"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 19, 2013

E NO BRASIL ASSENHOREADO E CARCOMIDO PELA CANALHA : OS DONOS DO ANTRO


A República brasileira nasceu sob a égide do coronelismo.
O federalismo entregou aos mandões locais parcela considerável do poder que, no Império, era exercido diretamente da Corte.
Isto explica a rápida consolidação do novo regime justamente onde não havia republicanos.

Para os coronéis pouca importava se o Brasil era uma monarquia ou uma república. O que interessava era ter as mãos livres para poder controlar o poder local e exercê-lo de acordo com seus interesses.

Mesmo durante as ditaduras do Estado Novo e militar, o poder local continuou forte, intocado. A centralização não chegou a afetar seus privilégios.
Se não eram ouvidos nas decisões, também não foram prejudicados.
E quando os regimes entraram em crise, na "nova ordem" lá estavam os coronéis. Foram, ao longo do tempo, se modernizando.
 
Se adaptaram aos novos ventos econômicos e ao Estado criado a partir de 1930.

O fim do regime militar, paradoxalmente, acabou dando nova vida aos coronéis.
 Eles entenderam que o Congresso Nacional seria - como está sendo nas últimas três décadas - o espaço privilegiado para obter vantagens, negociando seu apoio a qualquer tipo de governo, em troca da manutenção do controle local.

Mais ainda, a ampliação do Estado e de seus recursos permitiu, como nunca, se locupletar com os bancos e empresas estatais, os recursos do orçamento federal e, mais recentemente, com os programas assistenciais.
A modernização econômica e as transformações sociais não levaram a nenhuma alteração dos métodos coronelísticos.

A essência ficou preservada.

 Se no começo da República queriam nomear o delegado da sua cidade, hoje almejam uma diretoria da Petrobras. A aparência tosca foi substituída por ternos bem cortados e por uma tentativa de refinamento - que, é importante lembrar, não atingiu os cabelos e suas ridículas tinturas, ora acaju, ora preto graúna.

Não há nenhuma democracia consolidada que tenha a presença familiar existente no Brasil.

Melhor explicando:
em todos os estados, especialmente nos mais pobres, a política é um assunto de família. É rotineiro encontrar um mesmo sobrenome em diversas instâncias do Legislativo, assim como do Executivo e do Judiciário. Entre nós, Montesquieu foi tropicalizado e assumiu ares macunaímicos, o equilíbrio entre os poderes foi substituído pelo equilíbrio entre as famílias.

Um, entre tantos tristes exemplos, é Renan Calheiros.
Foi eleito pela segunda vez para comandar o Senado.
Quando exerceu anteriormente o cargo foi obrigado a renunciar para garantir o mandato de senador - tudo em meio a uma série de graves denúncias de corrupção. Espertamente se afastou dos holofotes e esperou a marola baixar.

Como na popular marchinha, Renan voltou.

 Os movimentos de protesto, até o momento, pouco adiantaram.
Os ouvidos dos senadores estão moucos.
A maioria - incluindo muitos da "oposição" - simpatiza com os seus métodos.
E querem, da mesma forma, se locupletar.
Não estão lá para defender o interesse público.
E ridicularizam as críticas.

Analiticamente, o mais interessante neste processo é deslocar o foco para o poder local dos Calheiros.

É Murici, uma paupérrima cidade do sertão alagoano.
Sem retroagir excessivamente, os Calheiros dominam a prefeitura há mais de uma década. O atual prefeito, Remi Calheiros, é seu irmão - importante:
exerce o cargo pela quarta vez.

O vice é o seu sobrinho, Olavo Calheiros Neto.
Seu irmão Olavo é deputado estadual, e seu filho, Renan, é deputado federal (e já foi prefeito).

Não faltam acusações envolvendo os Calheiros.
Ao deputado estadual Olavo foi atribuído o desaparecimento de 5 milhões de reais da Assembleia Legislativa, que seriam destinados a uma biblioteca e uma escola.

A resposta do Mr M da política alagoana foi agredir um repórter quando perguntado sobre o sumiço do dinheiro. E teve alguma consequência?
Teve algum processo?
Perdeu o mandato?
Devolveu o dinheiro que teria desviado?
Não, não aconteceu nada.

E a cidade de Murici?
Tem vários recordes.

O mais triste é o de analfabetismo:
mais de 40% da população entre os 26 mil habitantes.

De acordo com dados do IBGE, o município está entre aqueles com o maior índice de incidência de pobreza:
74,5% da população.

41% dos muricienses recebem per capita mensalmente até ¼ do salário mínimo. Saneamento básico?
Melhor nem falar.
Para completar o domínio e exploração da miséria é essencial contar com o programa Bolsa Família.

Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social, na cidade há 6.574 famílias cadastradas no programa perfazendo um total de 21.902 pessoas, que corresponde a 84,2% dos habitantes.

Quem controla o cadastro?
A secretária municipal de Assistência Social?
Quem é?
 Bingo!
É Soraya Calheiros, esposa do prefeito e, portanto, cunhada de Renan.

O senador é produto desta miséria.
 Em 2007, quando da sua absolvição pelo plenário do Senado (40 votos a favor, 35 contra e 6 abstenções), seus partidários comemoraram a votação como uma vitória dos muricienses. Soltaram rojões e distribuíram bebidas aos moradores.
E os mais fervorosos organizaram uma caravana a Juazeiro do Norte para agradecer a padre Cícero a graça alcançada...

Porém, o coronel necessita apresentar uma face moderna.
Resolveu, por incrível que pareça, escrever livros.
Foram quatro.

Um deles tem como título "Do limão, uma limonada".
Pouco antes de ser eleito presidente do Senado, a Procuradoria-Geral da República o denunciou ao STF por três crimes:
falsidade ideológica,
uso de documentos falsos e peculato.
Haja limonada!

Marco Antonio Villa  
Os donos do Senado

A ameaça fascista


Os liberais defensores do livre mercado são comumente chamados de "reacionários" ou de "fascistas" pela esquerda.

O que nem todos sabem é que o fascismo sempre foi um casamento entre nacionalistas,
sindicatos e grandes empresários,
em uma simbiose totalmente antiliberal.

Para Robert Paxton, em "A anatomia do fascismo", o programa fascista era "uma curiosa mistura de patriotismo de veteranos e de experimento social radical, uma espécie de "nacional-socialismo"".

Donald Sassoon, em "Mussolini e a ascensão do fascismo", mostra como o clientelismo, a mentalidade antiparlamentar presente na tradição socialista italiana, e um dos mais altos índices de sindicalização da Europa ajudaram a levar os fascistas ao poder.

O próprio Mussolini foi socialista, gostava de se identificar como "homem do povo" e se dizia um defensor da classe operária. Sua visão era extremamente coletivista, bem sintetizada na máxima:
"Tudo no Estado, nada contra o Estado, e nada fora do Estado."

Não existe nada menos liberal que isso!

Se há um "liberalismo" que realmente se assemelha ao fascismo, este é o dos "progressistas" modernos que usurparam o termo para pregar bandeiras estatizantes e coletivistas, como demonstra Johah Goldberg em "Fascismo de esquerda". Mas este não guarda nenhuma relação com o liberalismo clássico, defensor do livre mercado e do indivíduo como um fim em si mesmo.

O capitalismo liberal defende a propriedade privada,
a liberdade individual e a livre concorrência,
inclusive universal (globalização).

Se, por um lado, esse modelo é o melhor para a grande maioria dispersa, por outro ele gera desconforto em certos grupos organizados.
Ninguém gosta de concorrência, ainda que ela seja essencial para o progresso.

É assim que algumas categorias se unem e, apesar de minoritárias, conseguem fazer um forte lobby para obter privilégios estatais. Suas vantagens são concentradas, e os custos são espalhados por toda a sociedade. Grandes empresários e sindicatos se juntam em busca de medidas que obstruem a livre concorrência, e tudo isso em nome dos "interesses nacionais".

Tivemos recentemente um claro exemplo disso na questão dos portos.

Qualquer um sabe que nossa infraestrutura é caótica, e impõe um pesado custo ao país em termos de competitividade. Mas. quando reformas tímidas para modernizar um pouco os portos foram propostas, a reação foi imediata. Modernizar os portos implica em mais concorrência, e isso os sindicatos e os capitães da indústria nacional não aceitam.

Toda a retórica nacionalista serve somente para ocultar essa agenda de interesses que, no fundo, prejudica a população brasileira. Nossos portos, assim como estradas e aeroportos, estão em estado precário porque faltam investimentos e porque a gestão estatal é sempre terrível. Mas mexer nisso é comprar briga com as forças reacionárias.

O ideal, do ponto de vista liberal, seria privatizar de uma vez portos, estradas, ferrovias, bancos públicos, a Infraero e a Petrobras. A Companhia das Docas do RJ, por exemplo, dá prejuízo acima de R$ 100 milhões por ano! Os escândalos de corrupção são frequentes. A reserva de mercado garante privilégios absurdos aos sindicatos. Os produtos chegam aos consumidores a preços maiores.

A quem interessa isso tudo?

A Petrobras está em evidência também, pois o governo está destruindo a olhos nus a maior empresa brasileira. Seu uso político para fins partidários já fez com que dezenas de bilhões de reais evaporassem em seu valor de mercado.
O país ainda precisa importar gasolina, e faltam recursos para os investimentos necessários.

Quem ganha com isso?

Mas quando um liberal aponta esses fatos e apresenta seus argumentos em defesa das privatizações, ele é logo tachado de "reacionário" ou "fascista" pelos esquerdistas. Quem é reacionário:
aquele que deseja modernizar a economia com mais concorrência ou aquele que luta pelo passado mercantilista?
Quem é fascista:
aquele que combate a nefasta aliança entre sindicatos e grandes empresários ou aquele que pede mais privilégios em nome do nacionalismo?

Um dos aspectos que facilitaram a ascensão fascista na Itália foi a total descrença na democracia, no Parlamento corrupto, envolto em escândalos de compra de votos dos deputados.

Outro fator foi a inexistência de uma oposição organizada.
Soa familiar?
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Todo cuidado é pouco.
O fascismo é uma ameaça real, como podemos ver na Venezuela e na Argentina. Antídotos contra ele são justamente a privatização e a concomitante redução do intervencionismo estatal na economia.

Rodrigo Constantino