"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 29, 2010

NOTAS DE UM MARCIANO

Cheguei ontem à região tropical da Terra.

Curiosamente, o planeta é recortado num conjunto do que eles chamam de países: agrupamentos com histórias ridiculamente parecidas, encapsulados por territórios vistos como autônomos, dotados de leis próprias e norteados por um dogma chamado de soberania.

Diferentemente de nós que nos sabemos ligados a todos os seres vivos e a todo o universo, pois nele estamos e a ele retornamos depois dos nossos bem vividos 500 anos com vida sexual plena e ativa, eles têm uma aguda consciência do diferente.

Embora vizinhos e separados por marcos arbitrários, eles vivem como se fossem estrangeiros.
Estão convencidos que são compartimentos coletivos singulares, capazes de praticar e fazer o que quiserem, mas sabem que são parte de um conjunto maior, conforme é claro ao nosso olhar marcianamente distanciado.

O resultado desta concepção individualista é o constante confronto com o bem-estar geral e coletivo; e um conjunto de dualidades que tem sido a tônica de sua visão de mundo.

Pois, para eles, tudo se reduz a oposições do tipo real/ideal, nós/eles, humanidade/animalidade, vida/morte, pobres/ricos... quando - na verdade - sabemos que, quanto mais um lado engloba e recalca o outro, mais esse outro lado retorna assombrosamente fortalecido.

Engolfados nessas oposições, os terráqueos tudo pressentem, mas nada podem fazer porque não têm como desmontar o seu sistema e a si mesmos de um golpe.
É possível que venham a liquidar-se.
(...)
Ao chegar num país em forma de presunto, chamado Brasil, observo que estão em tempos eleitorais.

Curioso que nem o presidente desta república tenta agir como árbitro, muito pelo contrário, sua visão é primariamente partidária, apaixonada e totalmente centrada no desejo de vencer a eleição a qualquer preço.

O que ele aceita na vida (perder e ganhar) ele não aceita na Presidência. Li sua furiosa entrevista no meu computador telepático e fiquei estarrecido porque ele fala do papel dos jornais no Brasil, mas todo mundo sabe que ele próprio não lê.

Pior:
diz que tem azia quando lê algum jornal.

Dei um giro pelo país e constatei que, mesmo tendo proclamado uma república em 1889, os brasileiros ainda não têm noção do que seja uma sociedade democrática.

Pois confundem individualismo com egoísmo, e egoísmo com altruísmo.

Assim, fazem suas falcatruas em nome do que chamam de "povo"; e mesmo tendo uma visão partidária exclusiva e um tanto fascistoide, a faceta pessoal de suas vidas - seus laços com parentes e amigos - está sempre pronta a vir à tona nas situações nas quais bens coletivos estejam em jogo.

Por isso, os brasileiros adoram "coisas públicas", espaços públicos e, acima de tudo, dinheiro público, que para eles pode ser apropriado como se não fosse de ninguém.

Como tiveram escravos até um ano antes de proclamarem a república, tudo o que é público é da elite política.
O processo eleitoral mostra isso claramente, pois os candidatos não apresentam programas, mas rezam ladainhas e repetem fórmulas mágicas denominadas "promessas eleitorais".

Meros engodos para que o candidato seja eleito. Na realidade, hoje em dia eles não têm representantes, mas mediadores - ou padrinhos. Candidatos cuja distinção (como a dos santos) é o acesso que teriam ao presidente, tomado como um Deus nesta terra cheia de papagaios da espécie galvão.

Quando estava de partida, assisti a um evento notável.
Uma reunião de sua Corte Suprema discutindo um projeto de lei que existe em toda e qualquer sociedade civilizada.

Trata-se de uma regra que impediria ladrões e corruptos de serem candidatos a cargos públicos e usarem a legislação nacional que lhes permite escapar de tudo em nome de imunidade política definida com má-fé.

Fiquei alarmado porque, mesmo diante da obviedade da causa, os magistrados se dividiram.
Metade apoiava a lei; uma outra, arguia filigranas legais contra ela. Discutiram por mais de dez horas.

Não conseguiram decidir.
Repetiram, reiteraram e reafirmaram o que foi chamado de "dilema brasileiro" por um tal de DaMatta, dos mais medíocres estudiosos locais.

Aquela indecisão estrutural constitutiva do Brasil que até hoje o faz oscilar entre seguir o caminho da igualdade ou o da aristocracia e da desigualdade.

A via habitual que garante aos superiores não cumprir as leis.
Devo ainda chamar atenção para...

[A essa altura, leitor, eu perdi a comunicação mediúnica com o espírito desse marciano.

Sinto muito, mas aqui fico com a depressão e a indignação de um velho brasileiro.

Roberto DaMatta / O Globo

AQUI NUNCA ENGANARAM! SÓ TE COMPRA QUEM NÃO TE CONHECE : MANIPULAÇÃO E BOTOX NAS CONTAS PÚBLICAS.

A divulgação do resultado do Tesouro Nacional parece abrir um período de truques do governo para atingir a meta do superávit primário fixado na lei.

A análise se torna difícil diante dos meios empregados pelo Tesouro para dar a impressão de que a administração financeira do País é conduzida com a maior austeridade, dando alta prioridade aos investimentos.

O Tesouro apresentou em agosto superávit primário de R$ 4 bilhões, ante R$ 842,5 milhões no mês anterior - resultado alcançado, porém, com os dividendos das estatais, que passaram de R$ 934 milhões, em julho, para R$ 6,795 bilhões, em agosto.

Sem esses dividendos o Tesouro apresentaria déficit primário de R$ 2,7 bilhões.

Já no ano passado o Tesouro havia auferido um forte aumento dos dividendos.

Aliás, para este ano, o secretário do Tesouro anuncia que se estão prevendo recebimentos de R$ 19 bilhões.

Foram essencialmente os bancos públicos que até agora contribuíram para essa receita: o BNDES transferiu R$ 3 bilhões de dividendos para o Tesouro; a Caixa, R$ 1,1 bilhão; o Banco do Nordeste, R$ 454 milhões; e a Petrobrás, R$ 563 milhões.

Essas empresas não poderiam incluir no seu capital esses dividendos?

Mas, com isso, o Tesouro pode apresentar um aumento dos seus investimentos.

Suas receitas nos oito primeiros meses cresceram 17,8%, enquanto as despesas subiram 34%.

O secretário explica que o aumento se deve essencialmente aos investimentos, que atingiram R$ 28 bilhões, 62% a mais.

No entanto, são inferiores, em valor absoluto, às despesas de pessoal, de R$ 106,8 bilhões, com aumento de 9,1%, o dobro da taxa de inflação. Nas despesas de investimento, as do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) representam R$ 11,8 bilhões (alta de 54%), realizadas basicamente como "restos a pagar" e que poderiam ser deduzidas dos gastos no cálculo do superávit primário.

O secretário não pensa que essa faculdade será utilizada, pois está anunciando para setembro o maior superávit da História.

Será a consequência do adiantamento para a Petrobrás do valor do petróleo que pertence ao governo, em razão do complexo mecanismo que permitiu a capitalização da empresa estatal - um petróleo que ficará por muito tempo na jazida do pré-sal.

Em vista da manipulação das contas públicas pelo governo, a análise dos resultados implica maior ceticismo.

Podemos temer que daqui a alguns meses sobrevenham efeitos dolorosos para a economia, por causa dessa manipulação contábil.

O Estado de São Paulo

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