"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 02, 2014

Mais comércio, menos ideologia


O comércio exterior é um dos melhoes termômetros para se aferir a saúde de uma economia. No caso brasileiro, conforme os resultados que têm sido registrados pela nossa balança comercial já há algum tempo, o país tem padecido de um resfriado que caminha para uma pneumonia.

Foram necessários oito meses de comércio para que nossa balança saísse do vermelho. Com o resultado produzido em agosto, finalmente o saldo acumulado no ano tornou-se positivo. Mesmo que tenha atingido apenas US$ 249 milhões – ou valor equivalente à média que o país exporta a cada seis horas.

O saldo de agosto – US$ 1,2 bilhão, segundo o Ministério do Desenvolvimento foi o pior resultado para o mês desde 2001. Ainda assim, foi obtido à custa de uma exportação de mentirinha: a “venda” à Suíça de uma plataforma da Petrobras que só sai do Brasil no papel, pois aqui é fabricada e aqui permanecerá produzindo. Sem isso, ainda continuaríamos no vermelho.

O país tem cuidado pouco e mal de seu comércio exterior. Nossa corrente de comércio – ou seja, a soma do que o Brasil exporta com o que importa – está menor neste ano do que estava no ano passado (quase US$ 10 bilhões menos), num momento em que todo o resto do mundo compra e vende mais produtos.

Uma política externa que nos mantém atados ao Mercosul e nos alinha com economias de menor importância no tabuleiro internacional nos conduziu a esta situação. Nos últimos anos, só três acordos comerciais foram firmados pelo Brasil, com Israel, Palestina e Egito – atores, convenhamos, da terceira divisão no concerto das nações...

Negociações importantes, como a entabulada com a União Europeia, não avançam, com o Brasil sucumbindo à apatia da Argentina e à recusa do governo populista do país vizinho em abraçar políticas liberalizantes. Neste abraço de afogados, naufragamos.

Ao mesmo tempo, outras economias percebem que um dos motores da prosperidade mundial, ora em retomada, está justamente em incrementar as trocas comerciais, integrar as cadeias nacionais ao restante do mundo e promover, assim, a modernização dos parques produtivos locais. Mais comércio é mais bem-estar e mais oferta de produtos melhores e mais baratos.

O Brasil precisa e quer recuperar o espaço perdido no mundo nos últimos anos. Precisa e quer livrar sua política comercial do ranço ideológico que a tem caracterizado na era petista. Quem tem perdido com esta opção preferencial pelo atraso são os brasileiros. Pagamos aqui cada vez mais caro por termos nos fechado ao resto do globo. A hora é de se abrir, com mais comércio e menos ideologia.



Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

EIS A QUESTÃO : ELEITOR OU ELEITORALISMO? O senador Aécio está bem, mas o Brasil?

Vejo nos jornais muita especulação e uma excessiva preocupação com o futuro do senador Aécio. Algumas analistas colocam a candidatura do senador Aécio nos seguintes termos: 
“se o senador quiser ganhar……” ; 
“o senador estuda como descontruir sua oponente….”, etc.

Algumas vezes, da forma que alguns analistas colocam a disputa eleitoral, tenho a impressão que se trata de uma disputa entre candidatos cujo o grande vencedor é “o candidato” e não os seus eleitores. Quem perde em não eleger o senador Aécio Neves presidente da república não é ele, mas sim os eleitores que acreditam no seu projeto e a população brasileira que deixará de contar, na minha opinião que conheço o candidato, com um homem público com vasta experiência política e de gestão.

É o único candidato com uma experiência nas duas casas do legislativo e no executivo como governador de Minas Gerais por oito anos. O senador Aécio tem uma experiência comprovada na costura de alianças políticas que serão necessárias para quebrar a letargia da falta de reformas no Brasil, algumas bastantes complexas que ainda não foram postas à mesa por nenhum dos candidatos.

A impressão que tenho é que o senador Aécio está muito bem. Está empolgado com a sua campanha, nos últimos dois anos vem participando ativamente de debates no Brasil e, independente do resultado das eleições, continuará como um político influente no cenário nacional, seja como Presidente da República ou como Senador da República. Aqui vejo um cenário ganha-ganha para o PSDB qualquer que seja o resultado das eleições.

Depois de quatro anos, o PSDB poderá ter o seu time reforçado no Senado Federal com um conjunto de políticos que são formadores de opinião e com forte inserção mídia nacional. Alguém já parou para pensar o que poderá ser o novo senado com nomes como Tasso Jereissati (PSDB-CE), Anastasia (PSDB-MG), José Serra (PSDB-SP) e, ainda, com Aécio Neves (PSDB-MG) e Aloysio Nunes (PSDB-SP) no Senado Federal ou no Palácio do Planalto? São nomes com experiência de governo e com forte inserção no meio empresarial e na imprensa brasileira.

Em um governo do PSDB, eles fariam a diferença e, em um governo da oposição, esse grupo será motivo de alegria ou de dor de cabeça para o executivo. Motivo de alegria porque o grupo não será um obstáculo à provação de reformas que o país precisa. Mas poderá trazer dor de cabeça porque esse grupo conhece muito bem como funciona a máquina pública e não será empulhado por falsas promessas.

Ainda é muito cedo para se definir o resultado das eleições pelas pesquisas. Se pesquisa eleitoral definisse eleição, vário dos candidatos hoje a governador deveriam renunciar sua candidatura, pois alguns deles não alcançam nem 10% das intenções de voto. O mesmo valeria para aqueles candidatos com elevada taxa de rejeição em um segundo turno. Mas alguém no seu pleno juízo acha que pesquisa eleitoral com pouco mais de dois mil eleitores define eleição? Não. Mostra tendência é claro, mas não define eleição. 

Uma coisa, no entanto, é possível afirmar. 
O próximo presidente não terá três meses para definir o que irá fazer para recuperar o tripé macroeconômico. A situação fiscal hoje está muito ruim e enganam-se aqueles que acham que será fácil recuperar o superávit primário de forma rápida. Não será possível termos um choque fiscal na magnitude que se fez em 1998-1999 e 2003. Adicionalmente, o cenário fiscal para os próximos anos vem se deteriorando muito rápido devido as despesas e programas já contratados.

O próximo presidente não terá muito tempo para definir sua equipe econômica, um plano consistente para recuperar o superávit primário e controlar o crescimento do gasto público no pós-eleição. Acho até que a construção de uma acordo multipartidário com os lideres dos partidos imediatamente após a eleição seria um boa opção para acalmar o nervosíssimo do mercado.

É claro que, como analista, não acredito nesse cenário para o atual governo que, por quatro anos sucessivos, tentou “enganar” analistas de mercado, jornalistas e a população quanto a real dimensão da piora fiscal. Ademais, tem atuado de forma consistente e não transparente para esconder o custo de suas políticas, vide o caso da política de subsídios. 

A presidenta Dilma, corretamente, questionou a candidata Marina ontem em debate do custo dos programas do PSB, que não cabem no PIB. A conta que fiz é que seria necessário um crescimento da despesa primária do Governo Central perto de 2,5 pontos do PIB até 2018 para cumprir com as várias promessas (ou compromissos) do programa do PSB. 

As três mais caras seriam: 
(i) passe livre para os estudantes; 
(ii) 10% da receita bruta da União para saúde; 
e (iii) antecipação do cronograma de aumento do gasto com educação (% do PIB) do Plano Nacional de Educação.

Um crescimento da despesa primária de 2,5 pontos do PIB em quatro anos é maior do que o crescimento da despesa primária do Governo Central (governo federal, previdência e banco central) de 1998 a 2010 – 12 anos de governo FHC-1, LULA-1 e LULA-2. Como o superávit primário hoje está próximo de “zero”, um crescimento tão grande em quatro anos só seria possível com um violento aumento da carga tributária. 

Mas a presidenta Dilma e o seu governo tem “zero” de credibilidade para falar de responsabilidade fiscal.
 Repito: “zero”. 

Eu já falei isso diversas vezes e torno a repetir. 
No início do governo Dilma tínhamos um superávit primário de 3,1% do PIB. 
Ao longo de quatro anos, o governo perdeu 1% do PIB com desonerações que fez, sem ter criado o espaço fiscal para essa política, e a despesa primária (não financeira do Governo Central) crescerá um pouco acima de 2 pontos do PIB. Assim, o superávit primário de 3,1% do PIB foi transformado em praticamente “zero”. O que “sustenta” o superávit primário um pouco acima de 1% do PIB são truques contábeis e receitas não recorrentes.

Não é comum ter refinanciamento de divida (Refis) em anos sucessivos, 
não é comum a ciranda financeira que se faz com o BNDES para gerar um falso lucro pelo carregamento de títulos públicos,
não é comum os atrasos de repasses para a Caixa Econômica Federal pagar os benefícios sociais e previdência, 
não é comum a crescente dívida do Tesouro com bancos públicos (subsídios do PSI e do crédito agrícola) 
e não é comum tanto desprezo pela transparência na execução do orçamento.

No sábado falei com o senador Aécio Neves por telefone e ele vai muito bem e, como sempre, empolgado com as eleições. Nós eleitores que deveríamos estar muito preocupados com o futuro do Brasil, pois estamos a um mês das eleições e tenho a sensação que o eleitor espera soluções mágicas do próximo governo. Sonhar é preciso, mas é também necessário maior realismo com a nossa situação econômica atual. Um realismo que não virá do atual governo, que encara os truques fiscais como uma “estratégia” de crescimento, e nem tão pouco do compromisso com maiores gastos.

Assim, vamos nos preocupar um pouco mais com as propostas dos candidatos e com o debate mais profundo que deveria estar ocorrendo nesta campanha eleitoral e não está. O senador Aécio Neves vai muito bem e cada vez mais empolgado em debater os rumos do Brasil. 

Mas o Brasil está bem?
Recebido por :

Dúvidas sobre a democracia de Marina Silva


Pelas próprias características do tema, propostas econômicas tendem a ser mais objetivas. A candidata Marina Silva (PSB) não poderia ser mais clara em pontos básicos de seu programa de governo, neste campo: 

restaurará o chamado “tripé” — metas de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante —, para estabilizar a economia; formalizará a autonomia operacional do Banco Central, com mandato fixo para diretores; metas fiscais para a União e instituição do Conselho de Responsabilidade Fiscal para auditá-las, entre outros itens.

Já no campo político, o texto do programa de Marina não tem a mesma objetividade, é perigosamente vago. Admita-se que também o tema contribui para algum devaneio. Mas não necessariamente.

É óbvio que todos os partidos e candidatos se autointitulam democratas.
 E não há por que duvidar deles. O xis da questão é saber o entendimento do candidato sobre os mecanismos de funcionamento do regime de democracia representativa, estabelecido na Constituição.

Reconhece-se, e não apenas no Brasil, que este tipo de regime — o melhor já criado até hoje — deve passar por aperfeiçoamentos, para aproximar as ruas dos centros de decisão, mas sem abalar o sistema de representação. Nos Estados Unidos, por exemplo, estados decidem por plebiscitos uma série de questões objetivas locais, em que cabem respostas binárias — sim ou não. (Daí ter sido um equívoco da candidata Dilma Rousseff, no debate da Bandeirantes, citar os plebiscitos americanos para justificar consultas populares no Brasil sobre temas intrincados como a reforma política).

Marina Silva e o PSB se propõem a fazer uma “democratização da democracia”. A candidata precisa esclarecer o que é isso. Até porque seu berço ideológico é o mesmo de frações do PT que namoram métodos de “democracia direta” desenvolvidos nos laboratórios do bolivarianismo chavista — arranjo de poder em grave crise na América Latina.

Constam do programa da candidata algumas platitudes: 
“a política precisa absorver a mensagem de reconectar eleitos e eleitores”; “vamos ampliar a participação, a transparência e a ética e, ao mesmo tempo, tornar mais eficiente o funcionamento das instituições republicanas (...)”. Isso com a ajuda da internet, como, de fato, pode ser.

Falta clareza. Em específico, sobre o papel do Legislativo nesta “democratização da democracia”. Este ponto tem de ser ainda mais explorado porque Marina Silva se tornou uma candidata forte numa trapaça do destino, sem que tenha um partido próprio. O PSB apenas a hospeda. Sem comparar pessoas, a experiência histórica é negativa quando candidatos pensam poder prescindir da estrutura partidária. O que se agrava caso, a título de se dar mais legitimidade às decisões, a democracia representativa venha a ser adulterada em seus fundamentos.

O Globo

E AGORA? O bicho vai pegar em quem?


O Brasil se move por acaso. 
Os rumos da História, se é que tem rumos, tendem a se enrolar em si mesmos e só fatos, traumas inesperados disparam a mutação.

Que quer dizer essa frase? 
Que não são apenas as “relações de produção” que explicam nossa marcha, mas os detalhes, as ínfimas causas, as bobagens casuais e tragédias intempestivas fazem o Brasil andar.

Getúlio deu um tiro no peito e adiou a ditadura por dez anos. 
Jânio tomou um porre e pediu o boné, um micróbio entrou na barriga do Tancredo e mudou nossa vida, encarando o Sarney por cinco anos, o Collor foi eleito por sua pinta de galã renovador e acabou “impichado” por suas maracutaias. 

Roberto Jefferson mostrou sua carteirinha de corrupto, se denunciou junto com os mensaleiros e mudou a paisagem política. 
E agora Marina Silva pode ser presidente, em vez da Presidenta.

Com a população mal-informada em sua maioria (não falo dos miseráveis e analfabetos, mas de gente de terno e gravata) sobre as complexas questões da política e da economia, a emoção e a catarse movem o país.

Agora, estamos na expectativa; somos o país do eterno suspense:Marina vai ser eleita ou não? 
Será que o efeito “tragédia” vai se evaporar? 

A grande mudança seria, claro, a social-democracia apta a desfazer as boquinhas e os pavorosos erros com que o PT nos brindou. Aécio, se eleito, pode trazer a agenda correta. Mas, se Marina ganhar, teremos um outro tipo de mudança, uma virada para um “novo” desconhecido, uma virada psicológica e cultural inesperada. Não adianta analisar Marina com os instrumentos de análise costumeiros.

Agora em vez dos óbvios vexames do PT, estamos diante do mistério Marina.Marina é “sonhática” ou não? Marina é populista? Marina é de esquerda ou não? Nada. 

No entanto, amigo leitor, Marina pode ser o olho de um furacão que, claro, jamais conseguirá renovar a velha política sólida; mas ela pode criar um “caos” na vida politica. Talvez até um “caos progressista” pelo avesso. Que é isso que quero dizer? Marina pode vir a bagunçar mais a bagunça existente, mas poderá ser uma “bagunça crítica”, que pode trazer uma espécie de “destruição criadora” nesta zorra instalada.

Para falar em termos de “contradições negativas” que eles tanto amam, o caos que Lula, Dilma e o PT criaram na vida nacional pode ter sido o gatilho para uma revisão em busca de um modelo melhor. Se Marina vencer, será sabotada continuamente pelos vagabundos que se instalaram no Estado, será confrontada pelas barreiras fisiologistas dos parlamentares, talvez quebre a cara tentando. 

Mas, mesmo que fracasse, teremos um “caos mais moderno”, tirando do poder a velha cartilha regressista dos nossos bolivarianos. Mesmo que ela se perca na selva dos meliantes da política, não será mais irracional que os atuais governantes.

O súbito surgimento inconcebível dessa moça da floresta e suas abstratas declarações são uma prova encarnada do delírio político do país. Com a queda do avião, houve uma grande reviravolta trágica que resultou em uma comédia de erros. Ninguém sabe o que vai nos acontecer.

Podemos decifrar, analisar, comprovar crimes ou roubos, mas nada se move, porque a maior realização deste governo foi justamente a desmontagem da Razão. Se bem que nunca antes nossos vícios ficaram tão explícitos, nunca aprendemos tanto de cabeça para baixo. Já sabemos que a corrupção no país não é um “desvio” da norma, não é um pecado ou crime; é a norma mesmo, entranhada nos códigos e nas almas. 

O caudilhismo sindicalista de Lula serviu para entendermos melhor nossa deformação. Os comentaristas ficam desorientados diante do nada que os petistas criaram com o apoio do povo analfabeto. Os conceitos críticos como “democracia, respeito à lei, ética”, viraram insuficientes raciocínios contra um cinismo impune. 

Lula com seu carisma de operário sofredor nos decepcionou, revelando-se um narcisista egoísta e despreparado, enquanto o melhor governo que tivemos, do FHC, ficou no imaginário da população como um fracasso, movido pela campanha de difamação sistemática e pela babaquice dos tucanos que não se defenderam. Os petistas têm mania da ideologia da contramão. Fizeram tudo ao contrário do óbvio, movidos por uma ridícula utopia revolucionária, quando na realidade só fizeram avacalhar o país.

Meu Deus, que prodigiosa fartura de novidades fecundas como um adubo sagrado, belas como nossas matas, cachoeiras e flores. Ao menos, estamos mais alertas sobre a técnica do desgoverno que faz pontes para o nada, viadutos banguelas, estradas leprosas, hospitais cancerosos, esgotos à flor da terra, tudo como plano de aceleração do crescimento. 

Fizeram tudo para a reestatização da economia, incharam a máquina pública, invadiram as agências reguladoras, a Lei de Responsabilidade Fiscal, em busca de um getulismo tardio, com desprezo pelas reformas, horror pela administração e amor aos mecanismos de “controle” da sociedade, esta “massa atrasada” que somos nós. 

A esquerda psicótica continua fixada na ideia de “unidade”, de “centro”, ignorando a intrincada sociedade com bilhões de desejos e contradições. 
Acham que a complexidade é um complô contra eles, acham a circularidade inevitável da vida uma armação do neoliberalismo internacional.

Os petistas têm uma visão de mundo deturpada por conceitos acusatórios: 
luta de classes, 
vitimização, 
culpados e inocentes, 
traidores e traídos.

Petistas só pensam no passado como vítimas ou no futuro como salvadores e heróis. O presente é ignorado, pois eles não têm reflexão crítica para entendê-lo. Reparem que Dilma na TV só ala do que “vai fazer”, se for eleita. 
Por que não fez antes, nos 12 anos da incompetência corrosiva? 
A solução é mentir:
números falsos, contabilidade falsa. 

Antigamente, se mentia com bons álibis; hoje, as tramoias e as patranhas são deslavadas; não há mais respeito nem pela mentira. 


É isso aí, amigos, o bicho vai pegar. Em quem?

Arnaldo Jabor/O Globo
O bicho vai pegar em quem? 

O que a 'errata' revela ! MARINA SILVA : "falha processual" (sic), "novas formas de família", "pecou por omissão e por submissão", "falha moral", "agressão à nossa inteligência", administrar "não é para amadores".

Se for verdadeira a versão da candidata Marina Silva para a exclusão do seu programa de governo da defesa do casamento gay, da criminalização da homofobia e da produção de material didático de endosso às "novas formas de família", de duas, uma: ela pecou por omissão e por submissão. 

O documento foi divulgado na sexta-feira e modificado em menos de 24 horas. Segundo nota do comitê de campanha, as passagens expurgadas tinham sido incorporadas inadvertidamente ao texto por "falha processual" (sic) na sua edição.

O erro de procedimento, que é o que os autores da "errata" decerto pretendiam dizer, antes de sucumbir ao pedantismo, teria consistido em manter no programa, como se dele fossem parte intrínseca, as sugestões do chamado movimento LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros). 

Custa crer que não tenham passado pelo crivo da devota da Assembleia de Deus a descrição do País como uma "sociedade sexista e excludente em relação às diferenças"; o compromisso com os projetos em curso no Congresso "que garantem o direito ao casamento igualitário"; a promessa de "articular" a aprovação da proposta que estende à discriminação por orientação sexual as punições por racismo e suas variações, previstas no Código Penal; e a intenção de "desenvolver material didático destinado a conscientizar sobre a diversidade sexual".

Repita-se: 
é improvável que Marina tenha "assinado sem ler" o capítulo mais delicado de suas diretrizes de governo, não só porque está farta de conhecer as controvérsias não raro inflamadas que as citadas questões suscitam, sobretudo entre leigos e crentes como ela, mas também porque, em 2010, candidata pela primeira vez ao Planalto, a evangélica invocou uma "cláusula de consciência" para não se manifestar sobre as demandas dos ativistas no campo dos costumes. O que praticamente impõe a conclusão de que, diante das críticas que espocaram nas redes sociais contra essas páginas do programa, uma intimidada Marina rogou aos correligionários, em menos tempo do que gastaria para dizer "falha processual", que esquecessem o que ali estava escrito.

Não se trata, evidentemente, de entrar no mérito nem nas afirmações expurgadas do programa nem naquelas, abrandadas, que as substituíram. A saber: em vez do termo sociedade sexista, "sociedade que tem muita dificuldade de lidar com as diferenças"; em vez de apoio ao casamento gay, "garantir os direitos oriundos da união civil entre pessoas do mesmo sexo", o que o Supremo Tribunal Federal (STF) já garante; em vez de capitanear a criminalização da homofobia, o que pregadores pentecostais que verberam os gays tomam como ameaça, "criar mecanismos para aferir os crimes de natureza homofóbica"; em vez, por fim, do material didático que os opositores chamam "kit gay", nenhuma palavra.

O ponto é que teriam bastado "quatro tuítes do pastor Malafaia para que a candidata (…) desmentisse o seu próprio programa", como protestou o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ), defensor da causa LGBT no Congresso, aludindo ao evangélico que lidera a campanha contra o aborto. De seu lado, o escritor Milton Hatoum, colunista deste jornal, considerou o recuo de Marina "falha moral" e retirou o seu nome de uma lista de apoios à candidata. "Não quero eleger um presidente que seja refém de bancadas religiosas", argumentou. Já o ex-governador tucano Alberto Goldman qualificou a versão da falha processual como "agressão à nossa inteligência". Manda a equanimidade, porém, admitir, contra a lógica, que tenha acontecido o que a nota justificando a errata diz que aconteceu.

Se assim foi, pior a emenda que o soneto. 
Porque, nessa hipótese, tendo deixado de esquadrinhar linha a linha o texto pronto a ser divulgado como produto de meses de estudos e debates com o então titular da chapa Eduardo Campos - e destinado a mostrar uma candidata com posições firmes e conhecimento de causa -, ela revelou um traço inquietante: o amadorismo. É cedo para dizer quais poderão ser as sequelas eleitorais do episódio. Mas não é cedo para reafirmar o ceticismo sobre a capacidade da ex-ministra de administrar um País que, no dizer de Aécio Neves dias antes do episódio, "não é para amadores".

O Estado de São Paulo