aprovado em congresso no início deste ano e agora essas iniciativas estaduais de montagem de conselhos controladores.

Claro que a exposição de motivos oficial não é essa assim tão dura. 

Apresentam-se como defensores da sociedade contra abusos e ilegalidades cometidas por revistas, rádios, jornais e televisões.

E para isso evidentemente o Estado precisa ter instrumentos de fiscalização sobre os conteúdos. 

Ora, aquela argumentação acima é falsa pelo seguinte: 
para coibir abusos há a Justiça, para controlar ilegalidades, também; para regular confiabilidade há a avaliação do público e para assegurar a multiplicidade há a concorrência.

Mas, como o que interessa de fato é o controle direto para assegurar o enquadramento na "linha justa" e a disseminação do mesmo tipo de pensamento para que se possa, assim, construir uma hegemonia social em torno de um projeto de poder, torna-se imprescindível criar os conselhos.

E, se não for de um jeito, vai de outro como o Poder Legislativo do Ceará fez e como os Poderes Executivos dos Estados da Bahia, Piauí e Alagoas propõem.

Os dois primeiros governados pelo PT, mas o último pelo PSDB que se diz contrário às ofensivas autoritárias, mas não se pronunciou a respeito da proposta feita pela Casa Civil do governo Teotônio Vilela Filho.

Nenhuma das ofensivas prosperou até hoje. 

Dificilmente prosperarão as novas, exatamente porque a imprensa está atenta (daí a contrariedade).

Mas convenhamos que é um atraso uma democracia que se pretende madura precisar ficar de vigília para que não lhe roubem a liberdade de pensar e de dizer.

Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
A Luta continua.