"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

setembro 02, 2014

Dúvidas sobre a democracia de Marina Silva


Pelas próprias características do tema, propostas econômicas tendem a ser mais objetivas. A candidata Marina Silva (PSB) não poderia ser mais clara em pontos básicos de seu programa de governo, neste campo: 

restaurará o chamado “tripé” — metas de inflação, responsabilidade fiscal e câmbio flutuante —, para estabilizar a economia; formalizará a autonomia operacional do Banco Central, com mandato fixo para diretores; metas fiscais para a União e instituição do Conselho de Responsabilidade Fiscal para auditá-las, entre outros itens.

Já no campo político, o texto do programa de Marina não tem a mesma objetividade, é perigosamente vago. Admita-se que também o tema contribui para algum devaneio. Mas não necessariamente.

É óbvio que todos os partidos e candidatos se autointitulam democratas.
 E não há por que duvidar deles. O xis da questão é saber o entendimento do candidato sobre os mecanismos de funcionamento do regime de democracia representativa, estabelecido na Constituição.

Reconhece-se, e não apenas no Brasil, que este tipo de regime — o melhor já criado até hoje — deve passar por aperfeiçoamentos, para aproximar as ruas dos centros de decisão, mas sem abalar o sistema de representação. Nos Estados Unidos, por exemplo, estados decidem por plebiscitos uma série de questões objetivas locais, em que cabem respostas binárias — sim ou não. (Daí ter sido um equívoco da candidata Dilma Rousseff, no debate da Bandeirantes, citar os plebiscitos americanos para justificar consultas populares no Brasil sobre temas intrincados como a reforma política).

Marina Silva e o PSB se propõem a fazer uma “democratização da democracia”. A candidata precisa esclarecer o que é isso. Até porque seu berço ideológico é o mesmo de frações do PT que namoram métodos de “democracia direta” desenvolvidos nos laboratórios do bolivarianismo chavista — arranjo de poder em grave crise na América Latina.

Constam do programa da candidata algumas platitudes: 
“a política precisa absorver a mensagem de reconectar eleitos e eleitores”; “vamos ampliar a participação, a transparência e a ética e, ao mesmo tempo, tornar mais eficiente o funcionamento das instituições republicanas (...)”. Isso com a ajuda da internet, como, de fato, pode ser.

Falta clareza. Em específico, sobre o papel do Legislativo nesta “democratização da democracia”. Este ponto tem de ser ainda mais explorado porque Marina Silva se tornou uma candidata forte numa trapaça do destino, sem que tenha um partido próprio. O PSB apenas a hospeda. Sem comparar pessoas, a experiência histórica é negativa quando candidatos pensam poder prescindir da estrutura partidária. O que se agrava caso, a título de se dar mais legitimidade às decisões, a democracia representativa venha a ser adulterada em seus fundamentos.

O Globo

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