"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

abril 30, 2014

QUE CRIADOR E CRIATURA AFUNDEM JUNTOS


Dilma Rousseff revelou toda sua fragilidade eleitoral na entrevista a repórteres de esportes concedida anteontem. Mas foi além, ao cometer uma série de impropriedades em comentários a assuntos que vão da Petrobras ao Mais Médicos. Os brasileiros têm cada vez mais razões para rejeitá-la.

 A presidente é cria de Lula e suas palavras alimentam o clamor de petistas pelo retorno de seu tutor. Seria até bom:
 de mãos dadas, ele e ela afundariam juntos.

Dilma Rousseff está adernando. E não é só a sua candidatura à reeleição. Também seu governo está indo para o buraco. São estas as razões que levam os petistas agarrados ao poder a clamar pela volta de Lula. São estes os motivos que levam cada vez mais brasileiros a rejeitá-la. Seria até bom se o ex-presidente voltasse: de mãos dadas, ela e ele afundariam juntos.

A onda pelo retorno do ex-presidente cresce na mesma medida em que Dilma despenca nas pesquisas de intenção de voto, como a divulgada ontem pelo instituto MDA, sob encomenda da Confederação Nacional dos Transportes. Nela, Dilma perde espaço e a oposição cresce a ponto de já provocar um segundo turno.

Segundo o levantamento, a presidente caiu 6,7 pontos, para 37%. Aécio Neves subiu 4,6 pontos, para 21,6% e Eduardo Campos ficou estagnado, oscilando dentro da margem de erro da pesquisa. Os percentuais de aprovação e desaprovação de Dilma já se equivalem, aproximando o momento atual à situação de junho passado, no auge das manifestações.

Ato contínuo, aliados ameaçam pular do barco e o PT ressuscita suas teses mistificadoras, querendo, mais uma vez, dividir o país entre bons – eles, claro – e maus – seus adversários, quaisquer que sejam. A presidente lança-se numa estratégia alucinada para exorcizar a sombra do antecessor. São todos sinais do desespero.

“Nada me separa dele [Lula] e nada o separa de mim. Sei da lealdade dele a mim, e ele da minha lealdade a ele”, afirmou Dilma, numa conversa com editores de cadernos de esporte que a entrevistaram na segunda-feira à noite no Palácio da Alvorada. Foi a tentativa da presidente de dizer que vai até o fim com sua candidatura. Será?
Condições para tanto, ela não exibe. Na entrevista de quatro horas, a presidente desnudou-se. Mostrou que agarra-se num fio de bigode para levar adiante sua pretensão de manter-se no cargo por mais um mandato. Revelou que sua candidatura é frágil como pluma: o que mais, além da “lealdade” de Lula, sustenta o risco de o Brasil conviver por mais quatro anos com tão mau governo?

Mas Dilma não ficou só nas eleições durante a entrevista. Desfilou um rosário de impropriedades. A começar pela sua avaliação sobre o que vem ocorrendo na Petrobras: para ela, as agruras por que passa a empresa são fruto de “erros de funcionários”. A presidente da República transfere a culpa pela péssima gestão justamente a quem tem impedido que a companhia não naufrague de vez.

Quem “mancha a imagem” da Petrobras, para usar a mesma expressão empregada pela presidente, são os cupins que o PT instalou na sua alta direção. Gente como Paulo Roberto Costa – preso sob a acusação de participar de um esquema que pode ter desviado R$ 10 bilhões da empresa – ou Nestor Cerveró, premiado pela compra ruinosa de Pasadena com uma diretoria na BR Distribuidora...

Na entrevista, falando sobre o Mais Médicos Dilma revelou a opinião que tem sobre os profissionais de saúde brasileiros: ela prefere os cubanos. Disse que os médicos adestrados na ilha dos irmãos Castro são mais atenciosos que os locais e que os prefeitos preferem receber cubanos a brasileiros. Foi duramente criticada, mais uma vez, pela classe médica.

Sobre o imbróglio energético, numa declaração quase premonitória, disse que “acabou a moleza”. Deve ter sido sua forma pouco ortodoxa de avisar a população sobre o tarifaço que a gestão Dilma gestou e que já começa a ser parido na forma de reajustes gigantescos das faturas de energia elétrica. A conta já é alta e vai crescer ainda mais.
Fato é que Dilma chega ao fim de seu governo tocando um samba de uma nota só. A agenda da presidente da República limita-se a diplomar alunos de ensino técnico formados pelo Pronatec, a entregar moradias – não raro inacabadas – do Minha Casa Minha Vida e a presentear prefeitos com migalhas em forma de maquinário. Projetos estruturantes, grandes reformas, nada.

Dilma Rousseff é cria de Luiz Inácio Lula da Silva. Faz um governo que, em sua linha geral, dá continuidade às opções equivocadas tomadas pelo antecessor a partir de 2008. Revela absoluto despreparo para o cargo para o qual foi eleita em 2010. Lula é tão responsável quanto ela pelo fiasco a que estamos assistindo. Que o ex-presidente venha para a disputa. O Brasil não aguenta mais nem um nem outro e dirá “não” a quem quer que seja do PT.

Que Lula e Dilma afundem juntos
Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

ENQUANTO ISSO... Superávit primário do governo é o menor dos últimos quatro anos.

O governo central (composto por Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) registrou superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) de R$ 3,2 bilhões em março de 2014. Em fevereiro, o resultado havia sido um déficit primário de R$ 3,1 bilhões.

No acumulado do ano, o esforço fiscal está em R$ 13 bilhões, o que representa uma queda de 35% em relação ao mesmo período no ano passado. O número trimestral é o pior dos últimos quatro anos.

O Tesouro Nacional informou que as receitas do primeiro trimestre somaram R$ 248,3 bilhões, o que representa um aumento de 10,6% em relação ao mesmo período no ano passado. Já as despesas atingiram R$ 235,3 bilhões e cresceram num ritmo mais forte, de 15%.

Entre janeiro e março, os desembolsos que mais cresceram foram os com custeio, que somaram R$ 51,14 bilhões e registraram alta de 28,8%. Os gastos com pessoal e encargos foram de R$ 51,9 bilhões e subiram 12,3%. Já os investimentos ficaram em R$ 20,4 bilhões, o que representa um aumento de 21,5% sobre 2013. Os desembolsos com a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), por sua vez, foram de R$ 2,77 bilhões no trimestre.

Do lado das receitas, o governo teve ajuda não apenas da arrecadação tributária, mas também dos dividendos pagos por estatais. Essas receitas somaram R$ 5,89 bilhões até março, o que representa um crescimento de nada menos que 667,6% em relação ao ano passado, quando os dividendos foram de R$ 767,4 milhões.

Segundo o Tesouro, o resultado primário acumulado até março, de R$ 13 bilhões, ou 1,08% do Produto Interno Bruto (PIB, soma de bens e serviços produzidos no país), equivale a 46% da meta fiscal prevista para o primeiro quadrimestre do ano, de R$ 28 bilhões. Para o ano, o esforço fiscal fixado para o governo central é de R$ 80,8 bilhões,1,55% do PIB.

O Globo

MARTHA BECK (EMAIL)

Desta vez (O CACHACEIRO PARLAPATÃO VELHACO) está com a razão


O ex-presidente Lula, em entrevista à Rádio e Televisão de Portugal, afirmou que o julgamento do mensalão foi 80% político. A notícia foi publicada em manchete no Estado e ganhou destaque praticamente em toda a imprensa brasileira. Todos conhecemos que Lula é especialista em falar coisas que evidenciam o seu despreparo, mas, desta vez, é forçoso reconhecer que ele tem razão: o julgamento do mensalão foi mesmo político, exageradamente político.

Se não tivesse sido político aquele julgamento, Lula poderia estar atrás das grades, ao lado de José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e mais alguns que faziam parte de seu grupo íntimo, como os banqueiros e o famoso publicitário que lavava dinheiro (e hoje cumpre a mais pesada pena). E por que se pode afirmar que foi político o julgamento?

Quando houve a denúncia do escândalo, teve início o devido processo legal para a apuração dos fatos apontados como criminosos e, ao final, o Ministério Público Federal, a quem competia denunciar os acusados perante o Judiciário, deixou de fora o principal deles - e foi assim que Lula, por evidente influência política, ficou de fora.

Para quem não estudou Direito Penal nem está familiarizado com a matéria, é importante lembrar como transcorreram os fatos. Ao lado do gabinete de Lula, no Palácio do Planalto, havia outro gabinete chefiado pelo braço direito dele, o então poderoso ministro José Dirceu. Depois do ex-presidente Lula, quem mais mandava no Congresso Nacional e, a bem dizer, no País era José Dirceu. 

Pelo seu gabinete, debaixo do nariz de Lula, e com seu notório conhecimento e participação, trafegavam diariamente os políticos seduzidos pelo dinheiro angariado por Dirceu com a ajuda do deputado federal José Genoino e de outros petistas integrantes do grupo íntimo.

O Ministério Público Federal, no entanto, apesar de todas as evidências de que Lula tinha conhecimento e, portanto, participara da trapaça, deixou-o de fora. 
E por que assim agiu? A primeira versão é a de que faltou coragem, mas a segunda certamente talvez seja a mais verdadeira: 
não seria oportuno denunciar um presidente da República e, assim, causar enorme trauma ao País, principalmente o presidente que acabara de nomear o procurador-geral de Justiça.

Aqui se remete ao Direito Penal para demonstrar o absurdo de tal decisão. 
O Código Penal, que está em vigor e não poderia ser esquecido pelo Ministério Público, deixa claro em seu artigo 13 que o resultado de um crime somente pode ser imputado a quem lhe deu causa. 

E, no mesmo caput, completa o raciocínio: 
"Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido". Ou seja, a omissão de quem tem conhecimento dos fatos é tão criminosa quanto a ação, de tal forma que as alegações de Lula, de que não participou de nada, de que não sabia de nada, de que foi pego de surpresa, serviram apenas para aliviar seus companheiros de partido.

Para que não se tenha dúvida de quanto no Direito Penal é grave a conduta por omissão, vale lembrar o entendimento tanto de doutrinadores como de juízes na linha de que, nos crimes cometidos por omissão, a causalidade não é fática, mas jurídica, pois consiste em não haver o omitente atuado, como deveria e poderia atuar, para impedir o resultado.

O Supremo Tribunal Federal - a quem Lula imputa julgamento 80% político -, em suas seguidas manifestações ao longo de décadas, sempre entendeu que omitir não é não fazer nada, mas, sim, não desenvolver uma determinada conduta, contrariando uma norma jurídica em que se contém comando de agir.

Enfim, a omissão no caso se torna penalmente relevante, porque o agente Lula tinha condições de agir para impedir o resultado final e evitar o assalto aos cofre públicos. O ex-presidente, naquele momento, se estivesse realmente isento de culpa, poderia acabar com a trapaça e pôr para fora do Palácio do Planalto, e até mesmo da vida pública, aqueles seus amigos que enchiam os bolsos de dinheiro e permaneciam ao seu lado.

São evidentes, assim, os indícios de que Lula cometeu claro crime comissivo por omissão, e, portanto, a ausência de ação punitiva pelo Ministério Público Federal representa até hoje um tapa na cara de cada um de nós, brasileiros. Tanto que o próprio inocentado hoje dá entrevistas para criticar o julgamento e alegar que nele houve influência política.

Outra declaração que ele fez, do mesmo calibre, é a de que não houve mensalão e um dia a história vai ser recontada. Ora, nós estamos vivendo períodos conturbados da história política brasileira, em que a Comissão da Verdade apura crimes cometidos durante os anos de chumbo - aqueles em que o Brasil era governado por generais. Esse trabalho, por sua importância, não deveria ser restritivo. Seria mesmo desejável que o ex-presidente Lula se dispusesse a depor perante tal comissão e contasse toda a verdade, que conhece mais do que ninguém, a respeito do mensalão.

O Brasil tem o direito de saber como tudo aconteceu e quem são os culpados e os inocentes. Lembre-se que os réus condenados pelo Supremo Tribunal Federal estão todos presos e, portanto, se houve injustiça nessas condenações, o ex-presidente faria um favor não só ao País, mas também aos condenados, que talvez nessa conduta encontrassem argumentos para ingressar com ações revisionais das condenações.

O que se mostra ofensivo à inteligência de cada um de nós é o fato de alegar que o julgamento foi político, como se ele próprio não tivesse sido o principal beneficiário dessa conduta lamentável e que projeta uma luz negra sobre uma instituição à qual, em milhares de outros assuntos, o País tanto deve: o Ministério Público Federal.

Desta vez Lula está com a razão
Aloísio de Toledo César 
Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo. 
E-mail: aloisio.parana@gmail.com.