"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

agosto 24, 2011

VÍSCERAS EXPOSTAS.


Há razões em excesso para que a lista de ex-ministros do governo Dilma Rousseff aumente. Pelo menos mais dois auxiliares da presidente estão neste momento equilibrando-se na corda bamba:
Mário Negromonte (Cidades)
e Paulo Bernardo (Comunicações).

Ontem, os dois deram declarações que os habilitam a serem defenestrados, com motivos de sobra, da Esplanada.


O jornal O Globo publica hoje extensa e reveladora entrevista com o ministro das Cidades, às voltas com suspeitas de pagar mesadas de R$ 30 mil a deputados da base aliada para que o apoiem no cargo.

É uma aula de como funciona um governo contaminado pelo fisiologismo.


Negromonte fala com despudor sobre como os convivas se debruçam sobre seus feudos no governo petista. Envolvido em uma luta de poder com seus partidários do PP, ele lança mão de ameaças e credencia-se para ser uma espécie de Roberto Jefferson - o deputado que detonou o mensalão do governo Lula, em 2005 - de Dilma.

Diz o ministro:
"Vai o meu alerta: em briga de família, irmão mata irmão, e morre todo mundo. Por isso que eu disse que isso vai virar sangue. Esse pessoal não sabe avaliar os riscos. Não devemos expor as vísceras."

Que vísceras são estas que o chefe de uma das pastas mais ricas da Esplanada avisa que não quer ver expostas?


O ministro deixa claro que sabe do que e de quem está falando:
"Imagine se começar a vazar o currículo de alguns deputados. Ou melhor, folha corrida."

Os parlamentares a que ele se refere, é bom que se ressalte, são seus próprios aliados e correligionários do PP, terceiro maior partido da base aliada, com 41 deputados e cinco senadores.

"Eu trabalhei para que o PP saísse das páginas policiais, quando houve o escândalo do mensalão".


Os pepistas controlam há seis anos o Ministério das Cidades, com seu fornido orçamento de R$ 22 bilhões para gastar em obras de saneamento, mobilidade urbana, habitação etc.

Mas esta montanha de dinheiro não tem servido para realizar muita coisa, segundo o próprio ministro admite na entrevista:

"Aqui, não está acontecendo nada. No governo Dilma, é preciso suar para liberar dinheiro. Tem que ser um maratonista. Isso porque a presidente Dilma é muito detalhista"

O próprio Negromonte revela os montantes represados, que fornecem um retrato fidedigno da inação da gestão Dilma. A pasta das Cidades tem R$ 3,8 bilhões de emendas parlamentares inscritas em restos a pagar neste ano, mas só liberou R$ 25 milhões até agora. Isso dá 0,6% do total disponível, passados quase oito meses de governo...

Mário Negromonte parece estar se preparando para deixar o cargo e antecipa a possibilidade em pelo menos dois momentos da entrevista a O Globo.

"Quero sair daqui como entrei. Não quero sair do governo com mancha. (...) O que eu não quero é sair com a marca de que fiz coisa errada". Motivos para ser demitido e tornar-se o quinto ministro a cair em menos de três meses, ele já deu de sobra.

O sexto da lista pode ser Paulo Bernardo, enroscado em voos suspeitíssimos nas asas de empresários amigos.

Ontem, em audiência na Câmara, o ministro das Comunicações não conseguiu explicar o uso de jatinhos particulares na época em que era titular do Planejamento e fazia campanha pela eleição de sua mulher, Gleisi Hoffmann, para o Senado.
Suas alegações só o complicaram.


Bernardo admitiu que "" pegou carona em aviões que nem sabia de quem eram e não descartou que tenha voado nas asas da Sanches Tripoloni, empresa suspeita de ter sido beneficiada pelo ministro numa obra em Maringá.

Se assim foi, ele feriu o artigo 7º do Código de Ética da Alta Administração Federal: "A autoridade pública não poderá (...) receber transporte, hospedagem ou quaisquer favores de particulares de forma a permitir situação que possa gerar dúvida sobre a sua probidade ou honorabilidade".


Segundo Bernardo, os jatinhos teriam sido alugados pela campanha de Gleisi. Mas os parcos gastos da hoje ministra-chefe da Casa Civil com este fim em 2010 desabonam a versão do marido:
em sua prestação de contas à Justiça Eleitoral, ela declarou despesas de apenas R$ 56,9 mil com empresas de táxi aéreo, o equivalente a 0,7% dos quase R$ 8 milhões que informou ter gasto na disputa, mostra
O Estado de S.Paulo.

Os gastos declarados de Gleisi com esta finalidade foram sete vezes menores que os do senador Roberto Requião (PMDB), seu companheiro de chapa no ano passado.


A principal suspeita que pesa sobre Bernardo é que ele tenha recebido mimos de uma empresa que foi diretamente beneficiada por ele quando era o responsável pelo Orçamento da União e por definir as verbas para obras públicas.

A Sanches Tripoloni constrói em Maringá uma obra incluída no PAC por sugestão do ministro e que já custa o dobro de seu preço original.

A empresa foi considerada inidônea pelo TCU, mais isso não a impediu de multiplicar os recursos federais que recebe: passaram de R$ 14 milhões em 2005 para R$ 261 milhões - ou 17 vezes mais - cinco anos depois.


Nos dois casos, fica evidente a forma como as autoridades do governo petista tratam os bens públicos:
como se fossem nacos para serem devorados, numa promíscua coabitação com interesses privados.

Em benefício da sociedade, há vísceras de sobra para serem expostas, antes que seja tudo tragado pelo fisiologismo.


Fonte: Instituto Teotônio Vilela