"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

outubro 08, 2014

Monstros Vivíssimos do Presente


Dilma Rousseff adora ver fantasmas onde eles não existem. Tem se mostrado incapaz, todavia, de enfrentar os monstros que aterrorizam as vidas dos brasileiros diariamente. Eles não são invencionices de marketing, são reais e estão mais vivos que nunca.

A lista de dificuldades que tornam a vida dos brasileiros mais penosa e conturbada é extensa. Começa com a inflação, passa pela recessão, inclui a ameaça do desemprego (em alguns setores, mais que uma ameaça) e chega ao descalabro que envolve a falta de segurança e a deficiência na educação.

O IBGE divulgou nesta amanhã a inflação de setembro. Houve nova alta, agora para 0,57% no mês. O acumulado em 12 meses passou a superar a meta com folga e atingiu 6,75%. Em algumas cidades, a inflação já é superior a 7% ao ano.

No debate promovido pela TV Globo na semana passada, Dilma disse, porém, que a inflação "está sob controle". Se ela acha isso, então é porque alguma coisa está muito descontrolada no governo dela...

Outra realidade assombrosa é a recessão, isto é, o fato de a economia brasileira estar produzindo cada vez menos e gerando cada vez menos empregos e renda. Ontem o FMI rebaixou a previsão de crescimento do PIB do país para este ano para 0,3%, alinhando-se aos prognósticos já largamente disseminados por outros analistas.

Foi a sexta redução consecutiva e a maior, nesta rodada, entre 14 economias avaliadas. Com Dilma, a nossa média de crescimento (1,6% ao ano) não chegará nem à metade da do resto do mundo (3,5%) e será apenas uma fração do que alcançarão os emergentes em geral (5,1%) entre 2011 e 2014. Tamanho vexame não acontecia desde Fernando Collor.

A situação é tão vergonhosa que o ministro da Fazenda recusou-se a participar do encontro em Washington. Mas não se furtou a assacar as velhas armas terroristas que o PT adora usar em época de eleição. A verdade é que tudo o que Guido Mantega acusa, criminosamente, a oposição de pretender fazer se chegar ao poder o governo atual já faz.

Em relação ao emprego, as melhores vagas estão sumindo. Só a indústria já cortou 80 mil postos de trabalho apenas nos últimos quatro meses. No mercado em geral, atualmente há menos 86 mil pessoas ocupadas nas principais metrópoles do país do que havia um ano atrás.

Há evidências de sobra de que a situação do país é ruim e piorou muito ao longo do governo Dilma. Na sua guerrilha eleitoral, o que o PT tenta fazer é tirar a atenção da população do que está acontecendo hoje e distraí-la com assombrações. Mas as dificuldades estão vivíssimas no dia a dia dos brasileiros, que sabem muito bem o que é real e o que é imaginário. 

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

CACHACEIRO VIGARISTA PERDE E FERNANDO HENRIQUE SAI GANHANDO

Ao votar, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuperou o bom senso, maior responsável por seu sucesso nos palanques e nos palácios, e justificou o esperado desmanche das chances de Marina Silva, do Partido Socialista Brasileiro (PSB): "Ninguém inventa candidatura de última hora. Quando começa o jogo pra valer, tem que ter time para colocar em campo". Ao tomar conhecimento da passagem de Aécio Neves para o segundo turno, contudo, ele reassumiu o papel de profeta dos próprios desejos ao dizer que o tucano será um candidato mais fácil de bater do que o seria a candidata improvisada.

Entre a constatação e a previsão, que se contradizem, ele celebrou a sétima vitória consecutiva nos dois turnos das três últimas eleições e a liderança de seu "poste" Dilma Rousseff no primeiro desta. Mas foi forçado a engolir derrotas muito amargas que comprometeram sua fama de mágico capaz de tirar da cartola coelhos vencedores - conquistada na vitória da sucessora à Presidência e no inesperado triunfo de seu pupilo Fernando Haddad contra o tucano José Serra na capital paulista.

 Dilma não repetiu os índices conquistados por ele em suas duas disputas com Serra e Alckmin, nem a dela contra Serra. Mas parte para o segundo turno com uma vantagem de oito pontos, que pode facilitar a vitória final. Ou não.

A obviedade deste "ou não" explica a insistência quase desesperada com que o Partido dos Trabalhadores tentou levar sua candidata à reeleição à vitória no primeiro turno, que não foi possível por uma diferença de oito pontos porcentuais, exatamente a mesma distância sobre o segundo colocado. Mais preocupante ainda do que isso, para Dilma, foi o desempenho do estrategista de vitórias, em cujos ombros ainda repousa a esperança da conquista de novos eleitores para preencherem essa lacuna. O "chefe" obteve frutos amargos na colheita do plantio decidido por sua vontade tirana e pela incapacidade do partido, por mais estruturado que seja, por mais competente que seja no jogo político, de contrariá-lo.

O fiasco mais estrondoso foi em São Paulo. Imposto pela vontade do levantador de "postes" em quaisquer disputas eleitorais, o médico Alexandre Padilha não contou com mais do que o capricho de Lula para superar eventuais rivais do partido no maior Estado e colégio eleitoral do País. Nem sequer chegaram a ser cogitadas figuras históricas da legenda petista, como o ex-casal Marta, ministra do Turismo, e Eduardo Suplicy, senador. Não foram também lembrados quadros conhecidos pelo eleitorado, caso dos ministros de Dilma Aloizio Mercadante Oliva e José Eduardo Cardozo. E o ex-ministro da Saúde bateu o recorde negativo inimaginável de 18,22% dos votos válidos.

O preterido Eduardo Suplicy, protagonista da maior gafe da eleição ao se aproximar de Marina Silva e atrair a aversão de Dilma e Lula, obteve a metade dos votos do adversário José Serra, do PSDB, que voltará ao Senado. Mas nem isso servirá de consolo ao mago, habituado a colecionar vitórias com seus caprichos improváveis, seja porque Suplicy perde uma vaga petista que ocupa há 24 anos no Senado, seja porque sua derrota humilhante abre uma lacuna importante na história de glórias do PT.

Nos sete municípios do ABC paulista Dilma perdeu em cinco, quatro para Aécio, inclusive São Bernardo do Campo, berço do Lula sindicalista e depois político - um revés simbólico de consequências históricas. Mas seus fracassos não foram só no Estado de São Paulo. O patrocínio de Lindbergh Farias na disputa pelo governo do Estado do Rio, desfazendo uma aliança que tinha sido muito bem-sucedida com Sérgio Cabral, foi desastroso: o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) teve pífios 10% dos votos. No Paraná, o tucano Beto Richa ganhou no primeiro turno e a queridinha de Lula, Gleisi Hoffman, ex-chefe da Casa Civil de Dilma, amargou um terceiro lugar, com 15,77% dos votos válidos.

Do Paraná também veio a notícia alarmante do recorde de votos obtido pelo senador Álvaro Dias, do PSDB, o mais ativo parlamentar oposicionista (incluindo o colega mineiro Aécio Neves) durante os três mandatos petistas. Outra vitória espetacular foi a do cearense Tasso Jereissati, cuja acachapante derrota Lula fez questão de patrocinar há quatro anos. Esses dois combativos senadores terão a oportunidade de levar as delações premiadas de Paulo Roberto Costa, o Paulinho do Lula, e Alberto Youssef para o debate político, seja quem for o vencedor do segundo turno no pleito presidencial.

Uma vitória, por qualquer margem, de Dilma Rousseff no segundo turno fará, é claro, com que parte desse legado negativo que mancha a reputação de invencível do padim Ciço de Garanhuns seja relegada a segundo plano. Caso, porém, a afilhada perca, seu padrinho terá subtraída parte de sua inegável ascendência sobre as bancadas do PT e do PMDB, que, renovadas, ainda dominarão o Poder Legislativo.

Se de fato o PSDB é o único partido organizado para servir de alternativa ao poder populista do PT, como reconheceram Lula e a maioria dos eleitores, é óbvio que, além de Aécio, com sua persistência em ficar preparado para se aproveitar das furadas de Marina, Fernando Henrique Cardoso também sai vencedor de uma eleição que nem sequer disputou.

Acontece que, apesar de ter sido o responsável pela maior revolução social da História do Brasil, o Plano Real, o sociólogo teve seus feitos obscurecidos seja pela maledicência nem sempre veraz dos adversários, seja ainda pelo oportunismo pouco sagaz de seus correligionários Serra e Geraldo Alckmin. Estes tentaram ocultar a obra do antecessor nas campanhas contra Lula e Dilma e nem sequer tiraram proveito disso, pois as perderam. Aécio recobrou esse legado e lhe deu lugar no palanque. A tal ponto que da boa defesa dessa herança bendita no confronto com Dilma dependerá em grande parte seu êxito no turno decisivo. No mais, quem viver verá.

José Nêumanne é jornalista, poeta e escritor
Lula perde e Fernando Henrique sai ganhando