"Um povo livre sabe que é responsável pelos atos do seu governo. A vida pública de uma nação não é um simples espelho do povo. Deve ser o fórum de sua autoeducação política. Um povo que pretenda ser livre não pode jamais permanecer complacente face a erros e falhas. Impõe-se a recíproca autoeducação de governantes e governados. Em meio a todas as mudanças, mantém-se uma constante: a obrigação de criar e conservar uma vida penetrada de liberdade política."

Karl Jaspers

março 24, 2015

‘Eu era o dono do orçamento’, afirma Paulo Roberto Costa

Por Julia Affonso, Beatriz Bulla, Ricardo Brandt e Fausto Macedo

O ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, primeiro delator da Operação Lava Jato, disse à força-tarefa do Ministério Público Federal e da Polícia Federal que chegou à unidade estratégica da estatal para substituir um diretor indicado pelo PSDB no cargo. De acordo com Costa, a primeira reunião que teve com o ex-deputado José Janene (PP) – morto em 2010 – , foi em 2004 no Aeroporto Santos Dumont. Desse encontro, afirmou o delator, teria participado também o ex-deputado federal Pedro Correa (PP-PE).

O relato foi gravado em vídeo pela força-tarefa da Lava Jato em 11 de fevereiro deste ano. O ex-diretor é o primeiro delator do esquema de corrupção e propina instalado na estatal petrolífera e desbaratado 

Segundo Costa, o processo de cartelização das empreiteiras no setor de Abastecimento começou em 2006. Isto porque não havia obras sendo feitas por sua diretoria.

“Esse processo de cartelização começou não foi na minha área, porque eu não tinha obra. Esse processo de cartelização começou na área de plataformas, navios, sondas de perfuração, que tinham os recursos. Eu não ia fazer processo de cartelização de uma obra de R$ 20 milhões. O cara ia fazer processo de cartelização numa obra que custava R$ 500 milhões, R$ 1 bilhão”, disse.

O delator afirmou que entre 2004 e 2006, a interação entre ele e os ex-parlamentares foi ‘mínima’. Sem obras, não haveria como receber propina. O PP, com PT e PMDB, são suspeitos de lotear diretorias da Petrobrás para arrecadar entre 1% e 3% de propina em grandes contratos, mediante fraudes em licitações e conluio de agentes públicos com empreiteiras organizadas em cartel.

“Fiquei lá esse período, pouca coisa a ser feita. Obviamente que os políticos chegavam: ‘E aí, Paulo, quando vai ter (obra)?’. (Ele dizia) ‘Está fazendo projetos, deve ter licitação, possivelmente em 2006 pode começar a ter os projetos maiores e tal’”, afirmou. “Nesse meio de tempo, estava ocorrendo Mensalão, então, tinha recursos de outras fontes. O Mensalão estava em vigor, tinha outros recursos. De 2006 para frente começaram a aparecer outros projetos na minha área.”

À força-tarefa da Lava Jato, Costa disse que nenhuma empreiteira o procurou até 2006 para falar de cartel. Segundo o delator, ele ‘não tinha importância’.

“Você faz o que na área de Abastecimento? Eu era o dono do orçamento. Eu sou o responsável pelo orçamento, mas eu não sou o responsável pela contratação, pela execução, pelos aditivos”, afirmou. “A importância que o cara tem é orçamento, é dinheiro. Eu não tinha dinheiro, por que eles iam me procurar?”

Costa decidiu firmar um acordo de delação premiada em agosto do ano passado. Ele considerou que não tinha a menor chance de sair da carceragem de Polícia Federal, em Curitiba, onde ficou detido, tão cedo. Após contar o que sabia, ele deixou a prisão em setembro. Hoje, cumpre prisão domiciliar.

Estadão

VEJA O DEPOIMENTO DE PAULO ROBERTO COSTA NA ÍNTEGRA

O OCASO DE UMA PRESIDENTE

Nunca antes na história, uma presidente da República teve seu desempenho pessoal à frente do cargo tão desaprovado pela população. Hoje Dilma não seria eleita nem síndica

Mais uma pesquisa de opinião mostra a erosão da popularidade de Dilma Rousseff. Nunca uma presidente da República teve sua atuação pessoal tão reprovada pela população. Como corolário deste purgatório, se a eleição fosse hoje talvez nem houvesse segundo turno, com fragorosa derrota da petista para Aécio Neves. Quase 60% dos brasileiros vão ainda mais longe e defendem o impeachment da petista.

O levantamento feito pelo instituto MDA sob encomenda da CNT indica que 64,8% dos brasileiros têm avaliação negativa do governo da presidente, percentual praticamente igual aos 62% aferidos pelo Datafolha na semana passada. 77,7% reprovam o desempenho pessoal de Dilma como presidente, a pior marca já medida pelo instituto neste quesito.

"Os resultados mostram queda expressiva da popularidade da presidente e da avaliação do governo, em consequência, principalmente, da piora da situação econômica, do aumento da inflação e do custo de vida, do risco de desemprego, da piora nos serviços públicos e da corrupção, que passa a ser relacionada fortemente ao governo e à presidente da República", sintetizam os pesquisadores.

O espírito geral é de desalento. Quando questionados se o governo do PT pode melhorar sua atuação em cinco diferentes áreas (emprego, renda, saúde, educação e segurança), nunca mais de 15% dos entrevistados concordam com a possibilidade.

Quando o assunto é corrupção, Dilma aparece de mãos dadas com seu tutor. Para 69%, ela é culpada pela roubalheira descoberta na Petrobras, quase o mesmo percentual (68%) dos que acham que Lula também tem responsabilidade no cartório. Para 90%, a debacle econômica atual é decorrência da corrupção e da má gestão pública no país.

É expressivo o pessimismo dos brasileiros em relação ao futuro do país. Para 88% dos entrevistados, a economia brasileira está em retrocesso ou, na melhor das hipóteses, parada. Uma das maiores ameaças é a inflação: 68,7% acham que o governo do PT não manterá o compromisso com o controle dos preços.

São minoria os que põem fé nas medidas anunciadas por Dilma para reverter a crise que ela mesma criou ao longo do primeiro mandato. Para 66,9% dos pesquisados, as medidas tomadas atualmente pelo governo petista não serão capazes de tirar o país do buraco em que se encontra; 82,9% acham que Dilma não está sabendo lidar com a difícil situação.

Diante destes resultados, deverá ser fugaz o alento produzido pela decisão anunciada ontem pela Standard & Poor's de não rebaixar, por ora, a nota de crédito do Brasil. A agência aposta no êxito do governo em aprovar no Congresso o pacote de medidas amargas do arrocho fiscal. Se isso acontecer, Dilma Rousseff possivelmente atrairá a ira de muito mais gente. Trata-se de caso de raro ocaso precoce de uma presidente.

Este e outros textos analíticos sobre a conjuntura política e econômica estão disponíveis na página do Instituto Teotônio Vilela

O lado bom da crise. " A crise também é útil porque nos dá uma porrada na cara para deixarmos de ser bestas."

A crise é boa. Nada melhor do que uma crise para nos dar a sensação de que a vida muda, que a História anda, que a barra pesa. A crise nos tira o sono e nos faz alertas.

A crise nos faz importantes, nós, a opinião pública, nós, o “povo”, nós, os ex-babacas que viviam na sombra, na modorra e que de repente saíram batendo panelas nas ruas. Na crise no Brasil, a política fica visível para a população. A crise nos lembra a maldição chinesa: “que você viva em tempos interessantes” — por “tempos interessantes” se entenderia uma época de calamidade, guerras e instabilidade. A crise é boa porque acabaram as antigas crises cegas, radiofônicas, anos 1950. 

Hoje as crises são on-line, na internet, nos celulares com todos as roubalheiras ao vivo, imediatas, na velocidade da luz. A crise é uma aula, quase um videogame. A crise é um thriller em nossas vidas. A crise nos permite ver a verdade. Mas como — se todos mentem o tempo todo? A crise nos ensina a ver a verdade de cabeça para baixo, nos ensina que a verdade é o contrário de tudo o que dizem os depoentes, testemunhas e réus. A verdade está em tudo o que os políticos negam

A crise é boa para conhecer tipos humanos. Temos de tudo — uma galeria de personas, de máscaras, de bonecos de engonço, temos um reality show sobre o Brasil, temos o desfile de caras, de bocas, de mãos trêmulas, temos as vaidades na fogueira, os clamores de honradez, os falsos testemunhos, a lama debaixo das dignidades, temos os intestinos, os nós nas tripas, os miasmas que nos envenenam, sujeiras escorrendo pelas frestas da lei. E tudo vai diplomando o povo em Ciência Política. 

A crise é boa para acabar com a crença de que um operário tem uma aura de santidade e mostra que para ser presidente tem, sim, que estudar e ter competência. E nos mostra também o mal que um sujeito egoísta e deslumbrado pode fazer a um país. A crise nos mostra que o crime político não é um defeito, mas uma instituição. 

A crise nos espanta: 
como um partido consegue esquecer qualquer resquício de grandeza e contaminar as instituições? A crise nos ensina o horror do narcisismo totalitário. A crise nos ensina que os velhos“revolucionários” ficaram iguais aos piores políticos oligárquicos — ambos trabalham na sombra, na dissimulação, no cabresto dos militantes. A crise nos lembra que a burrice é uma “força da natureza’, como os ciclones e terremotos. Crise também é cultura. A crise é Brecht, Shakespeare e revista “Caras”. 

A crise acabou com a mistificação de que o PT era o partido dos “puros”, como muitos intelectuais acreditaram e continuam acreditando, com a fé inquebrantável do“mesmo assim”— quebraram a Petrobras e o país, mas “mesmo assim”, continuam acreditando, como religiosos: 
“Credo quia absurdum”(Creio mesmo sendo absurdo). 

A crise nos mostra que o petismo maculou as ideias de uma verdadeira esquerda no país, sequestraram as palavras, a linguagem romântica d’antanho. A crise prova que a velha esquerda ancorada no petismo não tem programa, nem projeto; tem um sonho que vira pesadelo. A crise acaba com os fins justificando os meios. A crise acaba com o “futuro” e nos traz o doce, o essencial presente. 

A crise nos ensina que ninguém se define apenas como “companheiros”, “comandantes”,“aventureiros”, “guerreiros do povo brasileiro”, pois as pessoas são compulsivas, agressivas, invejosas, narcisistas, fracassadas e com problemas sexuais. A crise nos ensina mais Freud do que Marx. A crise ensina que revolução no país tem de ser administrativa e não de ruptura e utopia.

 A “contemporaneidade”, esse “faz-tudo” do novo vocabulário, inventou a“utopia da distopia”. Nada como uma boa distopia para saciar nossa fome de certezas. A crise ensina que não adianta mostrar apenas os horrores da miséria dos desvalidos; a verdadeira miséria está nos intestinos da própria política. A crise nos mostra que existem fascistas de direita e de esquerda, que a verdadeira esquerda está em tudo o que é profundo e que a direita está em tudo o que é superficial — logo, o PT é de direita. 

A crise nos revela que o país (e a vida) é mais complexo do que a divisão“opressores e oprimidos” e que o capitalismo não é uma pessoa malvada para conscientemente nos destruir; capitalismo não é um regime político — é um modo de produção. A crise nos ensinou que a corrupção de hoje não é um pecado contra a lei de Deus — é um sistema, uma ferramenta de trabalho. 

A crise nos mostra que não há mais inocentes em Brasília — todos são cúmplices. E aprendemos que mesmo com terríveis expectativas para 2015, as ruas provaram que a história é intempestiva (Nietzsche) e marcha no escuro, quando nós dormimos. 

A crise nos lembra a frase de Baudrillard tão citada por mim:
“O comunismo hoje desintegrado tornou-se viral, capaz de contaminar o mundo inteiro, não através da ideologia nem do seu modelo de funcionamento, mas através do seu modelo de disfuncionamento e de desestruturação da vida social”, vide o estrago do PT e o novo eixo do mal da América Latina. A crise está abrindo nossos olhos. 

Ouso dizer que por vielas escuras e mal frequentadas a crise fará bem ao Brasil. A crise também é útil porque nos dá uma porrada na cara para deixarmos de ser bestas.

Arnaldo Jabor
O lado bom da crise