"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

fevereiro 14, 2011

AINDA SOBRE A "TESOURA" DE R$ 50 BILHÕES.


A conta pela expansão acelerada dos gastos públicos chegou e o governo anuncia um enxugamento recorde.
A dúvida é se o corte será realmente cumprido

Durante a campanha eleitoral, a então candidata Dilma Rousseff negava a necessidade de ajustes. Na semana passada, o óbvio aconteceu.
O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, anunciaram um plano para cortar R$ 50 bilhões nos gastos previstos no Orçamento da União para este ano. Anúncios de corte de despesas sempre ocorrem nesta época do ano.
Mas esse é recorde. A conta chegou.

Ao rever as despesas, o governo reduziu a estimativa de receita, de R$ 819 bilhões para R$ 801 bilhões.
Também jogou para baixo o crescimento da economia esperado para 2011 (de 5,5% para 5%).
Ainda deixou em aberto a possibilidade de que esse crescimento seja ainda menor.

Embora pareça enorme, o corte anunciado de R$ 50 bilhões é relativamente pequeno perto do montante de despesas obrigatórias da União. Previdência, pessoal e outros itens intocáveis beiram R$ 545 bilhões, 74% das despesas previstas no Orçamento.

No ano passado, esses gastos obrigatórios subiram R$ 100 bilhões em relação a 2009, o que gerou muita crítica. Agora, as autoridades reconheceram o problema.
Pelo menos no discurso. Mantega disse que o corte vem para ficar, mesmo que a receita aumente:
“Nossa intenção é manter esse patamar até o fim do ano. O quadro será mais drástico”, afirmou.

No mercado, a notícia do corte dos R$ 50 bilhões gerou dúvidas.
Muitos duvidam que seja possível atingir uma economia desse tamanho apenas com limitações ao BNDES, suspensão de contratações, corte de viagens e outras medidas menores. Informações mais detalhadas sobre o pacote de redução de despesas devem ser anunciadas nesta semana.

De fato, é difícil acreditar que o governo consiga atingir a meta anunciada de corte de R$ 50 bilhões. A história recente mostra que nenhum contingenciamento de despesas prometido no início do ano foi integralmente cumprido após 12 meses.

No ano passado, a diferença entre a economia prometida e a cumprida foi a maior já vista. O corte anunciado de R$ 21,8 bilhões caiu, no fim do ano, para R$ 6,4 bilhões.
Esse resultado foi obtido graças a um artifício envolvendo a cessão onerosa de 5 bilhões de barris de petróleo do pré-sal.
A União cedeu o direito exploratório de suas reservas à Petrobras, antecipando uma receita.
Com isso, conseguiu transformar barris de petróleo ainda enterrados no fundo do mar em receita presente.

Ainda que o corte de R$ 50 bilhões não seja integralmente cumprido, o anúncio recorde mostra que o governo acordou para o tamanho do desajuste das contas públicas – que ele vinha negando.
É um fato alvissareiro.

Isabel Clemente/Época

DIFÍCIL INFLAÇÃO EM 12 MESES BAIXAR DE 6%.

A inflação em 12 meses continuará rondando a casa dos 6%; dependendo do mês, um pouco mais acima ou mais abaixo desse patamar, até atingir o teto da meta em julho. No mês seguinte, ela ultrapassaria os 6,5%, ao ficar em 6,75%.
Essas são as previsões do economista Elson Teles, da Máxima Asset.

Como a demanda ainda está muito aquecida, ele acha que os serviços continuarão pressionando o IPCA, além dos alimentos.
A alta também é explicada em parte pela base de comparação baixa, já que entre junho e agosto do ano passado, depois de subir muito no começo do ano, a inflação mensal ficou próxima de zero.
Segundo o último dado divulgado, o IPCA acumulado está em 5,91%.

- Ao longo do ano, vai ser duro baixar de 6% a inflação em 12 meses.
A retirada dos estímulos, o aperto monetário e o ajuste fiscal, em tese, devem fazer efeito sobre a atividade.
Mas com o mercado de trabalho aquecido e um ambiente de demanda ainda crescendo acima da oferta, mesmo com as medidas para contê-la, será difícil.
Além da pressão interna, há a externa também, por conta do aumento dos preços das commodities agrícolas.
Para 2011, não tem jeito, é rezar para que a inflação não ultrapasse o teto da meta no fechamento do ano - diz o economista.

Teles acha que nos quatro últimos meses do ano, a inflação em 12 meses poderá cair um pouco para perto de 5,7%, se os alimentos pressionarem menos.
Mas para isso acontecer, é preciso combinar com as commodities, que não param de subir por vários fatores.

- Não tem nada ajudando, como câmbio, queda das matérias-primas, e a atividade continua aquecida. O máximo a fazer é conter a demanda para evitar que a inflação fuja do controle - afirma Teles.

Segundo o boletim Focus, divulgado hoje pelo BC, o mercado espera que o IPCA feche 2011 em 5,75%, bem acima do centro da meta (4,5%).

Valeria Maniero/Globo

RAPOSA E O GALINHEIRO.

Eleito primeiro-secretário da Mesa Diretora da Câmara, o deputado federal Eduardo Gomes (PSDB-TO) gastou mais de R$ 5,8 mil em verba indenizatória com despesas de hospedagem em Brasília e cidades do Distrito Federal.
O valor representa quase a metade do total gasto pelo parlamentar com diárias de hotel no ano passado (R$ 12 mil).

No entanto, Gomes — que terá entre as novas atribuições supervisionar atos administrativos da Casa e ratificar compras e contratos — já recebe auxílio-moradia.

Servidor licenciado do governo de Tocantins, Gomes mora em uma casa alugada com o dinheiro da Câmara, segundo informações do gabinete.

A prática contraria regras para despesas com a cota parlamentar. De acordo com o Ato 43/2009, da Mesa Diretora, o dinheiro para hospedagem só pode ser usado pelos deputados federais fora de Brasília. Os parlamentares já contam com auxílio-moradia ou têm à disposição apartamentos funcionais. .

A assessoria do deputado nega irregularidades e afirma que a verba foi usada para pagamento de diárias de assessores. Porém, o gabinete não informou quais funcionários. Pela norma, gastos com hospedagem só podem ser realizados por servidores efetivos, ocupantes de cargos de natureza especial ou secretários parlamentares da Câmara dos Deputados, desde que custeados mediante reembolso ao deputado.

De acordo com funcionários do gabinete, o parlamentar costuma arcar com despesas de servidores do estado e aliados que estão de passagem pela capital federal.

Segundo os registros da Câmara, os gastos foram feitos ao longo do ano passado em vários hotéis da capital.
Gomes apresentou notas do Hotel Esplanada Brasília, por exemplo, nos meses de fevereiro, março e abril, num total de R$ 2,3 mil.
Também foram pagas diárias no St. Paul e no Manhattan.

Escritório político
Gomes apresentou ainda despesas no Lord’s Hotel (R$ 150), no Núcleo Bandeirantes, e em Sobradinho, no Hotel Alvimar (R$ 125).
O Lord’s é um hotel simples, com diária de R$ 80 para o casal, e usado por viajantes e representantes comerciais. O perfil é semelhante ao do Alvimar, distante 24 quilômetros de Brasília, e com diárias que variam de R$ 83 a R$ 144.

O deputado ainda gastou R$ 3,8 mil em hotéis de Tocantins.
Em outubro, o parlamentar pediu reembolso de R$ 2,6 mil em diárias em Palmas. Segundo o gabinete, sua casa no estado foi transformada em escritório político.

A cota única reúne gastos para o exercício da atividade parlamentar incluindo transporte, passagens aéreas, consultoria, serviços de telefonia, manutenção de escritórios, assinatura de publicações, alimentação, postagens, entre outros.
Os valores variam de acordo com o estado do deputado.

Alana Rizzo Correio Braziliense

JUSTA DESCONFIANÇA .

Não sei se repararam, mas convém registrar:
o famoso tripé de política econômica está em pleno funcionamento neste início do governo Dilma.

O governo federal anuncia uma contenção de gastos para fazer um superávit primário (e assim reduzir a dívida pública líquida) e para ajudar no combate à inflação, cumprindo assim o espírito e a letra da Lei de Responsabilidade Fiscal e seus complementos.

O Banco Central, agindo com autonomia, está em um processo de alta da taxa básica de juros, para trazer a inflação de volta ao centro da meta.

O Banco Central e o Tesouro compram dólares no mercado, a moeda excedente num sistema de flutuação da taxa de câmbio.

A primeira perna do tripé é de 1998.
As outras duas, regime de metas de inflação e câmbio flutuante, são de 1999.
Toda a construção, portanto, deu-se no governo de Fernando Henrique Cardoso, sob a liderança de Pedro Malan, ministro da Fazenda naqueles oito anos.

Foi mantida e reforçada no primeiro governo Lula, meio avacalhada no final do segundo mandato e, agora, parece, está sendo reforçada nos seus fundamentos.

Por exemplo:
o governo de Dilma Rousseff está comprometido com uma meta de superávit primária "cheia", sem descontos e sem artifícios contábeis.
Ou seja, sem as manobras dos últimos dois anos, comandadas pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega.

O Banco Central também vacilou no final do ano passado. Em pleno processo eleitoral, interrompeu um ciclo de alta de juros, em setembro, alterando abruptamente sua interpretação da realidade econômica. Depois de seguidas análises apontando a força da inflação, o Banco Central de Henrique Meirelles mudou, sem prévio aviso, para uma visão mais benigna - a alta de preços seria episódica, passageira - de modo que a dose de juros poderia ser suspensa. Surpreendeu o mercado e deixou no ar a suspeita de que a mudança se dera por razões políticas.

De todo modo, prevaleceu então a tese de Guido Mantega nos dois pontos.
O Banco Central não precisaria mais elevar juros - nem o governo precisaria conter seus gastos, pois, tal o argumento central, não haveria excesso de demanda (consumo) na economia brasileira.

Com juros parados, o governo acelerou seus gastos, roubou na contabilidade para adequar as contas aos requisitos da responsabilidade fiscal e... Lula fez a sucessora.

Começa o governo Dilma, e o que temos?
O Banco Central, fazendo séria advertência sobre a virulência da alta de preços - demanda muito aquecida! -, começa a elevar juros e diz que um ajuste fiscal é peça essencial para colocar a inflação na meta.
Passo seguinte:
Guido Mantega e a ministra Miriam Belchior, da Pasta do Planejamento, anunciam um corte de gastos públicos "com dor".

No caso do Banco Central, a gente já está vendo para crer.
O Comitê de Política Monetária, o Copom, elevou os juros na primeira reunião da era Dilma e, mais que isso, escreveu que outras altas se seguirão.

No caso do corte de gastos, anunciado na quarta passada, logo depois de um índice horroroso de inflação - o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o IPCA, em 12 meses, chegou a 6%, só um pouquinho abaixo do teto de tolerância (6,5%) -, o pessoal desconfiou.

Espera para ver duas coisas.
Primeira:
onde serão os cortes, pois os ministros deram apenas o número total (menos R$ 50 bilhões) e indicações vagas de que reduzirão alguns itens, como despesas de viagem.
É pouco.

Reparem:
o mercado entende que há limites para o corte, aceita que o gasto total de 2011 seja maior que o do ano passado (a redução se dará sobre a previsão de despesas aprovada pelo Congresso) e afirma que essa política já será de boa ajuda, caso os gastos cresçam menos que o Produto Interno Bruto (PIB).

E daí vem a segunda desconfiança:
será que o governo vai mesmo cumprir o corte prometido?

Muitos poderão dizer:
é má vontade com o novo governo.
Não é.
A desconfiança faz sentido.
Esse ajuste fiscal está sendo feito por autoridades (Mantega e Belchior) que já declararam, no passado, não acreditar nesse tipo de política.
E Mantega, nos últimos dois anos, atropelou, na prática, essa proposta.

A credibilidade do Banco Central também está abalada.
Menos, mas está.
Tanto que os cenários do mercado têm sido mais pessimistas do que o da autoridade monetária. O Banco Central eleva juros, o governo federal promete austeridade, mas o mercado tem elevado a previsão de inflação e de juros.

Confiança é difícil de conquistar e fácil de perder.
Ou, como se lê em Guimarães Rosa, "confiança - o senhor sabe - não vem das coisa feitas ou perfeitas: ela rodeia, é o quente das pessoas".

E quando há desconfiança na capacidade ou na disposição do governo de aplicar uma política econômica restritiva, esta tem de ser ainda mais restritiva.
Ou seja, juros maiores, cortes maiores e sem vacilações.
Por exemplo, a presidente Dilma não pode ceder nem que seja um real no salário mínimo.

A ver.

Carlos Alberto Sardenberg O Estado de S. Paulo

PARA O BRASIL CONTINUAR MUDANDO : INFLAÇÃO BATE GANHO DE MAIS POBRES COM MÍNIMO.


Além do impacto nas contas públicas, a discussão sobre o reajuste do valor do salário mínimo tem um novo ingrediente:
a escalada da inflação, que tem pesado bem mais no bolso da camada mais pobre do Brasil.
Pior:
a inflação está mais alta também nas regiões mais pobres, do Norte e o Nordeste.

O economista Mansueto Almeida, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), reconhece que um reajuste menor, num contexto de inflação em alta, pode gerar uma perda de renda para o trabalhador.
Mas é preciso considerar, alerta, que a política defendida pelo governo garantirá(?) no ano que vem um reajuste bem acima da inflação.

Na semana passada, o Banco Central apresentou em Salvador (BA) dados mostrando que, no último trimestre de 2010, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a medida oficial de inflação, ficou acima da média nacional no Norte e Nordeste, as áreas mais pobres do País e onde o governo garantiu a eleição de Dilma Rousseff.

Segundo o BC, nessas duas regiões a inflação subiu 2,78% e 2,49% de outubro a dezembro, contra a média nacional de 2,23%.
Esse movimento decorre da alta nos preços dos alimentos, que nessas regiões tem peso maior na cesta de consumo em comparação com o resto do País.

Outro dado que evidencia a perda maior do poder de compra pelos mais pobres é o aumento da cesta básica, que subiu 15,8% de janeiro a janeiro.

Dessa forma, a reposição apenas pela inflação cheia representa perda real de renda para parte significativa da população.
Apesar disso, Dilma demonstra firme disposição de gastar parte de sua popularidade para aprovar só o valor de R$ 545, parte da estratégia de repor as contas públicas em ordem.

Uma fonte da área econômica argumenta que essa perda de renda real de quem ganha um salário mínimo ocorre no curto prazo, já que no médio prazo a atual política garante que essa parcela se aproprie do crescimento da renda nacional.
A fonte lembra que em 2012 o mínimo terá aumento real de 8%.

Para o economista, o aquecimento do mercado de trabalho é outro fator que precisa fazer parte da discussão.
"Numa conjuntura como a atual, com o mercado de trabalho aquecido, o impacto do salário mínimo é menor. O trabalhador tem melhores condições de arrumar um emprego."

Escalada

2,23%
É o IPCA nacional medido no último trimestre de 2010

2,49%
É o IPCA da região Nordeste, também no último trimestre

2,78%
É o índice da região Norte medido no mesmo período

Fabio Graner, Renato Andrade O Estado de S. Paulo