"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 21, 2012

CIÊNCIA À MÍNGUA

O Brasil não está apenas enferrujando na indústria.
Está também ficando para trás na geração de novos saberes de ponta.
A maneira como o setor de ciência e tecnologia tem sido tratado pelo governo petista ajuda a entender por que o país tem sido cada vez menos produtivo e menos eficiente.


Cansada dos maus tratos a que tem sido submetida nos últimos anos, a comunidade científica juntou-se à elite empresarial nacional para fazer o alerta: as atividades de pesquisa e inovação desenvolvidas no Brasil estão sendo asfixiadas pela política e pelos cortes orçamentários determinados pelo Palácio do Planalto.

"Tal medida terá consequências dramáticas para o desenvolvimento do Brasil caso não seja revertida", diz o manifesto "Em Defesa da Ciência, da Tecnologia e da Inovação", assinado pelas maiores entidades da indústria, como a CNI e a Fiesp, e os principais órgãos nacionais de representação da comunidade científica, como a SBPC e a Academia Brasileira de Ciências.

Os cortes nas verbas públicas são profundos e vêm de longa data. Só neste ano, o Ministério da Ciência e Tecnologia perdeu R$ 1,5 bilhão, o que equivale a 23% de seu orçamento. Nos dois anos da gestão Dilma Rousseff foi assim, com a tesoura agindo sem dó.

O Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico também perdeu mais de um quarto de seus recursos desde 2006:
R$ 3,2 bilhões que deveriam alimentar a produção de conhecimento no país foram engordar o caixa do Tesouro para fazer superávit fiscal.


A participação de governos no fomento à geração de conhecimento científico num país com as características do Brasil é fundamental. Mas aqui os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) provenientes do setor público somaram apenas 0,63% do PIB em 2010 - último dado disponível.

No total, os gastos brasileiros em P&D estão estacionados em torno de 1,2% do PIB, o que também inclui a participação dos investimentos privados. Países como a Austrália e a França aplicam em torno de 2% de seus PIBs; no Japão e na Coreia, o montante supera 3%.

O arcabouço legal que norteia os programas de ciência, tecnologia e inovação no Brasil é adequado e começou a surgir em 1999, ainda no governo Fernando Henrique - algo que até a gestão atual reconhece. A criação dos fundos setoriais data de então. Recebidos com entusiasmo pela comunidade científica à época, não têm servido para o fim a que se propunham:
incentivar os cérebros brasileiros.


Exemplo eloquente da penúria a que é submetida a produção de ciência e tecnologia no país é o que está acontecendo na Embrapa. Orgulho nacional, o órgão de pesquisa que revolucionou a produtividade agrícola e permitiu que o cerrado brasileiro fosse desbravado e ocupado por plantações está minguando.

A Embrapa tem perdido espaço, tratorada por multinacionais que produzem sementes geneticamente modificadas. Desde 2005, quando foram regulamentadas no Brasil, 32 variedades destas plantas foram liberadas. A Embrapa desenvolveu apenas duas delas, e nenhuma foi posta no mercado.

"Sem recursos suficientes para grandes projetos, dificuldades para estabelecer parcerias com outras empresas e resistências à entrada do capital privado, a estatal vê sua participação despencar em alguns dos segmentos mais dinâmicos do agronegócio", relata hoje o Valor Econômico.

A Embrapa investe em pesquisa e desenvolvimento de novas sementes apenas um décimo de suas concorrentes. Com isso, a participação da empresa pública neste mercado caiu a um terço do que era há cinco anos:
na última safra, a estatal vendeu menos de 15% das sementes de soja e 10% dos híbridos de milho comercializados no país.


Diante destes fatos, não surpreende que o Brasil desponte cada vez pior em termos de produtividade. Segundo estudo da instituição de pesquisa norte-americana The Conference Board, divulgado por O Globo no domingo, a média brasileira é apenas a 15ª da América do Sul, à frente apenas da Bolívia e do Equador, e a 75ª do mundo.

No Brasil, cada funcionário rende US$ 19,7 mil dólares anualmente, enquanto no Chile e na Venezuela, para ficar em apenas alguns exemplos, o retorno é de cerca de US$ 35 mil - ou uns 75% mais. São por razões assim que o país tem emburrecido na era petista.


Fonte: Instituto Teotônio Vilela
Ciência à míngua

PERTO DE TRILHÃO - R$ 998,762 bilhões. MESMO COM PROGRAMAS DE PARCELAMENTO, DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO SOBE 13,4% EM 2011.

Mesmo com a melhora na arrecadação obtida com os programas de parcelamentos e descontos, a dívida ativa da União registrou crescimento de 13,41% de 2010 para 2011 e se aproxima da casa do trilhão de reais.

Balanço feito pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) mostra que, no ano passado, as dívidas de pessoas físicas e empresas inscritas na dívida ativa da União somaram R$ 998,762 bilhões. Em 2010, essas dívidas atingiram R$ 880,596 bilhões.

Segundo o diretor de Gestão da Dívida Ativa da PGFN, Paulo Ricardo de Souza Cardoso, os débitos inscritos em dívida ativa não param de aumentar, porque são corrigidos com base na taxa básica de juros (Selic) - que está em 9,75% ao ano, atualmente.

Além disso, dívidas antigas são de difícil cobrança, porque existem empresas inscritas que já faliram, ou ainda pessoas físicas, que apresentaram endereços e documentação inexistentes ou já morreram.

"Damos prioridade as dívidas mais recentes, pois entendemos que são mais fáceis de recuperar", diz Cardoso. A PGFN, explica, está fazendo uma depuração da dívida para focar justamente nos créditos em que é possível realizar a cobrança.

Outra medida é reduzir o prazo para que órgãos como Receita Federal, Secretária do Patrimônio da União (SPU) e Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) encaminhem as informações dos devedores que devem ser inscritos em dívida ativa.

Segundo o diretor, existem órgãos do governo que demoram entre cinco e seis anos para fazer a inscrição do débito, o que acaba dificultando a cobrança do débito. A ideia é diminuir esse período para algo em torno de três meses.

Apesar do aumento do estoque da dívida ativa em 2011, a recuperação dos débitos melhorou, apesar de representar apenas 1,37% do estoque.

Em 2010, as empresas e pessoas físicas que aderiram ao Refis da Crise, em 2008 - o quarto programa de refinanciamento de débitos tributários -, estavam pagando apenas uma parcela mínima, devido à necessidade de atualização dos sistemas de cobrança, o que atrapalhou o recebimento dos débitos.

No caso das empresas, que estavam entrando pela primeira vez no programa de parcelamento de dívidas, o recolhimento mínimo era de apenas R$ 100. Já para as pessoas físicas, o valor era de R$ 50.

Para os contribuintes que participaram de refinanciamentos antigos ou migraram suas dívidas para o novo Refis, o pagamento correspondia a 85% do valor das parcelas mensais anteriores.

No ano passado, essa situação foi normalizada e a arrecadação da PGFN saltou de R$ 5,429 bilhões, em 2010, para R$ 13,636 bilhões, um aumento de 151%. "Já foram feitos os ajustes necessários no sistema e os contribuintes que aderiram ao Refis da Crise já estão pagando o valor real das parcelas", disse Cardoso. A expectativa do diretor é que a recuperação dos débitos continue crescendo. "Algumas empresas anteciparam pagamento de dívida para terem descontos, o mesmo pode acontecer neste ano."

Segundo dados da PGFN, a atuação do órgão, representando a Fazenda Nacional judicial e extrajudicial, evitou perda de R$ 277,562 bilhões para os cofres públicos.

Considerando que a Procuradoria contava com 1.996 procuradores no fim de 2011, verifica-se que cada um desses funcionários arrecadou, em média, R$ 12,7 milhões, o que representa acréscimo de 60,48% em relação a 2010.

Edna Simão | De Brasília Valor Econômico

ELE$ QUEREM É FE$TA : REALIZAÇÃO DE EVENTOS R$ 70,73 milhões - PARA A SAÚDE R$ 4,4 milhões, VALOR 16 VEZES MENOR.

Emendas elaboradas pelos deputados priorizam
áreas como cultura e urbanismo e não refletem as necessidades da população.

Valor total destinado a saúde, educação, segurança e transporte corresponde à metade do aplicado em eventos.

Diretamente vinculadas à qualidade de vida, áreas como educação, saúde, segurança e transporte deveriam receber prioridade máxima de quem representa os interesses dos cidadãos.

Mas levantamento sobre a distribuição de emendas dos deputados distritais e a liberação dos recursos pelo governo demonstra claramente quais são as preferências dos políticos.

Entre 19 temas para os quais os deputados poderiam destinar recursos do orçamento, estão no topo da lista dos parlamentares urbanismo, ciência, tecnologia e cultura.

Em uma cidade carente de atendimento hospitalar, boas escolas e transporte público de qualidade parece um contrassenso que, no ranking, a saúde esteja em 11º lugar, o transporte em 15º e a educação ocupe a quinta posição. Como ocorre todos os anos, as emendas dos deputados são definidas em outubro do ano anterior ao atual exercício.

Cada distrital pode opinar em que áreas o governo deve aplicar até R$ 12 milhões. A liberação do dinheiro ocorre, em geral, de maneira gradativa, e depende, quase sempre, de uma intensa negociação entre o Legislativo e o Executivo.

Para 2012, os distritais opinaram em R$ 335,4 milhões. Se fizessem um esforço conjunto, conseguiram erguer três hospitais em cidades carentes ou reformar meia dúzia que já não contam com instalações decentes.

Mas se, em vez de hospitais, olhassem para as escolas, poderiam construir mais 70 instituições e acabar com o problema de superlotação nas salas de aula, um dos fatores que compromete o aprendizado dos estudantes.

Ainda que não vissem essas áreas como melhor opção, os parlamentares também poderiam ter mirado no transporte público, carente de ônibus novos, de organização e de vias mais bem cuidadas.

Descaso
Mesmo somadas, as áreas de transporte, educação, saúde e segurança chegam apenas à metade do que os distritais programaram para aplicar em cultura. A realização de eventos mereceu dos parlamentares a indicação de R$ 70,73 milhões para serem usados neste ano.

Para a saúde, eles enviaram R$ 4,4 milhões, ou seja, valor 16 vezes menor. E se a preferência é explícita na hora de escolher a cultura, também fica clara quando o dinheiro é liberado.

Dos mais de R$ 300 milhões que os deputados apresentaram em emendas, apenas R$ 2 milhões já foram empenhados. O empenho ocorre quando o governo faz o compromisso formal de pagamento. Em geral, do meio para o fim do ano é que ocorrem as liberações com maiores volumes de dinheiro.

E, muitas vezes, a autorização para a quitação fica condicionada a acertos políticos em votações de interesse do Executivo. Da pequena quantia que foi empenhada até agora, quase tudo (R$ 1,98 milhão) foi para a cultura.

Consulta ao relatório de execução orçamentária do governo informa que, entre janeiro e março deste ano, houve um aporte de R$ 500 mil para apoio a atividades culturais em São Sebastião.

A cidade é base eleitoral do deputado Agaciel Maia (PTC), que preside a Comissão de Economia, Orçamento e Finanças (Ceof) da Câmara e foi relator do orçamento.

Os deputados direcionaram outros R$ 50 mil para a Associação Recreativa Desportiva de São Sebastião. Mais R$ 100 mil foram reservados para ajudar a Associação Recreativa Unidos do Cruzeiro (Aruc) a fazer o carnaval deste ano.

Antes de Agaciel ocupar o trono do orçamento, um dos mais disputados na Câmara Legislativa, o posto era do colega Cristiano Araújo (PTB). Hoje, o deputado é o secretário de Ciência e Tecnologia, a área com o segundo maior volume (R$ 73,8 milhões) de recursos destinados pelos distritais.

Na extensa lista de temas que precisam da atenção dos políticos, apenas um item, além da cultura, teve dinheiro empenhado neste primeiro trimestre. Na capital onde ainda faltam equipamentos públicos na saúde, educação e transporte, R$ 50 mil já estão reservados para desporto e lazer.
Nenhum tostão ainda para hospitais ou escolas.

"Questão cultural"
Autor de uma emenda no valor de R$ 1 milhão para difusão cultural, o Agaciel Maia diz que os colegas são pressionados para manter as festividades nas cidades onde têm mais afinidade. Ele argumenta que em São Sebastião, por exemplo, 48% dos moradores têm menos de 30 anos.

"É uma questão cultural, se o deputado deixar de mandar o recurso vai ser mal falado no lugar. E jovem faz questão de são-joão, carnaval, shows", explica o distrital.

Segundo a Coordenadoria de Comunicação Social da Câmara Legislativa, os deputados têm, segundo a legislação que regulamenta a aplicação das emendas parlamentares, a prerrogativa de eleger livremente para quais áreas vão destinar os recursos do orçamento.

O porta-voz do GDF, Ugo Braga, comentou que a liberação das emendas pelo governo reflete a natureza das prioridades eleitas pelos distritais.

"A emenda existe para que o deputado faça seus representados receberem uma parte do orçamento do GDF, que libera o dinheiro de acordo com a vontade do distrital", avaliou.

LILIAN TAHAN Correio Braziliense
Distritais querem festa

O incentivo da impunidade à corrupção - POLÍTICA BALAIO DE GATOS E RATOS : INSTITUCIONALIZAÇÃO DA IMPUNIDADE E CORRUPÇÃO.

As cenas de corrupção explícita mostradas pelo último "Fantástico", da TV Globo, têm lugar garantido na seleção dos piores momentos - ou melhores, a depender do ponto de vista - das reportagens publicadas nos últimos anos pela imprensa profissional de denúncia do roubo do dinheiro do contribuinte tramado no setor público.

As tratativas de representantes de quatro empresas interessadas em contratos de fornecimento a um hospital da UFRJ, no Rio, feitas com um repórter da emissora passando-se por burocrata responsável pelas compras do estabelecimento, são um mergulho no escabroso cotidiano de um Estado que avança cada vez mais sobre o bolso do contribuinte e sem maiores zelos com o destino do dinheiro alheio.

As cenas já fazem parte da mesma galeria de vídeos em que está um empregado dos Correios, Maurício Marinho, no ato de embolsar um maço de dinheiro oferecido por um empresário, uma espécie de fio da meada que levou Roberto Jefferson (PTB), "padrinho" do funcionário, a denunciar o mensalão.

Juntam-se também ao registro do patético pedido de propina feito sem rodeios por Waldomiro Diniz, ainda assessor do chefe da Casa Civil José Dirceu, ao bicheiro Carlinhos Cachoeira. E à farta distribuição de dinheiro vivo no governo de José Roberto Arruda, no caso do "Mensalão do DEM".

Uma das peculiaridades do material mostrado pelo "Fantástico", e ampliado no "Jornal Nacional" de segunda-feira, é registrar a tranquilidade e destreza com que representantes de empresas com tradição em negócios com o poder público - Locanty Soluções,
Toesa Service,
Bella Vista Refeições Industriais
e Rufolo Serviços Técnicos e Construções -
articulam o pagamento de propinas, falam sobre superfaturamento para financiar o "por fora" do funcionário público sentado do outro lado da mesa, e fraudam uma concorrência.
Parece fazer parte do trabalho diário de todos. E deve fazer.

Existem indicações de que há uma roubalheira disseminada e institucionalizada do dinheiro do contribuinte, sob patrocínio de maus servidores, com ramificações no mundo da política.

Para ficar no bilionário universo da saúde pública, apenas 2,5% dos enormes repasses federais a estados e municípios, feitos no âmbito do SUS, são auditados. Assim, entre 2007 e 2010, R$ 154 bilhões fluíram de Brasília para o resto do Brasil sem qualquer controle.

Quanto deve ter sido desviado?
Fiscalizações feitas por inspetores da Controladoria Geral da União (CGU), por amostragem, em municípios, apontam a possibilidade de desaparecerem 30% dos repasses federais, apenas entre prefeituras.

A denúncia da falcatrua arquitetada no hospital da UFRJ atraiu declarações fortes contra a corrupção. Mas, como sempre, nada deverá ocorrer. O Ministério Público investigará e, quando o caso chegar à Justiça, há um amplo arsenal de recursos à disposição dos advogados das firmas para mantê-las em operação como fornecedoras do estado.

Estas mesmas empresas já haviam sido "punidas" em 2010, por iniciativa do MP estadual. Como se viu, nada foi para valer. A faceta grave em todas estas histórias de corrupção é a impunidade, um eficiente incentivo para o crime continuado.

Tanto que agentes de empresas negociam assaltos ao contribuinte como se fosse um negócio normal. No dia em que corruptores e corrompidos forem mesmo condenados a penas condizentes, este cenário mudará. Caso contrário, novos vídeos virão.

O Globo